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Opinião: A cocaína e a guerra contra a pobreza

Eu era a favor da legalização das drogas, de todas elas. Deveriam ser vendidas na farmácia. Mudei de ideia

4 out 2023 - 06h00
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Foto: Colin Davis / Unsplash

Salve, salve!!! Salve-se quem puder.

Sempre abominei essa droga. Morria de medo de ser tragado por ela para os confins do inferno. Reconheço seu fascínio, promessa e entrega de prazer quase imediato, glamour e facilidade de se conseguir um teco. E seus perigos, consequências devastadoras e flerte constante com a morte.

“Cocaine – Eric Clapton” é a playlist desta semana. São apenas 20 músicas pra se ouvir de uma carreira só, com o perdão do trocadilho.

Guerra contra a pobreza, não contra as drogas

O assunto principal poderia ser mais ameno, mas acontece que a realidade de muitas famílias brasileiras e em outros lugares do mundo é de dor e desesperança.

O consumo de cocaína está cada vez mais massificado e normalizado na sociedade. É a porta de entrada pra outras drogas ainda piores. Não considero a maconha, pois seus efeitos em quem consome, tanto a onda que bate quanto um possível vício, são muito mais brandos.

Uma vez estive numa reunião de amigos com um único propósito: cheirar pó! Foi na casa de um ex-amigo. Lá estavam outros 4 ou 5, três eram próximos, o outro era um conhecido. Justo esse parecia um tamanduá. Era insaciável e resiliente.

Pra mim era interessante, a princípio, observar aquele “ritual” do qual eu nunca havia participado. Maconha sim, pó sempre fora um tabu. Tinha medo da parada. Da onda ser boa, de gostar, de ficar viciado após a primeira narigada, de ser seduzido por aquele mundo desconhecido, de entregar uma fortuna aos traficantes pra alimentar um potencial vício. Não, nunca vou cheirar cocaína na minha vida!

Mas, sempre tem um mas. Entre uma e outra cerveja, várias baforadas de cannabis e aquela onda de euforia contagiante, resolvi experimentar. Dei duas cheiradas. Fiquei tão tenso e preocupado com o efeito que não senti nada na mente, nenhum efeito psicodélico. Apenas uma dormência no céu da boca e uma travada de leve no maxilar.

Só fui relaxar ao perceber o efeito passando. Os outros estavam na esbórnia total. Uma rachação sem fim de uma festa que parecia jamais terminar. Podia ter fugido dali facilmente, mas fiquei. Esperei voltar ao normal e jurei pra mim mesmo nunca mais tocar naquela merda branca. Promessa cumprida sem maiores problemas.

Eu devia ter uns 25 anos na época e já tava bem escolado nas gandaias. Imagine você o que passam as famílias com filhos adolescentes, inseguros, querendo ser aceitos pelo grupo e respeitados.

Acabavam fazendo as maiores cagadas e, em muitos casos, acabando com a própria vida.

Fentanil

“O fentanil é um opióide sintético 50 vezes mais potente que a heroína e cerca de 100 vezes mais potente que a morfina.” Quem afirmou isso foi ninguém menos do que o dr. Drauzio Varella.

O alerta dele é assustador pra quem tem filhos jovens e também pra quem é consumidor frequente de drogas como a cocaína.

“Quanto mais curto o intervalo entre a administração de uma droga psicoativa e a sensação de prazer provocada por ela, maior o risco de dependência química. É o que explica o sucesso da nicotina: a fissura acaba em segundos já na primeira tragada. Pela mesma razão, fumar crack é mais compulsivo do que cheirar cocaína”, segue o Drauzio explicando os enormes riscos de overdose por fentanil justamente pelo prazer quase instantâneo e sua eliminação rápida.

A facilidade de sintetizar o fentanil e a margem de lucro absurda, cartéis mexicanos compram o quilo na China por US$ 5 mil que passa a valer US$ 80 mil ao atravessar a fronteira dos EUA, explicam o sucesso do opióide sintético. No varejo a venda dos comprimidos transforma o quilo numa bolada de US$ 1,6 milhão!

