O que está por trás do conflito entre Lula e BC e quais os impactos para a economia
Analistas dizem que presidente parece ter discurso 'ingênuo' e que embate é um tiro no pé do governo
Nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu o tom das suas críticas ao Banco Central e ao comandante da instituição, Roberto Campos Neto. Na segunda-feira, 6, por exemplo, o petista disse que não "tem explicação" para o patamar da taxa básica de juros (Selic) - atualmente em 13,75% ao ano.
Na leitura dos economistas, é difícil entender a estratégia de combate adotada pelo presidente. Eles dizem que se trata de um discurso "ingênuo" e que esse conflito é um tiro no pé do próprio governo, que pode colher uma inflação mais elevada e juros altos por um período prolongado .
"O que parece existir por trás desse discurso é a ideia de que a política monetária é meio voluntarista. É uma visão ingênua, para dizer o mínimo, de que o Banco Central coloca o juro nesse patamar porque ele quer, sem considerar todas as questões de fundo que nós temos", afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.
A queda de braço entre governo e BC já traz consequências para a economia. Os juros futuros subiram, encarecendo o crédito para famílias e empresas, o real se desvalorizou nos últimos dias, mesmo num cenário de melhora global, bem como as empresas perderam valor na Bolsa de Valores. Na prática, a subida de patamar do câmbio pode resultar em mais inflação, dificultando a condução da política monetária.
"O que o presidente tem feito apenas prejudica seu próprio governo, sem nenhum ganho, pelo contrário", afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. "O presidente quer ajudar a população mais pobre, mas pode prejudicá-los ainda mais fazendo como tem feito."
Subida de tom
O embate entre Lula e o Banco Central subiu de patamar com o comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em que não houve uma menção ao pacote de ajuste fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda no mês passado.
Na ata, divulgada nesta quarta-feira, 7, alguns diretores do BC citaram os efeitos que o pacote apresentado poderia ter no combate à alta de preços, mas ponderaram sobre os "desafios de implementação".
No pacote apresentado, o governo se comprometeu a pelo menos reduzir o déficit de 2023 de 2,1% do PIB% para 1% do PIB - o que representa um rombo próximo a R$ 100 bilhões.
"O governo está seguindo o caminho errado de brigar com o BC enquanto todos sabemos que a fonte dos problemas está no fiscal. Quanto mais o presidente fala, mais o Haddad (Fernando Haddad, ministro da Fazenda) terá que vir com um arcabouço fiscal ainda mais forte", diz Vale.
"Como o presidente não insiste nos assuntos que são relevantes, que são um bom ajuste fiscal e uma reforma tributária, nós vamos continuar vendo desajustes nas expectativas de inflação e juros para os próximos anos", acrescenta.
Cobrança por nova regra
Desde a aprovação da PEC da Transição, no fim do ano passado, analistas e economistas já viam um crescimento da incerteza fiscal no País e redobraram a cobrança para que o governo Lula desenhe um novo arcabouço fiscal crível, em substituição ao teto de gastos - a regra será apresenta até abril, segundo Haddad.
À época, uma parte do mercado financeiro já apontava que a Selic poderia cair apenas em 2024, cenário que foi reforçado não só com as declarações de Lula contra o Banco Central, mas também por um discurso que passou a dominar o governo de revisar as metas de inflação dos próximos anos.
"Tem uma política fiscal bastante expansionista. Isso significa um aumento importante na demanda agregada da economia e, consequentemente, na pressão sobre a inflação", diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. "Com um política fiscal expansionista, a política monetária necessária para fazer com que a taxa de inflação convirja para a meta, a taxa de juros vai ter que ser bastante elevada."
Num cenário mais pessimista do que o mercado, Márcio Camargo avalia que o BC terá de aumentar a Selic para 14,5% em 2023 se quiser chegar na meta de inflação de 2024, que é de 3%, com intervalo de 1,50% a 4,50%.