Mulher e imigrante: a luta de Giulianna à frente da MUST University
Cofundadora e CEO de universidade estadunidense 100% online, a brasileira administra uma carteira de mais de 6 mil alunos
Caso você não tenha vindo a este mundo por outra forma que não a biológica, você foi uma criança. E em sendo uma criança, pelo menos uma vez brincou de escolinha, seja por vontade própria, seja para atender a um pedido. Comigo foi assim, e com Giulianna Carbonari Meneghello, também.
O que nos difere é que enquanto eu alinhava meus bichos de pelúcia e coletava o que podia de material escolar das minhas quatro irmãs mais velhas, ela apagava a lousa, tirava cópias e enfileirava as cadeiras do que foi a primeira das mais de 1.600 unidades de ensino, entre faculdades e escolas associadas, que a Rede Anhanguera somaria até 2013, quando foi comprada pela Kroton.
"Eu nasci dentro de uma faculdade, meninas", contou Giulianna em entrevista ao Vale do Suplício, podcast que eu e Silvia Paladino criamos como uma contracultura aos heróicos empreendedores de palco. Mas a educação não é apenas um negócio entre os Carbonari - é uma missão de vida. O pai, Antonio Carbonari Netto, é licenciado em matemática. A mãe, Maria Elisa Carbonari, é professora e doutora em Educação. E Giuli, que viu seu mundo se ampliar à medida que a rede Anhanguera se tornava um dos maiores grupos educacionais do país, não poderia seguir outro caminho. E lá está ela, desde 2017, em Miami, onde criou a MUST University - universidade estadunidense 100% online, que oferece cursos de mestrado em português, espanhol e inglês e foca em estudantes da América Latina, em especial, do Brasil.
A ideia inicial era ser um ponto de referência para brasileiros residentes nos Estados Unidos. Não funcionou. "Eu pensei: 'meu Deus, erramos o público!'". A nova estratégia foi focar em brasileiros de fora dos Estados Unidos que buscassem um diploma internacional para trazer mais peso ao currículo, mas que não pudessem investir milhares de dólares em uma temporada em outro país. Bingo. Seis mil alunos já passaram pela MUST University.
"90% dos nossos alunos são brasileiros. Mas as leis que eu sigo são americanas, o diploma é americano. Depois que o aluno se forma, eu ajudo ele a validar o diploma em alguma universidade parceira no Brasil", explicou Giulianna.
Mulher, mais nova e imigrante
O pai estava ao lado de Giuli na concepção e nos primeiros anos da operação. Mas, hoje, aos 45 anos, ela segue em voo solo, como líder da operação. E se no universo fantástico (e fantasioso) dos CEOs de MEI habitam heróis destemidos e lideranças infalíveis, no Vale do Suplício há pessoas reais, com sentimentos reais. "Às vezes eu tenho medo. Quando eu chego no ministério, ou nas conferências, meninas, sou a mais nova. E mulher. E imigrante!", expôs, com a coragem que só gente de verdade tem.
O que me intriga - e o que fiz questão de dizer a ela - é que todas essas atribuições que nos deixam a nós, mulheres, inseguras, são na verdade nossa fortaleza. Mesmo sendo mulher em um ambiente masculinizado, mesmo sendo mais jovem que a maioria das pessoas com as quais divide a sala, e mesmo sendo de outro país - e um país em desenvolvimento, diga-se de passagem -, ela conquistou uma cadeira naquele ambiente de poder. E está fazendo por merecer.
"Quando eu começo a falar em inglês, e obviamente vou ter o sotaque brasileiro, eles se surpreendem. Conto um pouco da nossa história e falo que já temos mais de 6 mil alunos." A resposta, geralmente, é uma pergunta para confirmar se Giuli não se confundiu com as palavras: " six hundred [seiscentos] or six thousand [6 mil]?".
"Eles não entendem, porque a maior universidade daqui é Phoenix, que tem 120 mil alunos. 120 mil alunos tinha um campus da Anhanguera."
O Brasil é grande. Nossos empreendedores, também.
(*) Adriele Marchesini é jornalista especializada em TI, negócios e Saúde com quase 20 anos de experiência. Depois de passar por redações de veículos como Estadão, Infomoney, ITWeb e CRN Brasil, cofundou as agências essense e Lightkeeper, as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios. É cofundadora do Unbox Project e coâncora do podcast Vale do Suplício. Criado pelas jornalistas Adriele Marchesini e Silvia Noara Paladino, o podcast Vale do Suplício nasceu como uma contracultura aos empreendedores de palco - os típicos CEOs de MEI, escritores de textões no LinkedIn - para contar a história de empreendedores que falam pouco, mas fazem muito. Ouça no Spotify.