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Política econômica passará por ajustes, diz Mantega

Em entrevista, ministro da Fazenda negou que a política econômica praticada nos últimos anos venha sendo alvo de críticas dentro do governo

17 nov 2014 - 09h10
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<p>Ministro da Fazenda, Guido Mantega, nega que haja críticas à política econômica dentro do governo</p>
Ministro da Fazenda, Guido Mantega, nega que haja críticas à política econômica dentro do governo
Foto: Ueslei Marcelino (BRAZIL - Tags: POLITICS BUSINESS) / Reuters

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou que os ajustes que começaram a ser anunciados na política econômica representem uma mudança "estratégica" e disse que o governo vai continuar no caminho do "desenvolvimentismo".

"Não é uma mudança na estratégia principal", disse o ministro, que comentou os ajustes em uma entrevista à BBC Brasil concedida no domingo em Brisbane, na Austrália, durante reunião do G20.

"A nossa estratégia não é ortodoxa, é uma estratégia desenvolvimentista. É uma estratégia que visa a criar mais empregos, que visa a diminuir as disparidades sociais e de renda - e isso vai continuar."

Mantega, que está de saída da pasta no novo mandato da presidente Dilma Rousseff, negou que a política econômica praticada nos últimos anos venha sendo alvo de críticas dentro do governo.

A sensação foi reforçada dias antes, quando a ex-ministra da Cultura Marta Suplicy disse esperar, ao deixar o cargo, que a presidente seja "iluminada" ao escolher uma nova equipe para resgatar a "confiança e credibilidade" na economia.

Segundo o ministro, ninguém no governo "tem autoridade para a crítica além da presidente [Dilma Rousseff]" e as decisões que ele tomou, nos últimos anos, sempre foram aprovadas por ela.

"Sempre estive sintonizado com a presidente. A política que eu faço é aprovada por ela, e o que nós temos agora é uma continuação dessa política dentro de um outro cenário econômico", afirmou o ministro, cuja saída do governo em um eventual segundo mandato foi anunciada por Dilma ainda durante a campanha. O sucessor de Mantega ainda não foi anunciado.

Confira a seguir a entrevista completa.

BBC Brasil - Para alguns críticos, as recentes medidas econômicas anunciadas pelo governo indicam uma guinada à ortodoxia. O jornal Financial Times comentou que a presidente Dilma adotou políticas propostas pela oposição durante a campanha - e criticadas por ela. Isso é uma indicação do fracasso da política adotada até aqui? Qual o plano daqui para frente?

Guido Mantega -

O que nós estamos fazendo são ajustes na economia, que são sempre necessários, principalmente quando você está saindo de um período de uma crise internacional para um período de normalidade. Durante a crise, nós fizemos várias medidas anticíclicas. Agora, é o momento de sair das medidas anticíclicas e caminhar para a normalidade. Então, você tem que fazer esses ajustes.

Nós fizemos ajustes importantes no início do governo Dilma. Eu mesmo, como ministro da Fazenda. Fizemos um ajuste fiscal, na política monetária. Nesse momento temos que fazer alguns ajustes como o que fizemos em 2011. Não é nenhum retrocesso à política ortodoxa, em nenhuma circunstância. Fazer ajuste fiscal não é uma medida ortodoxa. Você manter a solidez fiscal é, digamos, o princípio de qualquer política, seja ela ortodoxa ou heterodoxa. Temos que preparar a economia pra que ela possa voltar a ter uma politica monetária mais flexível, para restabelecer o crédito no Brasil.

BBC Brasil - E como exatamente seriam esses ajustes, como eles vão fazer o crescimento deslanchar?

Mantega -

Na verdade nós precisamos da recuperação da economia internacional. O crescimento da economia internacional em 2014 foi decepcionante. Então nós temos esperamos um cenário melhor. No Brasil, tivemos que combater em 2014 uma seca forte, uma pressão inflacionária, tivemos o período da Copa do Mundo, tivemos eleições, tudo isso atrapalha um pouco a economia.

Agora, sem isso, e mais os ajustes, nós teremos condição de retomar o crescimento. Por quê? Porque a economia brasileira mantém fundamentos sólidos. Nós temos um mercado interno poderoso. O Brasil continua se expandindo, porque apesar de um crescimento menor, nós aumentamos o emprego e aumentamos o salário. A massa salarial, que é poder de consumo, continua crescendo no Brasil. Basta reconstituir o crédito que você vai ter uma reativação.

Além disso, os programas de investimento que lançamos nos últimos anos estão amadurecendo. É o pacote de concessões, de infraestrutura, as rodovias estão recebendo investimentos. O setor de gás e energia está tendo bons investimentos. Com isto, nós temos condições de recuperar a taxa de crescimento em 2015, especialmente se formos ajudados por uma recuperação da economia internacional.

