Script = https://s1.trrsf.com/update-1731943257/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Parece que hoje, no Brasil, estamos caminhando para uma contrarreforma administrativa

Um bom caminho seria a ampla revisão das leis das carreiras, porém, mais uma vez, as mudanças serão feitas para não mexer nos privilégios

4 set 2021 - 04h11
Compartilhar
Exibir comentários

Reformas fazem sentido para corrigir, modernizar e melhorar. Infelizmente, também são comuns as contrarreformas, que barram avanços ou dão marcha à ré. Há anos temos defendido uma reforma administrativa para o Brasil. É preciso racionalizar e dar eficiência ao Estado, garantindo serviços públicos de qualidade a todos os cidadãos. Um bom caminho seria a ampla revisão das leis das carreiras, que definem e limitam a gestão de recursos humanos das máquinas públicas federais, estaduais e municipais.

Os pilares teriam de ser simplificação e uniformização de regras, avaliação do desempenho dos agentes públicos e meritocracia. Para isso, não há necessidade de mexer na Constituição.

Só que o caminho escolhido pelo governo federal, em fins de 2019, foi enviar ao Congresso Nacional uma confusa Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O objetivo parecia nobre: implantar um "novo serviço público" a partir da modernização da máquina, com maior flexibilidade na seleção, contratação, gestão e manutenção de servidores. Mas, cheia de vícios, a PEC começava pelo final, pelo tema complexo da estabilidade, e propunha mais complexidade, com cinco tipos novos de vínculos funcionais.

Reforma administrativa poupa das mudanças os servidores atuais, criando duas classes de servidores.
Reforma administrativa poupa das mudanças os servidores atuais, criando duas classes de servidores.
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil / Estadão

De tão sensível, esse caminho embutia riscos de retrocesso e, como temíamos, o relatório apresentado pelo Deputado Arthur Maia à Comissão Especial Mista da Reforma Administrativa veio para confirmá-los.

O relatório partiu dos objetivos de modernização e flexibilidade. Acenou para novos marcos, a serem editados por lei nacional, sobre trabalho temporário no setor público e avaliação de desempenho dos servidores. Em princípio, algo positivo. Mas também propôs levar para a Constituição muitas regras que não devem estar nela, e cujo efeito será criar ainda mais obstáculos à boa gestão e à necessária revisão paulatina das leis.

O relatório incorpora um conceito de atividades típicas de Estado que acaba por abranger quase tudo. Com base nisso, faz blindagens adicionais às carreiras envolvidas, constitucionalizando vantagens e proteções em temas como redução de jornada de trabalho, exclusividade de funções, avaliação e desligamento por baixo desempenho. Como quase tudo se tornará carreira de Estado, mesmo a discussão sobre a estabilidade sairá pela culatra. O resultado será enrijecer ainda mais a gestão de pessoas no setor público e, pior, dar status constitucional a proteções que uma reforma real deveria suprimir.

Para evitar confronto com as corporações do Judiciário e do Ministério Público, o relatório passa ao largo de problemas prementes e ignora que é ali - mais que nas carreiras de elite do Executivo ou do Legislativo - que estão os privilégios imorais como férias acima de 30 dias, vantagens retroativas, aposentadorias como punição e promoções ou progressões automáticas... Além disso, poupa das mudanças os servidores atuais, criando duas classes de servidores, os atuais e os novos, com regimes diversos. Mais uma vez, mudanças são feitas para não mexer nos privilégios.

Há outros pontos como, por exemplo, a necessária e urgente regulamentação da avaliação de desempenho. A implantação de um modelo de avaliação obrigatória, sistemática e relativa (curva forçada) não depende de emenda constitucional. A regulamentação do art. 41 da Constituição Federal já seria suficiente para garantir o pontapé inicial da implantação de um sistema impessoal, justo e ágil. Preferiu-se, contudo, constitucionalizar exigências e critérios que tendem a engessar a gestão, abrir espaço para judicialização e dificultar avanços que já chegarão com 20 anos de atraso.

Em 1545, a Igreja Católica, possivelmente motivada pela Reforma Protestante de Lutero, veio com a Contrarreforma. Reafirmou o celibato, a infalibilidade papal, a proibição de livros e a catequese dos novos povos. Manteve dogmas antigos, consolidou padrões atrasados e bloqueou avanços. Parece que hoje, no Brasil, estamos caminhando para uma contrarreforma administrativa.

*ANA CARLA É ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

*FRAGA É EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

*SUNDFELD É PROFESSOR TITULAR DA FGV/ DIREITO-SP

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade