Nova âncora fiscal prevê piso para despesas e investimentos
Haddad diz que nova regra não é 'bala de prata' e Campos Neto, do BC, afirma que plano parece 'bastante razoável'
O desenho do novo arcabouço fiscal, apresentado nesta quinta-feira, 30, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz uma aposta no crescimento da arrecadação com impostos e numa regra de controle de gastos combinada com a criação de um piso para o aumento das despesas. Seja qual for a circunstância, a despesa pública vai crescer, inclusive nos próximos governos.
A regra fiscal definiu que os gastos vão aumentar no mínimo 0,6% acima da inflação, mesmo se a meta de resultado primário (arrecadação menos despesas) estiver sendo descumprida. A despesa também terá um teto de crescimento, de 2,5% acima do IPCA, garantindo que valores acima desse valor sejam direcionados para investimentos.
Na prática, a banda de 0,6% e 2,5% permite que haja sempre um crescimento real das despesas. Esse é um dos pontos de maior preocupação dos especialistas em contas públicas (veja na B3), que avaliam que a medida pode dificultar a necessidade de corte de gastos no futuro.
Para o governo, no entanto, é uma garantia na avaliação do governo Lula de reparação histórica das políticas sociais e os investimentos necessários para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O anúncio do arcabouço fiscal, após exatos cinco meses de expectativa desde a vitória de Lula nas eleições, agradou o mercado financeiro. A Bolsa teve o quinto dia de ganho seguido; juros e dólar caíram.
Alvo da preocupação do presidente Lula e razão de fogo amigo de integrantes do PT à equipe econômica, os investimentos ficarão blindados com um piso para aplicação dessas despesas. Pela regra, o patamar atual entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões será mantido e corrigido pela inflação, como antecipou o Estadão.
A nova âncora fiscal é baseada no mecanismo de que o aumento anual da despesa terá que ser sempre em velocidade menor do que as receitas. O crescimento da despesa estará limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses (mais detalhes na B2).
O arcabouço prevê metas de resultado para o período de quatro anos, com intervalos de flutuação de 0,25 ponto porcentual. Um modelo que se espelha ao de metas de inflação seguido pelo Banco Central. Para 2023, Haddad surpreendeu e estabeleceu como meta de déficit das contas públicas de R$ 50 bilhões (0,5%), resultado melhor do que o rombo de R$ 100 bilhões (1%) previsto no início do governo Lula.
"É um plano de voo", disse o ministro durante o anúncio. Ele avaliou que o arcabouço recupera uma trajetória de credibilidade e permite que os investidores não tenham dúvida da segurança em investir no Brasil. "Não existe bala de prata", acrescentou ao se referir ao trabalho pela frente para aprovar o novo arcabouço e garantir o cumprimento das metas traçadas.
Presente no anúncio, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, buscou tranquilizar os céticos ao afirmar que a regra é crível justamente porque tem flexibilidade. Ela não comporta exceções a não ser o que está na própria Constituição, como os pisos constitucionais para saúde e educação, atrelados ao comportamento da receita. Os gastos nessas duas áreas, inclusive, serão recompostos. Como mostrou o Estadão, as emendas parlamentares também ficaram preservadas de eventuais cortes.
Enquanto o arcabouço era divulgado por Haddad, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a regra "parecia bastante razoável", mas que era preciso ainda ver o formato final da proposta. O texto legal ainda será redigido e só ficará pronto na próxima semana. Já o presidente do conselho de administração do Bradesco e colunista do Estadão, Luiz Carlos Trabuco Cappi, a nova norma "é robusta e foi desenhada no sentido de agregar previsibilidade, ao orientar o governo para uma boa gestão das contas públicas".