Esse comércio é feito pelas redes sociais sem muita dificuldade. Nas portas do Brasil, o medo e a apreensão do dr. Drauzio é válido e preocupante.

Até antes de ler esse artigo eu era a favor da legalização das drogas, de todas elas. Deveriam ser vendidas na farmácia Araújo, produzidas por Bayer, Johnson & Johnson, Basf etc., comercializadas com selo de qualidade e indicação de potência ou intensidade, como nas cápsulas de Nespresso.

Mudei de ideia. O buraco é bem mais embaixo. Só com educação e erradicação da pobreza esse problema crônico será resolvido. Se é que um dia será.

Pra ver e ler

FILME: Scarface - Brian de Palma (1983). A ganância não tem limites.

Tony Montana talvez seja um dos maiores vilões do cinema. Seu jeito de falar e fumar, a fúria ao ser perseguido pela polícia, o charme inconsequente sem ter nada a perder tentando conquistar a estonteante Elvira Hancock (Michelle Pfeiffer), sua morte apoteótica.

As frases famosas do tipo “Neste país, primeiro você precisa ganhar dinheiro. Então, você obtém o poder. Então, quando tem poder, aí consegue as mulheres.”

Algumas das lições:

1. Não subestime a ganância do outro cara!

2. Não fique chapado com sua própria droga!

No filme, Tony Montana, um criminoso cubano exilado (Al Pacino), vai para Miami no início dos anos 1980 em busca do sonho americano. Em pouco tempo está trabalhando para um chefão das drogas. Sua ascensão na quadrilha é meteórica, mas quando ele começa a sentir interesse na amante do chefe (Michelle Pfeiffer) este manda matá-lo.

No entanto ele escapa do atentado, mata o mandante do crime, fica com a amante dele - mas sente ao mesmo tempo desejos incestuosos por sua irmã (Mary Elizabeth Mastrantonio) - e assume o controle da quadrilha. Em pouco tempo ele ganha mais dinheiro do que jamais sonhou.

Preciso rever esse clássico atemporal.

LIVRO: “Cabeça Branca” por Allan de Abreu (2021). Artista do crime organizado

A caçada ao maior narcotraficante do Brasil foi investigada e narrada pelo jornalista Allan de Abreu e seu fiel editor Carlos Andreazza.

Tenho certeza que você nunca ouviu falar de Luiz Carlos da Rocha, o narco atacadista que se especializou em movimentar toneladas mensais de cocaína da Bolívia, Colômbia e Paraguai até fazendas no Mato Grosso, Paraná, São Paulo e Triângulo Mineiro e de lá até os portos de Santos, Itaguaí e Rio rumo aos mercados europeus e norte-americano.

Com a fachada de fazendeiro, homem de negócios bem sucedido e low profile, o Cabeça Branca foi um mestre em comprar, transportar e vender a droga mais cobiçada do mundo.

Luiz Carlos dominou a logística da região como poucos usando a estrutura de transporte de grãos com caminhões, aviões, aeroportos clandestinos e rotas estabelecidas movimentando o pó branco sem ser incomodado.

Foi procurado durante 30 anos, considerado um fantasma já que não deixava rastros, até ser preso em 2017 numa bem sucedida operação da Polícia Federal que já durava alguns anos.

O livro fica repetitivo do meio para o fim já que narra as apreensões em detalhes, os comparsas envolvidos e as maneiras cada vez mais ardilosas usadas pelo Pablo Escobar brasileiro para escapar e continuar vivendo fora do radar das autoridades.

Mas, o clímax do final faz valer a leitura. O livro foi a inspiração para esta coluna.

(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico, PhD em Materiais, vive em Viena na Áustria, é a favor da legalização das drogas em pequenas quantidades e escreve semanalmente a newsletter Alea Iacta Est.

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