Nicolás Maduro: 'A Ku Klux Klan que governa a Casa Branca quer se apoderar da Venezuela'
Em entrevista à BBC, líder venezuelano afirma que é o presidente constitucional e que EUA tentam criar uma crise humanitária para justificar uma invasão do país.
Em entrevista à jornalista da BBC Orla Guerin, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, se mostrou disposto a resistir às pressões de várias nações para que convoque eleições e afirmou que os EUA tentam criar "uma crise humanitária para justificar uma intervenção militar" no país.
Maduro diz que é o "presidente constitucional" da Venezuela e que Juan Guaidó, parlamentar da oposição que se autoproclamou presidente interino do país em 23 de janeiro e tem sua legitimidade reconhecida por 42 países - entre os quais o Brasil -, integra um "plano golpista" contra a Venezuela orquestrado pelo governo de Donald Trump.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC - Enquanto conversamos aqui, há ajuda americana esperando na fronteira com a Colômbia. Encontrei muita gente que necessita dela desesperadamente. Por que não permite que passe?
Nicolás Maduro - Esse é um show montado pelo governo dos Estados Unidos com a complacência do governo colombiano para humilhar os venezuelanos. A Venezuela tem os problemas que qualquer outro país pode ter.
Os Estados Unidos tentaram criar uma crise humanitária para justificar uma intervenção militar. Nós dizemos não às migalhas que pretendem trazer, uma comida intoxicada vinda das sobras que eles têm. Nosso povo não precisa ser mendigo de ninguém.
BBC - O senhor afirma que a ajuda é um show, mas também diria que a fome é um show? Eu vi com meus próprios olhos. No caminho até aqui vimos gente que buscava comida no lixo com as próprias mãos.
Maduro - Vocês produzem um estereótipo na BBC e na imprensa americana de uma Venezuela que não existe. Temos cerca de 4,4% de pobreza extrema. Claro que falta superá-la. Mas antes ela atingia 25%, e reduzimos todos os índices de desigualdade.
O governo Donald Trump sequestrou US$ 10 bilhões de contas bancárias e outros bilhões em ouro em Londres que são nossos, dinheiro com que iríamos comprar alimentos, remédios e insumos. Se querem ajudar a Venezuela, que liberem os recursos.
BBC - Se não há uma crise humanitária aqui, por que mais de 3 milhões de pessoas abandonaram o país? Isso é cerca de um décimo da população.
Maduro - Sem dúvda, como produto da guerra econômica, há um fenômeno novo de migração. Nós temos números oficiais, e não passam de 800 mil os venezuelanos que saíram nos últimos anos buscando alternativas. Muitos deles depararam com situações que não esperavam e estão voltando. A Venezuela segue sendo um país receptor de migrantes. Em dezembro de 2018, tivemos 120 mil chegadas de colombianos.
BBC - A Venezuela tem uma hiperinflação de 1.000.000% ao ano. Nenhum país do mundo sofre algo similar. Quando o senhor chegou ao poder, ela era de 20%. O colapso econômico não tem nada a ver com o senhor?
Maduro - Vocês tomam como referência qualquer coisa que se publica nos meios de comunicação ocidentais. Nenhum país do mundo aguentaria uma inflação de 1.000.000%.
BBC - Muita gente questiona sua vitória eleitoral do ano pasado, e mais de 50 países reconhecem Juan Guaidó como o presidente.
Maduro - Cinquenta? De onde tirou esse número? Você é uma jornalista de verdade ou só veio verificar sua campanha de guerra, a campanha de guerra do Ocidente e da BBC de Londres contra a Venezuela?
BBC - Mas o sr. questiona o número de países que reconhecem Juan Guaidó?
Maduro - É que você está mentindo. Não são 50. É uma dezena de governos, não de países, que estão alinhados com a política de Donald Trump. Os extremistas da Casa Branca querem impor um golpe de Estado na Venezuela.
Na Venezuela, o povo decide e, de acordo com a Constituição, só o povo põe e tira.
BBC - Se cabe ao povo decidir, por que não convocar novas eleições presidenciais críveis? Parece que seu país está muito divivido sobre quem deve ser presidente.
Maduro - Nos últimos 18 meses, a Venezuela teve seis eleições para eleger seus 23 governadores, ganhamos 19, e ganhamos eleições em 307 dos 335 municípios. A eleição que está pendente e certamente será adiantada é a do Parlamento. É a única instituição que não se relegitimou.
Nossa Constituição contempla a figura do referendo revogatório. À oposição resta a opção de ativar um referendo revogatório em 2022.
BBC - Muitos dizem que as eleições, especialmente as últimas, não foram limpas.
Maduro - Não houve um só questionamento legal interno perante o Conselho Nacional Eleitoral nem perante o Poder Judiciário.
É uma guerra política do império americano, da extrema direita e da Ku Klux Klan que hoje governa a Casa Branca para se apoderar da Venezuela.
BBC - O senhor acha que o presidente Trump é um supremacista branco?
Maduro - Ele é, pública e abertamente. E estimulou as correntes fascistas, neonazistas dentro dos EUA, na Europa e na América Latina.
BBC - O senhor diz aos EUA que se mantenham fora da Venezuela. Mas por que acredita que o senhor também é criticado por muitos países da América Latina, seus próprios vizinhos?
Maduro - Lamentavelmente, alguns governos de extrema direita chegaram à frente de alguns países. Colômbia, Chile, (Mauricio) Macri na Argentina.
Eles formam um grupo de 11 países. Com o resto dos países da América Latina e o Caribe temos relações permanentes.
BBC - A ONU diz que ao menos 40 pessoas morreram em protestos recentes, 26 delas nas mãos das forças de segurança.
Maduro - Que protestos? Não nos mostraram uma só prova em uma campanha que durou quase 15 dias.
Só um grupo de pequenos delinquentes saiu às ruas e foi capturado em suas ações de violência.
BBC - O senhor confia no apoio do Exército?
Maduro - A Força Armada Nacional Bolivariana é estruturalmente humanista, democrática e institucionalizada. Não é um exército de pinochetistas, nem vai ser. Por isso essa força armada está firmemente leal à Constituição, mobilizada, preparando-se para a defesa do país.
BBC - Há alguma circunstância na qual o senhor consideraria deixar o poder?
Maduro - Não estou no poder porque quero nem se pode tratar a saída do poder como uma decisão individual. Eu formo parte de um movimento social, político, histórico, revolucionário, e esse grande movimento popular me deu essa responsabilidade, cumprindo todos os passos e requisitos constitucionais e eleitorais.
O mandato que me deram é muito poderoso e tenho de cumpri-lo. Eu o jurei com minha própria vida.