'Não há uma solução de curto prazo para o gargalo do frete marítimo', diz presidente da Maersk
Robbert van Trooijen, do gigante dinamarquês do transporte marítimo e da logística, afirma que o ritmo de normalização no transporte marítimo é incerto
RIO - Os gargalos das cadeias de abastecimento devem durar até meados do ano, mas ainda há incerteza sobre o ritmo de normalização, disse Robbert van Trooijen, presidente para a América Latina e o Caribe do grupo A.P. Møller-Maersk, gigante dinamarquês do transporte marítimo e da logística, que colheu bons resultados globais em meio à crise.
As incertezas passam também pela dificuldade em expandir a infraestrutura, segundo o executivo. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Por que os gargalos estão demorando tanto para passar?
É um assunto global, não é de Brasil nem regional. Alguns mercados tiveram um crescimento de demanda super alto. E a navegação é uma indústria que tem uma capacidade fixa por um tempo. Um navio não se constrói em um ou dois meses, se constrói em anos. As encomendas que a indústria faz hoje serão entregues em 2024. A capacidade global que temos está sendo utilizada em 100%. Inclusive, afretamos mais navios.
Não foi o suficiente?
Aumentamos nossa capacidade, mas um navio que não existe não conseguimos afretar. E os donos desses navios são espertos, então, colocaram empréstimos bem mais altos, em condições de contrato bem mais alongados. A outra parte é a estrutura portuária, que também não cresce de um mês para o outro. Estamos conversando com os portos para otimizar a utilização da capacidade portuária, mas está chegando no limite. Os portos globais, incluindo os da América Latina, estão sendo bem utilizados neste momento. Também não tem uma solução de curto prazo.
Quando a situação deverá começar a melhorar?
Achamos que essa situação vai durar até metade do ano. E aí vai haver uma certa forma de normalização. Aonde vai chegar e como, não está claro ainda, mas vai haver uma certa normalização na segunda metade do ano. Dependendo dos desafios de infraestrutura locais, há lugares do mundo em que vai demorar mais. E depende também da demanda. A demanda mudou muito e deve normalizar em algum momento, mas não sabemos se os consumidores vão desistir de novos padrões de consumo tão rapidamente.
No Brasil, a infraestrutura precária pode atrasar a normalização?
Não tenho um olhar diferente para o Brasil. Um caso famoso é o Porto de Los Angeles, que tem 70 navios esperando por semanas esperando fora do porto. É a maior porta de entrada da Costa Oeste dos Estados Unidos. Não sei se vai normalizar tão rápido. Não vejo na América Latina uma coisa tão clara nesse sentido.
A qualidade dos portos do Brasil preocupa?
Comecei a trabalhar no Brasil em 1993. Em comparação com 1993, melhorou? Melhorou enormemente. Naquela época, era imprevisível se um navio de 12 mil ou 13 mil contêineres conseguiria entrar num porto brasileiro. Não posso dizer que não houve uma melhoria enorme, mas, obviamente, o mundo muda. O que era suficiente ontem talvez não seja amanhã. Os maiores navios maiores do mundo já têm 25 mil TEUs (contêineres de 20 pés).
Como vê os planos do governo para privatizar os portos públicos?
Sou usuário do porto, não sou dono. Como usuário, qualquer privatização e qualquer investimento dos operadores portuários são um benefício para nós. Investimentos na infraestrutura estão sempre um pouco atrasados em relação ao crescimento do fluxo de cargas do mercado. É importante utilizar a infraestrutura logística da maneira mais eficiente possível. Normalmente, a privatização, em termos de criar uma relação puramente comercial entre as partes, ajuda o crescimento da eficiência da utilização da infraestrutura. Para nós, é um movimento positivo.
A operação integrada da logística ganhou impulso com a pandemia?
A fragmentação da cadeia de logística apareceu como um problema. Tradicionalmente, as empresas têm suas equipes de abastecimento, sempre buscando preços mais econômicos para cada trecho da cadeia de suprimentos. Agora, há uma busca por custos integrais e a procura por informações sobre a cadeia. A pandemia bagunçou a relação entre os trechos da cadeia de suprimentos e mudou o comportamento do consumidor. As pessoas não podiam ir ao shopping e passaram a encomendar as coisas de casa, esperando a entrega no mesmo dia ou no dia seguinte, no máximo. São padrões que não existiam antes.
A Maersk registrou bons resultados em meio à pandemia. Quais os planos para o Brasil?
Acabamos de investir numa nova operação em Cajamar (SP), que é um centro de abastecimento super importante para a área de São Paulo. O novo armazém vai ficar pronto em junho, agora. Começamos a investir em soluções ferroviárias. Já tínhamos (soluções ferroviárias), mas agora estamos operando nosso primeiro terminal de contêineres na cidade de São Paulo, com quatro trens por semana, de Santos para São Paulo, com capacidade mensal de 320 contêineres (de 40 pés, em cada sentido, num total de 640 contêineres por mês). Estamos pensando em armazenagem como investimento principal.
Qual a perspectiva de resultados no Brasil?
Já estamos no Brasil faz décadas. Passamos por tudo, hiperinflação, Plano Real, muitas coisas. Uma coisa que levo do Brasil é que ele sempre cresce, sempre volta. Temos uma posição forte no transporte marítimo e temos uma posição crescente na área de logística. Nosso crescimento na logística não vai depender do crescimento do mercado como um todo. Estamos crescendo muito mais rápido do que o mercado hoje e vamos conseguir fazer isso nos próximos anos também. É um crescimento de dois dígitos e o primeiro número não é 1.