Odebrecht, Americanas e outras: entenda motivos para os recorrentes pedidos de recuperação judicial no Brasil
Ferramenta jurídica está disponível às empresas que passam por crises econômico-financeiras e procuram uma forma de superá-las
Nos últimos anos têm sido recorrentes grandes empresas ingressaram com pedidos de recuperação judicial no Brasil. Americanas, Rede Dia, Grupo Petrópolis, Light, 123 Milhas, SouthRock (Starbucks) e Polishop encabeçam a extensa lista que conta mais recentemente com a entrada da Odebrecht Engenharia e Construção (OEC), construtora do grupo Novonor.
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Segundo dados da Serasa Experian, em 2023, o número de pedidos de recuperação judicial no Brasil teve uma alta de 68,7%, com 1.405 empresas recorrendo à recuperação judicial, sendo 135 grandes empresas, 331 de médio porte e 939 micros e pequenas empresas. Em 2024, de janeiro a maio, já foram feitos 837 pedidos. (Confira o gráfico abaixo com as informações mês a mês)
Embora possa haver fatores externos e internos comuns para o crescente número de pedidos de recuperação judicial dessas empresas, cada uma tem peculiaridades que conduziram à utilização da ferramenta jurídica, considerada a última para evitar falência. O Terra consultou especialistas para entender um pouco mais sobre o tema.
Entenda particularidades
A Americanas, por exemplo, pediu recuperação no início do ano passado após a descoberta de uma fraude e inconsistência contábil relevante. No final de junho, agentes da Polícia Federal (PF) cumpriram mandados de busca e apreensão contra ex-executivos da companhia, além de pedir a prisão preventiva de Miguel Gutierrez, ex-CEO da empresa, e Anna Christina Ramos Saicali, uma de suas ex-diretoras.
Em maio deste ano, a Polishop, varejista de eletrodomésticos, também ingressou com o pedido de recuperação. Especialistas apontam que o motivo do pedido foi o modelo de negócios de varejo com custos elevados de pontos de venda.
A 123 Milhas também adotou estratégia extremamente arrojada de venda de pacotes de viagens que, no fim das contas, não se mostrou viável.
A Light, concessionária de energia, relatou em seu pedido de recuperação problemas com furto de energia elétrica.
A SouthRock tem disputas envolvendo pagamento de royalties à franqueadora da marca Starbucks.
A Rede Dia, que também entrou recentemente na lista, ostentava prejuízos recorrentes e pontos de venda altamente deficitários.
Causas diversas
Leonardo Ribeiro Dias, head de Contencioso, Arbitragem e Insolvência do Marcos Martins Advogados, explica que diversas causas podem levar uma empresa a pedir recuperação judicial. Geralmente, essas causas não são isoladas e a decisão pelo pedido decorre da conjugação de muitos desses fatores.
“Problemas sucessórios, disputas entre sócios, má gestão, falta de governança, decisões estratégicas equivocadas e encerramento de contratos com clientes ou fornecedores podem ser citados. Há também conjuntura macroeconômica, crises setoriais, pandemia, elevadas taxas de juros, dificuldade de acesso ao crédito, questões regulatórias, ingresso de novos concorrentes, dentre outros”.
Eduardo Bazani, sócio-diretor da Nordex Consultoria Empresarial e especialista em reestruturação de empresas e recuperação judicial de empresas pelo Insper, ressalta que a recuperação judicial (RJ) é artifício jurídico em que organizações privadas propõem aos seus credores alternativas para renegociação de suas dívidas, visando evitar o encerramento de suas operações.
“A recuperação judicial busca evitar uma corrida desordenada de credores, ou seja, que os mesmos, de forma individual busquem reaver os seus créditos, quer sejam fornecedores, instituições financeiras, trabalhadores, entre outros. A RJ viabiliza a organização de todo esse processo para que credores de diversas naturezas e classes estejam sujeitos a este procedimento”.
Leonardo Ribeiro Dias acrescenta que “a recuperação judicial trata-se de uma ferramenta jurídica disponível às empresas que passam por crises econômico-financeiras e procuram uma forma de superá-la”. Eduardo Bazani afirma que “a recuperação judicial pode ser resumida como uma medida extrema. Ou seja, é o recurso final que uma empresa lança mão para evitar a falência”.
Embora seja bastante utilizada, há que se cumprir alguns requisitos para solicitar a recuperação judicial. De acordo com a Lei 11.101/2005, “poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente”:
- Não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
- Não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial;
- Não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014);
- Não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Vantagens e desvantagens da Recuperação Judicial
Se outrora uma empresa quebrar e entrar em recuperação judicial era a maior vergonha do mundo corporativo, hoje em dia, com o elevado número de pedidos, muitos podem pensar que faz parte do planejamento estratégico. No entanto, não é bem assim. A pedido do Terra, Eduardo Bazani listou algumas vantagens e desvantagens da recuperação judicial.
Vantagens:
- Permite a criação de um ambiente organizado e seguro para que a empresa em crise possa negociar bons termos com seus credores;
- O pedido da recuperação judicial suspenderá o pedido de falência;
- Suspensão de todas as ações e execuções movidas contra a empresa pelo prazo mínimo de 180 dias e a impossibilidade da retirada de bens essenciais à operação da empresa;
- O plano de recuperação judicial será customizado para realidade da organização.
- Possibilidade de propor diversas condições para pagamento aos credores, como prazos, deságios, alienação de ativos, conversão da dívida em ações, criação de unidades de negócio, cisão, fusão, entre outros;
- Possibilidade de alienação de bens da empresa, desde que previstos no plano de recuperação judicial, sem sucessão do adquirente nas dívidas do devedor, inclusive de natureza trabalhista e fiscal;
- Novação das dívidas congeladas no momento da impetração da recuperação judicial, sendo pagas nos termos do plano homologado.
Desvantagens:
- Exposição da empresa ao mercado, pois o processo será público e, invariavelmente, todos aqueles que mantêm relações com a mesma tomarão conhecimento;
- Alto custo do processo (custas judiciais, publicações de editais, remuneração do administrador judicial, assessorias e consultorias, pois profissionais do campo econômico-financeiro, contábil e jurídico são imprescindíveis ao processo);
- Nem todos os créditos estão sujeitos a RJ, entre eles alguns produtos bancários (alienação fiduciária, leasing e adiantamento a contrato de câmbio) e dívidas tributárias. Nestes casos as cobranças seguirão seu curso normal;
- Risco de restrições ao crédito por alguns clientes e fornecedores, mas principalmente instituições financeiras;
- Suspensão das execuções e ações não é estendida aos coobrigados da recuperanda/devedora, caso haja. Em linhas gerais, são os sócios da empresa;
- Uma vez realizado o pedido de recuperação judicial junto ao judiciário, caso o plano de recuperação proposto não seja aprovado pelos credores conforme quórum necessário, é decretada a falência da empresa.
Cenário
O economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, completa que o crescente número de pedidos de recuperações judiciais vistas nos últimos anos “reflete o ambiente de dificuldade financeira que as empresas estão vivendo, ainda refletindo as taxas de juros no País que, embora tenham sido reduzidas, ainda impactam os caixas das empresas, que se veem em dificuldade para se reorganizar financeiramente”.
O especialista acredita que, apesar dos números crescentes de pedidos de recuperação, deverá ocorrer uma queda nas requisições neste segundo semestre do ano.