"Ninguém celebra alta de juros, mas não há alternativa"
Economista-chefe do Itaú diz que taxa Selic pode seguir alta se crescerem os gastos públicos
Uma Selic (taxa básica de juros) de dois dígitos pode se tornar mais persistente do que o mercado financeiro espera hoje. Na análise do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, esse pode ser o cenário caso o presidente eleito neste ano estimule o crescimento dos gastos públicos. Na semana passada, o Banco Central elevou a Selic para 10,75%, chegando a dois dígitos pela primeira vez em quatro anos e meio. "Se voltarmos a ter uma trajetória forte de crescimento sustentado do gasto público, vamos viver com taxa de juros mais alta", diz Mesquita.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A previsão do Itaú para o PIB deste ano é de queda de 0,5%. Em janeiro, tivemos o problema da seca, prejudicando o agronegócio. Diante disso, já há um viés negativo para o -0,5?
De fato, tem notícias piores de safra por conta do clima, mas teve alguns indicadores de atividade do fim do ano passado que vieram melhores que o esperado. Então, talvez o ponto de partida seja um pouco melhor do que projetado anteriormente. Isso compensa por ora a frustração associada ao clima. Quando olhamos para 2022 como um todo, vemos riscos simétricos. Um desses é se a política monetária tiver de continuar subindo a taxa de juros. O BC sinalizou desaceleração no ritmo do aperto. Isso aponta para taxa de juros mais próxima de 12% do que de 13%. Se tiver de subir mais para 13%, aí o PIB ficaria pior, entre -0,5% e - 1%. Outro risco de baixa é a Ômicron. Se a variante afetar a mobilidade, o PIB poderia cair mais 0,2 ponto porcentual. No lado positivo, poderia ter aceleração de gastos de governo subnacionais. Se eles resolverem gastar mais, poderia dar mais 0,5 ponto porcentual para o PIB. A produção de veículos está muito volátil, mas, se normalizasse, veríamos uma alta de mais 0,2 ponto porcentual. Finalmente, o IDAT (índice diário de atividade econômica, indicador do Itaú) de serviços está rodando melhor que a pesquisa de serviço do IBGE. Se estivermos certos, teríamos mais 0,3 ponto porcentual. Somando todos os riscos, terminamos com número muito próximo do -0,5%.
Essa questão da seca pode pressionar a inflação ainda mais?
Pode. Subimos recentemente a projeção deste ano de inflação de 5% para 5,3% por várias razões, mas um fator foi a pressão nesse segmento. O risco continua. Temos visto algumas revisões de redução da safra brasileira de soja, que é fundamental para toda a cadeia do agro. Consideramos que a alta das commodities agrícolas pode jogar algo como 0,1 ou 0,2 ponto porcentual na inflação deste ano.
Como o sr. avalia a atuação do BC até agora?
O BC está fazendo o que prevê o regime de metas. Houve um choque inflacionário muito grande em 2021. O BC reagiu subindo o juro. É uma alta expressiva do juro nominal e do real, que vai ter efeito contracionista na atividade. A forma de reduzir a inflação é usando política monetária. A tendência é que funcione. É a política adequada. Ninguém comemora alta de juros, mas não tem alternativa. Viver com inflação não é possível. Tentamos na década de 60 e 70 e deu muito errado.
Quão preocupante é o cenário internacional, com a tendência de alta global dos juros?
A maioria dos BCs está subindo taxa de juros, se preparando para subir ou reduzindo estímulos quantitativos. O Banco Central Europeu mudou o tom. Antes, o tom era o de acreditar no caráter transitório da inflação. Agora, está vendo com mais cautela. O Banco da Inglaterra, nesta semana, subiu a taxa de juros como se esperava, mas há um debate no comitê para subir até mais rapidamente. Nos Estados Unidos, a discussão migrou primeiro de se sobe ou não a taxa neste ano para se sobe duas ou três vezes. Agora já é se sobe sete vezes, em todas as reuniões que se tem no ano. Como a nossa taxa de juros já está elevada, o impacto dessa mudança de postura no exterior talvez não seja tão severo assim. Em um cenário em que os aumentos nos EUA vão de 0,25 ponto em 0,25, acho que o mercado pode digerir. Se forçar a acelerar, vai ter um período de estresse. De qualquer forma, já é suficiente para que o real não tenha uma perspectiva grande de apreciação neste ano. Observamos que a moeda tem se fortalecido, mas não vemos potencial para isso durar o ano inteiro tendo em vista o que deve acontecer com a política monetária nos países centrais. Vemos o real terminando 2022 perto do que terminou em 2021.
Quanto de instabilidade no mercado financeiro o Itaú espera devido à eleição?
Acha que a eleição, de certa forma, está embutida muito nos preços dos ativos. O cenário é muito cristalizado. Tem dois candidatos bem à frente dos demais. Claro que pode mudar, política é dinâmica. Mas o cenário parece consolidado. Aí, naquele ritmo tradicional, o mercado vai começar a deixar de se preocupar com quem vai ganhar e passar a se preocupar com qual vai ser a política econômica. Daqui um ano estaremos discutindo isso. Como ainda está distante e não tem muita informação porque nenhum pré-candidato apresenta propostas detalhadas de política econômica com tanta antecedência, se for para afetar muito o mercado, isso tende a acontecer mais pra maio e junho.
O mercado já não vê espaço para uma terceira via então?
Até agora, não se mostrou. É verdade também que muitos analistas e políticos dizem que o momento de uma nova via surgir seria mais para março e abril. Por ora, hoje, parece que é uma eleição novamente polarizada e a gente vai ter que, em vez de discutir nomes, discutir mais conteúdo de proposta de política econômica, o que a gente ainda não conhece.
O sócio-fundador e presidente da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, falou que vê um eventual governo Lula com inflação alta. O sr. concorda?
Quem quer que ganhe a eleição não vai querer conviver com uma inflação elevada. Então, não vejo um cenário de inflação persistentemente alta como muito provável. Isso não quer dizer que a gente não possa caminhar na direção de ter taxas de juros altas para evitar que a inflação fique alta. Alta que eu digo não é uma taxa de juros que bate 11% ou 12% no auge de um processo de desinflação, mas é um ambiente mais persistente de taxa de juros de dois dígitos. O Brasil aprovou reformas importantes nos últimos anos, como o controle dos gastos e a redução da relevância do crédito subsidiado, se voltarmos a ter uma trajetória forte de crescimento sustentado do gasto público, a ter uma segmentação intensa do mercado de crédito, aí provavelmente para a gente viver com taxas de inflação mais baixa, vamos viver com taxa de juros mais alta. É o tipo de equilíbrio que o Brasil já teve em momentos passados até por bastante tempo. A taxa de juros voltou ao patamar de dois dígitos. Isso vai ser uma exceção que tem a ver com o choque da pandemia ou vai ser o novo normal da taxa de juros no Brasil? Vamos descobrir nos próximos 18 meses.