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O escândalo que fez o Facebook perder US$ 35 bilhões em horas

Empresa Cambridge Analytica teria usado informações de 50 milhões de usuários do Facebook obtidas por meio de um teste de personalidade. Dados teriam sido usados para marketing político na eleição presidencial dos EUA e no referendo do Brexit, no Reino Unido.

19 mar 2018 - 20h30
(atualizado em 20/3/2018 às 10h44)
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O valor do Facebook na bolsa de valores de tecnologia dos Estados Unidos encolheu impressionantes US$ 35 bilhões (ou aproximadamente R$ 115,5 bilhões) entre a manhã e o anoitecer de segunda-feira.

Para efeito de comparação, as ações da rede social caíram, só na segunda, o equivalente ao valor de mais de 200 mil casas populares no Brasil.

Até o fechamento do dia na Nasdaq, em Nova York, as ações do Facebook haviam caído 6,7%.

Esta é a maior redução percentual em valor de mercado do Facebook em um só dia em quatro anos, levando a capitalização de mercado da empresa de US$ 537 bilhões (ou R$ 1,77 trilhão), registrados na sexta-feira à noite, para aproximadamente US$ 500 bilhões no fim da segunda.

O resultado teve reflexos nas principais empresas do ramo, que também tiveram resultados negativos nos EUA (enquanto a empresa que controla o Google caiu 3%, outras gigantes como Amazon, Netflix e Apple registraram quedas de até 1,5%).

A âncora que afundou os papéis da empresa de Mark Zuckerberg foi lançada durante o fim de semana, quando diferentes reportagens da imprensa internacional denunciaram que uma consultoria teria usado para fins políticos informações privadas de mais de 50 milhões de usuários do Facebook.

Os perfis das pessoas que integram a rede social são considerados "moeda valiosa" na guerra de marketing eleitoral. Isto porque as interações no Facebook revelam muito sobre nossa personalidade, interesses, medos e opiniões.

Com base nestas informações, empresas podem desenvolver algorítimos para direcionar de forma personalizada publicidade, artigos ou mensagens de cunho político adequados aos interesses de cada um ou com maior potencial de causar impacto.

Poderia, por exemplo, direcionar mensagens de um candidato sobre o tema da segurança pública para os usuários de redes sociais que mais demonstrem se preocupar com o tema, ou que tenham relatado ter vivido algum tipo de violência. Mas além de material com informações verídicas, há evidências de que consultorias também façam circular boatos, acusações contra adversários políticos dos clientes e "fake news".

Procurado pela BBC Brasil, o Facebook nos Estados Unidos não comentou as perdas na bolsa americana, nem o escândalo revelado no fim de semana.

O caso

O pivô do escândalo é a Cambridge Analytica, uma empresa de análise de dados que trabalhou com a equipe responsável pela campanha de Donald Trump nas eleições de 2016, nos Estados Unidos. Na Europa, a empresa foi contratada pelo grupo que promovia o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia).

A companhia é propriedade do bilionário do mercado financeiro Robert Mercer e era presidida, à época, por Steve Bannon, então principal assessor de Trump.

Segundo os jornais britânicos The Guardian e The Observer, e o americano The New York Times, a consultoria comprou informações pessoais de usuários do Facebook sem autorização e as usou para criar um sistema que teria permitido predizer e influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas.

As informações foram coletadas por um aplicativo chamado thisisyourdigitallife (essa é sua vida digital, em português), que pagou centenas de milhares de usuários pequenas quantias para que eles fizessem um teste de personalidade e concordassem em ter seus dados coletados para uso acadêmico - o app foi desenvolvido por Aleksandr Kogan, um pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido (a universidade não tem ligações com a Cambridge Analytica).

Além da óbvia questão de que muitos usuários não leem os longos termos e condições e mal sabem que estão dando suas informações, o grande problema foi que o aplicativo também coletou as informações dos amigos de Facebook das pessoas que fizeram o teste, sem autorização.

À época, a política do Facebook permitia a terceiros a coleta de dados de amigos, mas apenas para melhorar a experiência do próprio usuário no aplicativo. Era proibido que os dados fossem vendidos ou usados para propaganda.

De acordo com a imprensa americana, 270 mil pessoas fizeram o quiz - mas os termos de uso, que costumam ser ignorados pela maioria, permitiam que desenvolvedores tivessem acesso aos dados de amigos deles também.

Isso teria feito o número de pessoas com dados coletados saltar para a casa dos 50 milhões. As informações obtidas por meio do teste de personalidade foram vendidas à Cambridge Analytica, segundo contou o ex-funcionário da empresa Christopher Wylie, que é um pesquisador canadense na área de ciência da computação, aos jornais The New York Times e The Guardian.

Segundo as publicações, os dados obtidos pela consultoria incluem detalhes da identidade de usuários do Facebook, publicações, curtidas e rede de amigos.

"Ao coletar dados das pessoas e categorizar o perfil delas, isso te permite segmentar a população, para direcionar mensagens sobre questões que interessam (a cada grupo), usando linguagem e imagens que as possam gerar engajamento. Fazemos isso na Ásia, nos Estados Unidos...", explicou Alex Tyler, gerente de dados da Cambridge Analytica, a um repórter do Channel 4, emissora britânica, que se fez passar por um potencial cliente.

