Script = https://s1.trrsf.com/update-1731943257/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

'Pessimismo com o teto tem ido longe demais', diz economista de associação internacional de bancos

Para Sergi Lanau, do Instituto de Finanças Internacionais, o Brasil tem feito avanços para limitar o crescimento das despesas e a principal preocupação é com a dívida pública, que está em patamar muito elevado, acima de 80% do PIB

24 nov 2021 - 22h07
Compartilhar
Exibir comentários

A reação dos mercados financeiros à mudança na regra do teto de gastos tem sido exagerada na visão do economista Sergi Lanau, um dos principais responsáveis pelas análises econômicas do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), associação internacional que reúne grandes bancos e instituições financeiras de mais de 70 países.

Ao contrário do que a forte queda da Bolsa e a alta do dólar nos últimos meses sugerem, a mudança que abre espaço no Orçamento para mais gastos do governo terá um impacto relativamente pequeno e será "administrável" do ponto de vista das contas públicas, segundo Lanau, que é vice-economista-chefe do IIF.

Em entrevista ao Estadão, o especialista diz que o Brasil tem feito avanços para limitar o crescimento das despesas do governo e que a principal preocupação é com a sustentabilidade da dívida pública, que hoje está em um patamar muito elevado, acima de 80% do PIB.

"A maior limitação que o Brasil enfrenta é o legado de muitos anos de gastos elevados. A dívida é muito alta. Os juros que são pagos sobre essa dívida são muito altos. É uma espécie de ressaca do passado", afirma Lanau, que já trabalhou também como economista no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco da Inglaterra.

O economista Sergi Lanau, do Instituto de Finanças Internacionais; mudança que abre espaço no Orçamento para mais gastos do governo será “administrável” do ponto de vista das contas públicas.
O economista Sergi Lanau, do Instituto de Finanças Internacionais; mudança que abre espaço no Orçamento para mais gastos do governo será “administrável” do ponto de vista das contas públicas.
Foto: IIF/Divulgação / Estadão

"Há vantagens de se ter uma regra fiscal clara, mas isso também pode ter um custo alto quando se tenta desviar da regra original, mesmo quando o que se propõe não é nenhuma maluquice", afirma ele. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O sr. tem apontado em seus relatórios que a mudança no teto de gastos é administrável e menos preocupante do que se vê na reação dos mercados. Por que acha isso?

A razão pela qual estamos um pouco mais otimistas do que a maioria é que, mesmo se o Brasil se desviar do teto dos gastos original e fizer isso no nível que está sendo discutido - o que equivale provavelmente a algo menos de 1% do PIB -, o Brasil ainda vai manter boa parte da regra. E o fator mais importante é que os gastos ainda estão menores do que em 2019 (em relação ao PIB). O Brasil tem feito um progresso nos últimos anos. Não é um avanço tão rápido quanto o planejado inicialmente em 2016. Mas, lá atrás, claro, ninguém sabia que a pandemia iria acontecer.

Claro que seria bom para a sustentabilidade da dívida que o governo cumprisse o teto que a regra original propõe. Os preços poderiam cair e os mercados ficariam contentes, e, no final, o risco fiscal poderia ser menor. O que acontece é que, como qualquer outra decisão de política econômica, ela precisa ser feita no contexto do crescimento econômico, do que a sociedade quer e do que os políticos conseguem fazer. Em qualquer país do mundo hoje um grande ajuste fiscal é muito difícil de se realizar e pode até se voltar contra. O Brasil, sem surpresa, quer se desviar um pouco do plano original (do teto de gastos).

O Brasil tem um histórico de aumento nos gastos públicos nas últimas décadas. Isso não preocupa o sr., diante da possibilidade de furo no teto?

O País de fato não tem um bom histórico recente na política fiscal. Os gastos têm caído um pouco nos últimos anos. Mas será uma batalha levar as despesas ao nível previsto até 2026, como prevê a regra do teto. Basicamente a regra é construída para desfazer uma década de aumento de gastos públicos em apenas alguns anos. É difícil, mas até aqui tem havido progresso. Apesar do contexto atual complicado, vai continuar havendo um pouco de progresso no ano que vem. Em muitos outros países, a situação é mais crítica.

Pode dar um exemplo de algum país?

A África do Sul, por exemplo, que também está numa situação fiscal complicada, vai fazer um ajuste muito, muito pequeno no ano que vem. A principal diferença para mim é que eles não têm uma regra fiscal que diz o quanto se pode gastar. Eles têm mais espaço de manobra, e o mercado está menos focado se o país vai cumprir ou não a regra. No caso do Brasil, há vantagens de se ter uma regra fiscal muito clara, mas isso também pode ter um custo muito alto quando se tenta desviar da regra original, mesmo quando o que se propõe não é nenhuma maluquice.