BBC Brasil - O que leva a essa mudança [na política econômica], a realidade econômica ou a necessidade de controlar as contas públicas?

Mantega -

Essa mudança se deve ao fato de que nós saímos desse período de política anticíclica para [entrar em] um período em que acreditamos que a crise está no fim e que vai começar uma outra fase da economia. Não estamos mais dando estímulos, temos que reduzir alguns gastos, e reconstituir a política monetária mais favorável ao consumo da população.

BBC Brasil - Como foi a sua relação com a presidente Dilma durante o governo? O sr. tinha autonomia, ou havia muita interferência [no ministério]?

Mantega -

Bom, é uma relação normal do ministro da Fazenda com a presidente. Ela sempre [nos] deu autonomia, para que nós fizessemos e apresentássemos os programas econômicos, os programas de ajuste.

Nós já tínhamos uma grande sintonia, porque antes de ela ser presidente, ela era ministra. Minha colega no ministério. E nós trabalhávamos juntos na política econômica. Fazenda com Casa Civil. Então, não houve nenhuma mudança porque estavámos sempre sintonizados.

As iniciativas que tomamos sempre foram aprovadas e apoiadas pela presidente.

BBC Brasil - O sr. tem sido alvo de críticas não somente da oposição, mas também internas. Ao mesmo tempo, tem que anunciar a mudança da política econômica, que de certa forma vai na direção contrária a que foi adotada até aqui. Não é uma situação incômoda?

Mantega -

Não tenho [sido alvo de] críticas [de] dentro do governo. Se tivesse crítica, essa pessoa seria rapidamente desqualificada. Ninguém tem autoridade para a critica além da presidente. Agora se tem gente, se algumas pessoas comentaram isso [contra a política econômica], ai é outra coisa.

Sempre tive autoridade, sempre estive sintonizado com a presidente. A politica que eu faço é aprovada por ela e, o que nós temos agora é uma continuação desta política dentro de um outro cenário econômico. Portanto, isso exige mudanças. Não é uma mudança na estratégia principal.

A nossa estratégia não é ortodoxa, é uma estratégia desenvolvimentista. É uma estratégia que visa a criar mais empregos, que visa a diminuir as disparidades sociais e de renda - e isso vai continuar. Agora adaptado a uma outra fase da economia. Nós saímos da fase de crise e estamos nos preparando para a retomada do crescimento.

Se você olhar a política que eu fazia antes da crise, ela era diferente da que nós fizemos durante a crise. Agora trata-se de voltar ao que nós fazíamos. Antes da crise tínhamos o superávit primário maior, uma estabilidade maior das contas [públicas]. Num período de crise isso fica comprometido. Então, trata-se de uma mesma estratégia em fases diferentes. Não é uma mudança da estratégia econômica.

BBC Brasil - O Brasil chegou nesse G20 com a economia bem mais fraca do que em 2008 (quando a reunião do grupo foi essencial para responder aos desafios colocados pela crise). Teve algo a ganhar e a contribuir nas reuniões deste final de semana em Brisbane?

Mantega -

Na verdade a maioria dos países está crescendo pouco no G20, e esse foi um dos temas da discussão. Por que, com as medidas tomadas, não estamos tendo uma reativação [de nossas economias]? Chegamos à conclusão de que falta estimular a demanda nos países avançados. Os EUA estão indo razoavelmente bem, o Reino Unido também está em uma certa recuperação, mas nós temos a União Europeia, temos o Japão, que não estão contribuindo para a retomada da economia mundial.

Muitos países estão buscando disputar mercados externos - e o que nós estamos precisando hoje é de reconstituir o comércio internacional. Ele está crescendo pouco porque tem pouca demanda nesses países. Essa é uma questão chave. Os países emergentes estão sofrendo porque falta mercado para eles exportarem seus produtos.

BBC Brasil - O que foi discutido na reunião dos Brics?

Mantega -

Discutimos a consolidação [dos projetos do grupo]. Criamos em Fortaleza duas instituições importantes, o Banco de Desenvolvimento dos Brics e o fundo contingente de reservas. Então, agora temos que colocá-los para funcionar.

Combinamos de tomar algumas iniciativas, como, por exemplo, criar uma diretoria provisória para o Banco de Desenvolvimento, criar um conselho de administração, tomar as últimas providências para que, na reunião de julho do próximo ano, na Rússia, já tenhamos esses dois instrumentos importantes funcionando.

É importante ter um banco de desenvolvimento para financiar investimentos nos países emergentes, principalmente nos Brics, e um fundo de reservas para a eventual necessidade de membros do nosso grupo. Então, vamos apressar os trabalhos. Foi combinado que até julho nós estaremos com esses instrumentos prontos para funcionar.

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