Na mesma gravação, executivos da empresa dizem que pretendem começar a atuar no Brasil. "Nós fizemos isso no México, na Malásia, e agora estamos indo para o Brasil", completou o diretor de gestão da consultoria, Mark Turnbull.

A Cambridge Analytica atuaria na eleição de 2018, no Brasil, por meio de uma parceria com a empresa Ponte CA. Mas o dono desta empresa brasileira, André Torretta, informou que rompeu o acordo, após as denúncias.

O Facebook demorou para agir?

Entre as provas do acesso irregular dos perfis apresentadas por Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, estão uma carta de advogados do Facebook enviada a ele em agosto de 2016, pedindo para que destruísse os dados coletados por meio do teste de personalidade criado pelo acadêmico Aleksandr Kogan.

A carta foi enviada alguns meses depois de uma reportagem do The Guardian apontar possíveis irregularidades no acesso a perfis de usuários da rede social e dias antes da Cambridge Analytica passar a atuar na campanha de Trump.

"Porque os dados foram obtidos e usados sem permissão e porque a GSR (empresa criada por Kogan para obter os perfis de quem fez o quiz) não estava autorizada a compartilhar ou vender o material a você, ele não pode ser usado legitimamente no futuro e deve ser deletado imediatamente", diz a carta do Facebook.

Segundo Wylie, o Facebook não foi atrás para se assegurar que as informações foram deletadas.

"O que mais me impressionou foi isso. Eles esperaram dois anos e não fizeram absolutamente nada para checar se os dados foram apagados. Eles só me pediram para preencher com x uma pergunta e postar de volta o documento", contou o ex-funcionário da Cambridge Analytica.

O que diz o Facebook?

O Facebook diz que havia sido informado de que os dados dos usuários seriam usados para fins acadêmicos. Conforme a rede social, Kogan obteve acesso aos dados dos usuários de forma legítima, mas depois quebrou as regras ao repassá-los a terceiros.

O Facebook também afirmou que apagou o aplicativo com o teste de personalidade em 2015 e pediu para que as informações dos usuários fossem deletadas. Mas a carta a Wylie solicitando a eliminação dos dados só chegou na segunda metade de 2016.

Já a Cambridge Analytica nega que tenha usado os dados e afirma que apagou todas as informações assim que soube que elas foram colhidas irregularmente.

Mas o The New York Times afirma que, com base em entrevistas com ex-funcionários da empresa e em emails e documentos, a Cambridge Analytica não apenas usou os dados do Facebook para fazer marketing político, mas ainda mantém a maioria dessas informações.

Desde que o escândalo veio à tona, o cofundador do Facebook Mark Zuckerberg perdeu, sozinho, quase US$ 5 bilhões.

Em que pé estão as investigações?

A senadora americana Amy Klobuchar chegou fazer pressão para que Mark Zuckerberg deponha ao Senado para dar explicações. No Reino Unido, o deputado conservador Damian Collins disse que também pretende chamar Zuckerberg ou outro alto executivo para depor.

Parlamentares americanos querem mais informações do diretor-executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, sobre a atuação da empresa na campanha de Donald Trump. O promotor que investiga o possível involvimento da Rússia na eleição presidencial já pediu acesso aos emails dos funcionários da consultoria que trabalharam para o time do atual presidente.

No Reino Unido, onde a Cambridge Analytica foi contratada pela campanha "pró-Brexit", autoridades dizem que pedirão à Justiça um mandado de busca e apreensão nos escritórios da empresa em Londres.

Novo escândalo

Além do escândalo envolvendo o uso irregular de dados de usuários do Facebook, a Cambridge Analytica se viu envolvida esta semana em uma nova polêmica.

O diretor-executivo da empresa, Alexander Nix, foi filmado pelo Channel 4 News, canal de TV britânico, sugerindo táticas questionáveis para desacreditar candidatos em campanhas.

Um repórter que se apresentou como potencial cliente da Cambridge Analytica se reuniu com Nix e gravou as informações. O jornalista disse que trabalhava para um cliente rico que desejava eleger um candidato no Sri Lanka.

Na filmagem, o executivo é perguntado sobre que tipo de "investigação aprofundada" poderia ser feita contra adversários políticos. "Ah, nós fazemos bem mais do que isso", respondeu Nix.

Ele, então, sugere que uma forma de atingir um indivíduo é "oferecer um acerto que é bom demais para ser verdade e filmar isso". Nix ainda acrescentou que poderia "enviar algumas garotas para a casa do candidato". Ele comentou que "meninas ucranianas são muito bonitas e que funcionariam bem".

"Só estou te dando exemplos do que pode ser feito e do que já foi feito antes", concluiu o executivo, nas imagens gravadas pela TV britânica.

A Cambridge Analytica se defendeu dizendo que a reportagem "interpretou errado" a conversa registrada pelas câmeras.

Nix diz que se engajou na conversa apenas para poupar o "cliente de constrangimentos". "Nós apresentamos uma série de cenários hipotéticos absurdos", afirmou.

"A Cambridge Analytica não compactua ou participa de armadilhas ou pagamentos de propina", completou.

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