Concordo que o Brasil enfrenta riscos. Não estamos tentando dizer que o país tem uma situação fiscal confortável e a dívida não é alta, como por exemplo, na Indonésia. Infelizmente, essa não é a situação do Brasil. Todos sabemos que a dívida pública é muito alta, e que será muito difícil reduzir esse nível. Mas acredito que o pessimismo tem ido longe demais, eu diria.

A reação da Bolsa e dos juros é exagerada?

Nosso sentimento é de que a preocupação com a regra fiscal tem sido um pouco além da conta. Os mercados estão reagindo de uma maneira parecida como durante a discussão sobre o Orçamento (de 2021, votado em março deste ano no Congresso). Houve também um temor grande quando ficou claro que seria necessário prorrogar parte do auxílio emergencial. E tudo acontece num contexto complicado na política. Há um Congresso muito fragmentado. Há muitas negociações de bastidor. Isso gera incertezas e os mercados ficam muito receosos.

Eles focam na questão se as despesas vão ficar acima ou abaixo do que a regra indica. E se esquecem que as despesas continuam caindo, em valores absolutos ou relativos, se esquecem do que está acontecendo com a arrecadação, e todas as outras coisas que importam. Quando o Orçamento de 2021 foi aprovado em abril deste ano, houve um alívio nos mercados. Desta vez também pode acontecer algo um pouco parecido. Sim, a situação não é boa. Tem ainda muito risco, mas o Orçamento está mais ou menos controlado. É como vejo as coisas caminhando.

Qual é a sua projeção para a dívida pública, considerando a mudança no teto de gastos?

A nova regra fiscal (aprovada na Câmara) cria uma folga para as despesas de aproximadamente 0,5% do PIB, o que é considerável, mas não é um valor muito alto na nossa visão. Do ponto de vista do resultado primário, se a regra for alterada, nós vemos o déficit primário caindo mais ou menos para 1% do PIB nos próximos anos, o que também não é um número ruim. A maior limitação que o Brasil enfrenta é o legado de muitos anos de gastos elevados. A dívida é muito alta. Os juros que são pagos sobre essa dívida são muito altos. É uma espécie de ressaca do passado.

Como lidar com essa 'ressaca'?

Não há muito o que fazer. Pode-se colocar um teto para os gastos, pode-se reduzir as despesas, pode-se aumentar os impostos. Mas a dívida pública em torno de 80% do PIB deve permanecer por um bom tempo. E isso é o que restringe todo o resto. Um déficit primário de 1% não é tão preocupante. Mas quando se está pagando juros equivalentes a 5% ou 6% do PIB, é muito dinheiro.

É possível voltar a ter superávit primário nessas condições?

É improvável que isso ocorra antes de 2027. Seria num prazo muito longo. Com a regra (do teto de gastos) como estava antes, poderia ser alcançado em 2025, mais ou menos. A mudança no teto está adiando a perspectiva de um superávit primário em dois ou três anos. Desde que as despesas continuem controladas, acredito que pode ser atingido. A ideia de que a regra (do teto de gastos) original pudesse ser cumprida todos os anos, aconteça o que acontecer, é muito complicada. Talvez (isso fosse possível) se a economia do Brasil um dia crescesse muito mais. Mas não é o que vemos, infelizmente.

O Brasil atingiu um nível elevado da dívida pública, acima de 80% do PIB. O que é preciso fazer para reduzi-lo?

Reduzir a dívida pública e fazer isso de uma forma significativa vai ser muito, muito difícil. Não é uma questão apenas de cumprir a regra fiscal (do teto de gastos), mas de o País crescer consistentemente a 2%, 2,5%. Mas temos visto um crescimento muito fraco desde 2015. A redução da dívida é improvável. É mais razoável prever uma estabilização da dívida no nível que está hoje. Ainda é uma situação de bastante risco. Mas é preciso ter em mente que os níveis altos da dívida estão ocorrendo em quase todos os países emergentes.

Seria importante ter um governo comprometido com essa estabilização ou redução?

Consideradas as regras do teto de gastos de hoje, e mesmo a mudança proposta no teto de gastos, isso cria um compromisso para este governo e o próximo para estabilizar a dívida. Se o governo cumprir o teto isso, levará a uma estabilização. Claro, se a economia nunca crescer, a dívida nunca vai se estabilizar. As condições estão presentes para fazer isso. Mas requer cumprir a regra e cortar um pouco as despesas todo ano.

Estadão
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade