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O casal que processou o Google — e ganhou R$ 14 bilhões

Shivaun Raff e seu marido, Adam, descrevem a longa batalha judicial que tiveram com a gigante da tecnologia Google.

27 out 2024 - 11h36
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"O Google essencialmente nos fez desaparecer da internet."

Dias de lançamento são igualmente emocionantes e aterrorizantes para muitos fundadores de empresas que vão estrear no mercado.

Mas provavelmente esse dia nunca será pior do que o vivenciado por Shivaun Raff e seu marido, Adam.

Era junho de 2006 e o casal estava prestes a lançar o Foundem, um site pioneiro de comparação de preços. No projeto, eles sacrificaram empregos bem pagos e construíram a plataforma do zero.

Eles não sabiam na época, mas aquele dia — e os dias que se seguiram — marcariam o começo do fim da empresa.

Isso porque o Foundem foi atingido por uma penalidade de pesquisa do Google, provocada por um dos filtros automáticos de spam do mecanismo de pesquisa.

Isso empurrou o site para baixo nas listas de resultados de pesquisa para consultas relevantes com esse mercado, como "comparação de preços" e "comparação de compras".

Isso significava que o site do casal, que cobrava uma taxa quando os clientes clicavam em listas de produtos de outros sites, sofreu para ganhar algum dinheiro.

"Estávamos monitorando nossas páginas e como elas estavam sendo classificadas [no sistema do Google]. Então vimos todas elas despencarem quase imediatamente", diz Adam.

Embora o dia do lançamento do Foundem não tenha saído como planejado, ele seria o gatilho de outra coisa: uma batalha jurídica de 15 anos que culminou em uma multa recorde de € 2,4 bilhões (R$ 14,7 bi, na cotação atual) para o Google, que foi condenado por ter abusado de seu domínio de mercado.

O processo é visto como um dos momentos mais marcantes na regulamentação global das grandes empresas de tecnologia.

O Google passou sete anos resistindo à condenação, expedida em junho de 2017. Porém, em setembro deste ano, o Tribunal de Justiça Europeu rejeitou todos os recursos da companhia.

Em entrevista ao programa The Bottom Line, da BBC Radio 4, Shivaun e Adam explicaram que, a princípio, eles pensaram que o início vacilante do site tinha sido simplesmente um erro.

"No começo, pensamos que isso seria um dano colateral", diz Shivaun, de 55 anos.

"Nós apenas presumimos que tínhamos que escalar a plataforma para o lugar certo e essa penalização seria anulada."

"Se o tráfego para o seu site for negado, você não tem um negócio", acrescenta Adam, de 58 anos.

O casal enviou ao Google inúmeras solicitações para que a restrição automática fosse suspensa, mas, cerca de dois anos depois, nada havia mudado e eles relatam que não receberam nenhuma resposta.

Enquanto isso, o site aparecia normalmente em outros mecanismos de busca. No entanto, isso realmente não importava, de acordo com Shivaun, já que "todo mundo usa o Google".

O casal descobriria mais tarde que o site deles não era o único a ter sido colocado em desvantagem pelo Google — quando a gigante da tecnologia foi considerada culpada e multada em 2017, havia cerca de outras 20 queixas, que incluíam Kelkoo, Trivago e Yelp.

O Google é a principal ferramenta de busca utilizada pela maioria das pessoas
O Google é a principal ferramenta de busca utilizada pela maioria das pessoas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Adam, que construiu uma carreira em na área da computação, diz que teve o "momento eureka" para criar a Foundem enquanto fumava um cigarro do lado de fora do escritório de seu antigo empregador.

Na época, os sites de comparação de preços davam os primeiros passos, e cada um focava apenas num produto específico.

Mas o Foundem era diferente, porque permitia que os clientes comparassem uma grande variedade de produtos — de roupas a passagens aéreas.

"Ninguém mais chegou perto dessa ideia", sorri Shivaun, que foi consultora de software para várias grandes marcas globais.

Durante o julgamento realizado em 2017, a Comissão Europeia concluiu que o Google havia promovido ilegalmente seu próprio serviço de comparação de compras nos resultados de pesquisa, enquanto rebaixava as plataformas criadas por concorrentes.

