O professor universitário que pede emprego no semáforo
"Pelo amor de Deus, tome cuidado na rua", recomenda a aposentada Eleni da Silva Teixeira ao marido.
O professor e analista de sistemas Jair da Silva, 61 anos, está a caminho de um cruzamento nas imediações de casa, no Jardim São Paulo, bairro de classe média na zona norte da capital paulista.
Ele chega a uma esquina e olha para o semáforo, a tempo de ajeitar o terno e os cabelos brancos antes que três carros parem. "Só esses?", lamenta.
Silva decide passar a vez. O sinal abre e fecha - agora a quantidade de carros é suficiente. Aproxima-se do primeiro veículo, pede licença ao motorista e lhe entrega um cartão de visita.
Na frente do cartão, nome, telefone, e-mail e a frase "Solicito uma oportunidade profissional". No verso, as atividades que exerceu como professor universitário e gerente administrativo e de negócios.
Ele repete o gesto ao segundo e ao terceiro motorista, e de nada adianta uma fila maior. A luz verde aparece, ele corre para a calçada e permanece ao lado de uma banca de jornal, ansioso para que o sinal volte a fechar.
Desempregado há seis meses, é a segunda vez que procura trabalho assim em um espaço de 30 dias.
A primeira foi em 28 de agosto. Um dos semáforos do Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo, também não ajudava - era rápido, e passavam poucos carros.
Silva teve que andar alguns quarteirões para encontrar um local melhor. Distribuiu trezentos cartões naquele dia.
"Se o primeiro e o segundo motorista pegam o cartão, o terceiro, o quarto e o quinto também vão pegar. Se os primeiros não pegam, os demais também não."
Vivendo sem emprego
A família tem dificuldade para se manter. Mora em casa própria, mas a aposentadoria de Eleni paga apenas o plano de saúde do casal. Tudo seria pior não fosse o apoio do filho único, Leonardo, que cursou MBA no Canadá e está empregado.
Jair da Silva trabalhou por vários anos sem registro e, durante essa fase, não contribuiu com o INSS, circunstância que lamenta. Faltam dois anos para a aposentadoria, e os meses de desemprego consumiram as reservas do casal.
Mas nem sempre foi assim. Ele deu aulas de informática por mais de vinte anos em colégios e faculdades particulares. No ensino superior, foi professor, coordenador de ensino, instrutor e implantou sistemas.
Também trabalhou no Grupo Pão de Açúcar, onde conheceu Eleni. Foi encarregado administrativo, deu suporte a departamentos e desenvolveu sistemas, programas e planilhas de custos, entre outras funções.
Como não conseguiu concluir o mestrado, titulação que as faculdades em que lecionava passaram a exigir, teve de deixar o ensino superior e passou a dar cursos livres.
Também prestou serviço ao Banco PanAmericano, em áreas como análise de processos e cobrança. O último emprego, em março, foi como gerente administrativo e financeiro do Instituto de Pesquisa e Educação em Saúde de São Paulo (IPESSP).
Busca difícil
Silva enviou cerca de 500 currículos online, mas até agora não conseguiu uma vaga. Deduz que o problema seja sua idade. "Já houve casos em que a empresa me disse: 'O senhor tem um currículo maravilhoso, mas só estamos contratando até 38 anos'."
Ele enfrenta uma situação que tem se agravado no país. Uma pesquisa do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, publicada em setembro, apontou que 34% dos idosos brasileiros afirmam que já se sentiram discriminados por causa da idade.
E um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelou aumento de 132% no desemprego de pessoas com mais de 59 anos em comparação entre o quarto trimestre de 2014 (último período antes da piora no mercado de trabalho) e o segundo trimestre deste ano.
"O que ia fazer? Começa a bater desespero. Gerência você não arruma. Auxiliar você não arruma. Supervisor você não arruma. Você não arruma nada", diz Silva.
Depois das tentativas nos serviços de emprego via internet, foi ao centro da cidade e distribuiu seu currículo aos idosos que trabalham nas ruas para empresas de recrutamento. Mesmo assim não foi procurado.
Outro jeito
Um dia, desanimado, deparou-se com uma proposta de impressão de cartões de visita. Personalizou o seu e mandou confeccionar mil unidades com a fotografia de um trevo de cinco folhas, raridade que nascera em um vaso de sua casa.
Mostrou o cartão para a mulher e contou que iria distribuí-lo no trânsito. Para quem trabalhou em tinturaria aos 11 anos e vendeu limões na feira aos 17, não seria problema, pensou. "Vou trabalhar por mim. De onde vou tirar uma chance? Eu não tenho mais."
Logo no primeiro dia, distribuiu cerca de 300 "minicurrículos". Alguns motoristas compartilharam a iniciativa em redes sociais.
Um desses posts, no LinkedIn (rede social voltada a contatos profissionais), rendeu centenas de manifestações de apoio e, dias depois, outros registros na internet e uma reportagem de TV sobre o professor.
"Essas mensagens são gratificantes, mas continuo desempregado", lamenta Silva.
Repercussão
Quando soube da história do analista de sistemas, a profissional de coaching Madalena Feliciano, da empresa Outliers Career, decidiu apoiá-lo.
"Destinei uma equipe para orientá-lo sobre o atual cenário e ajudá-lo a divulgar seu currículo em empresas adequadas ao seu perfil", disse. "Também vamos prepará-lo para uma nova carreira, como a de coach profissional."
A atitude de Silva também tem inspirado outras pessoas, como a engenheira de produção gaúcha Noélle de Melo, que mora no Rio e está desempregada há quatro meses.
Após conversar com ele, decidiu fazer um cartão semelhante para distribuir no centro da cidade e diante de condomínios de empresas na Barra da Tijuca. "Também pretendo entregá-los em eventos e agências de RH."
O professor, por sua vez, diz estar esperançoso - e ter recebido o carinho de muita gente.
Ao vê-lo pedindo emprego no bairro, o servidor público Reginaldo Dias pensou que o senhor de terno fosse um candidato distribuindo "santinhos" políticos. Quando soube do que se tratava, o cumprimentou. "É uma atitude digna de quem está querendo trabalhar."
Silva acaba de atualizar seu perfil profissional. Continuará a enviar dez currículos por dia e procurará semáforos em regiões com grande circulação de empresários.
"Se o farol não der certo, vou distribuir na porta de restaurantes para altos executivos. Meu pavio ainda tem muito o que queimar."