'Para arrumar a casa tem de dar fim ao oportunismo', diz Marcos Lisboa
Economista ataca a má qualidade do gasto público e afirma que Banco Central deveria ser menos criticado
Com experiência e reconhecimento tato na iniciativa privada bem como no setor público, o economista carioca Marcos Lisboa -ele comandou o Insper até início de 2023 e foi secretário de política econômica da Fazenda no primeiro governo Lula (2003-2007) - tem um olhar realista para o atual momento nacional: "Se a gente quiser arrumar a casa, tem muita oportunidade. Mas pra isso tem que topar romper com o oportunismo".
"Muito desarranjo que a gente tem nas contas públicas", adverte ele, "decorre, entre outras coisas, da má qualidade do gasto público". E aqui "a gente não traz ao debate as boas práticas de outros países". Nesta conversa com Cenários, num momento de dificuldades do governo Lula 3 na economia, perguntado o que faria se voltasse hoje ao governo federal, Lisboa é franco: "Já dei minha contribuição. E acho que hoje contribuo muito mais na política publica do lado de fora". A seguir, os principais trechos da conversa.
No primeiro governo Lula, criou-se a 'Agenda Perdida', e se dizia que, sem reformas microeconômicas, seria impossível acelerar o crescimento do País. Hoje, ante a dificuldade de controlar o déficit fiscal, as microrreformas ajudariam?
Quando eu e o Zé Alexandre (José Alexandre Scheinkman) escrevemos a Agenda Perdida, nos anos 2002, a ideia era trazer a agenda micro ao centro do debate. E assim fizemos. Hoje, com as contas públicas fora do lugar, é certo que ao longo do tempo, o emprego sente, a renda sente, o crescimento sofre. Por si só, as políticas macroeconômicas arrumadas não bastam para garantir um crescimento sustentável. Quando eu digo "sustentável", é a renda por habitante crescer pelo menos 2% ao ano. Alguns países conseguiram isso nas últimas décadas. A população cresce aí um pouco menos, algo como 1%.
Assim que sai da pobreza?
Foi assim que os países de renda média melhoram a qualidade de vida. Já a agenda micro busca segurança para investimentos de infraestrutura e medidas de crédito que reduzam a inadimplência. A ideia de unir programas de transferência de renda, se deu no governo Lula 1, e resultou no Bolsa Família.
O Bolsa Família veio do Bolsa Escola, não?
Sim. Aliás, as duas vieram de um só pai, o (economista) José Márcio Camargo. O Zé inventou a Bolsa Escola em 1994. E acho que essa iniciativa, apoiada por Ruth Cardoso e Vilmar Faria, tem que ser mais valorizada: eles criaram uma profusão de políticas sociais espetacular. A política social ganhou destaque, virou uma agenda para cuidar dos vulneráveis. Em 2000, 2001, Zé Márcio, com o Chico Ferreira, defenderam unificar os programas de transferência de renda. Disseram: "Dá o dinheiro pra família e ela vai saber o que precisa".
O que acha da atuação do Banco Central?
É engraçado, as pessoas criticam muito o BC. Deviam criticar menos. Foi a agência que mais inovou e tem sido eficaz em reduzir o spread, que é um problema grave no País. O Brasil tem um problema de crédito igualmente grave que decorre tanto de fraudes quanto de inadimplência e não cumprimento dos contratos. Isso afeta muito o mercado de crédito brasileiro.
E a insegurança jurídica não foi superada, né?
Não. Mas melhorou. A alienação fiduciária e as regras, por exemplo, do mercado de automóveis, permitiram a queda de juros para compra de carros. A Lei de Falências também tem peso. Os conflitos demoravam muito tempo pra serem resolvidos. Agora, muito desarranjo que a gente tem nas contas públicas decorre da má qualidade do gasto público. Esse é um tema muito difícil no Brasil. Os governos têm poucos instrumentos pra cobrar resultados e a gente não traz ao debate as boas práticas de outros países.
As reformas micro não teriam impacto nas macro?
Olha só a dificuldade que é a discussão sobre a desoneração da folha. Uma medida equivocada, mal desenhada, já tem mais de uma década e você não consegue superá-la. Não se consegue mexer em benefício no Brasil. Depois se surpreendem porque o Brasil cresce pouco....
É uma coisa cultural...
Aqui as pessoas acham razoável a meia entrada, razoável ter um tratamento diferente. Podem não gostar do tratamento privilegiado para os demais, mas pra si mesmo todo mundo gosta.
Você entrou no primeiro governo Lula entusiasmado. Se voltasse hoje, começaria por onde?
Acho que já dei minha contribuição. E acho que contribuo muito mais na política pública do lado de fora. Tenho uma agenda permanente de acompanhar as medidas legislativas, as medidas do Executivo. O governo Temer, por exemplo, teve avanços imensos. Os juros de longo prazo caíram, na sequência o BC começou a abaixar a taxa básica ao longo de quase um ano e meio, a inflação caiu e a economia saiu da recessão, fizeram a reforma trabalhista. Houve uma melhora impressionante do mercado de trabalho.
Qual a saída?
A boa notícia é que, se a gente quiser arrumar a casa tem muita oportunidade. Mas pra isso tem que topar romper com o oportunismo. O único governo que vi tomar essa decisão com clareza e deixou um legado incrível, foi o governo FHC. Lá que foi construído o Banco Central como a gente tem hoje. Limpou os bancos estaduais, a um custo político gigantesco. Botou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi o único governo que eu me lembro que pensou o Brasil a longo prazo.
Um avanço grande, não?
Muito do que a gente tem de melhor de agenda social vem de lá. Olha, eu fui do governo seguinte e ficava admirado com a generosidade da equipe de FHC em ajudar na transição. Acho que esse espírito generoso de longo prazo, pensando no País, durou com aquele grupo. No primeiro governo Lula, houve um pragmatismo de lideranças do PT trabalhando com uma oposição que queria colaborar e construir conjuntamente.