Dez anos antes disso, porém — quando o Foundem foi lançado — Adam diz que não tinha motivos para supor que o Google estava sendo deliberadamente anticompetitivo em relação às compras online.

"Eles não eram realmente competidores sérios nesse setor", avalia ele.

No final de 2008, o casal começou a suspeitar de um jogo sujo.

Faltavam três semanas para o Natal e a dupla recebeu uma mensagem que avisava que o site havia ficado lento e não carregava adequadamente.

Eles pensaram que se tratava de um ataque cibernético, "mas na verdade era só que todo mundo tinha começado a visitar o Foundem", lembra Adam.

À época, o programa The Gadget Show, do Channel 5, um dos canais da televisão britânica, tinha acabado de nomear o Foundem como o melhor site de comparação de preços do Reino Unido.

"E isso foi muito importante", explica Shivaun, "porque então entramos em contato com o Google e dissemos, olha, certamente [esse bloqueio] não está beneficiando seus usuários e torna impossível para eles nos encontrarem".

"Não fomos ignorados, mas recebemos uma resposta do Google no estilo 'saia daqui, vá procurar o que fazer'."

"Nesse momento decidimos que precisávamos lutar", diz Adam.

O casal foi à imprensa, com sucesso limitado, e levou a reclamação aos órgãos reguladores de Reino Unido, Estados Unidos e Bruxelas, na Bélgica.

Foi neste último local — onde fica a Comissão Europeia (CE) — que o caso finalmente decolou, com o lançamento de uma investigação antitruste a partir de novembro de 2010.

"Uma das coisas que eles nos disseram foi que, se esse era um problema sistêmico, por que éramos as primeiras pessoas que chegavam até lá", lembra Shivaun.

"Dissemos que não tínhamos 100% de certeza, mas suspeitávamos que as pessoas estavam com medo, porque todas as empresas na internet dependem essencialmente do Google para a força vital que vem do tráfego."

'Não gostamos de valentões'

O casal estava em um quarto de hotel em Bruxelas, a apenas algumas centenas de metros do prédio da Comissão Europeia, quando a comissária de concorrência Margarethe Vestager finalmente anunciou o veredicto que eles e outros sites de compras esperavam.

Mas não houve estouro de rolhas de champanhe. O foco deles então se voltou para garantir que a comissão colocasse a decisão em prática.

"Acho que foi uma pena para o Google o que eles fizeram conosco", diz Shivaun.

"Nós fomos criados sob a ilusão de que podemos fazer a diferença, e realmente não gostamos de valentões."

Nem mesmo a derrota final do Google no caso no mês passado significou o fim do processo para o casal.

Eles acreditam que a conduta do Google continua anticompetitiva e a Comissão Europeia segue investigando o caso.

Em março deste ano, sob a nova Lei de Mercados Digitais, a comissão abriu uma investigação sobre a empresa controladora do Google, a Alphabet, para verificar se ela continua a dar preferência a seus próprios produtos e serviços nos resultados de pesquisa.

Um porta-voz do Google afirmou: "O julgamento do Tribunal Europeu de Justiça [em 2024] se refere apenas à forma como mostramos os resultados dos produtos de 2008 a 2017."

"As mudanças que fizemos em 2017 para cumprir com a decisão da Comissão Europeia funcionaram com sucesso por mais de sete anos, gerando bilhões de cliques para mais de 800 serviços de comparação de compras."

"Por esse motivo, continuamos a contestar fortemente as alegações feitas pela Foundem e o faremos quando o caso for considerado pelos tribunais."

O casal que criou a Foundem também busca uma ação de danos civis contra o Google, que deve começar a ser julgada no primeiro semestre de 2026.

Mas quando, ou se, uma vitória final se concretizar, provavelmente ela virá com um gosto amargo — eles foram forçados a fechar a Foundem em 2016.

A longa luta contra o Google também tem sido exaustiva para eles.

"Acho que se soubéssemos que levaria tantos anos, talvez não tivéssemos feito a mesma escolha", admite Adam.

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