Por que a Bolsa teve forte alta após a queda histórica de segunda-feira
O principal índice da bolsa de valores brasileira voltou a subir de maneira expressiva nesta terça-feira, recuperando parte das perdas causadas pelo avanço do novo coronavírus e pela instabilidade no mercado de petróleo.
Um dia depois do pânico generalizado nos mercados financeiros de todo o mundo, um ajuste por parte dos investidores nesta terça-feira (10/03), mesmo sem grandes alterações no cenário global, colocou para cima o preço de moedas emergentes, dos mercados de ações e das matérias-primas em todo o mundo.
O preço do petróleo, que ontem caiu de US$ 45 a US$ 31,52 apenas segundos depois do início das operações internacionais e levou a Petrobras a perder dezenas de bilhões em valor de mercado, registrou um dia de alta e recuperou parte das perdas.
Como a mudança de humor do mercado não se justificou por nenhuma alteração radical de cenário de um dia para o outro, a valorização dos ativos foi interpretada por analistas como um ajuste depois do forte pessimismo.
O Ibovespa, principal índice da bolsa de São Paulo, a B3, fechou em forte alta nesta terça-feira, recuperando parte das perdas de segunda, em meio a expectativas de ações coordenadas de governos e bancos centrais de todo o mundo para ajudar as economias em meio ao surto do novo coronavírus. O Ibovespa avançou 7,14%, indo a 92.214 pontos. Na máxima, o índice bateu os 92.230 pontos.
Já o dólar encerrou o dia vendido a R$ 4,6447, em queda de 1,77%.
Ontem, o surto global do novo coronavírus levou o mercado financeiro mundial a mergulhar em seu pior momento desde a crise econômica de 2008. O Ibovespa fechou o dia em queda de 12,17%, caindo a 86.067 pontos, a maior baixa percentual diária desde 10 de setembro de 1998.
Na segunda-feira, o dólar comercial terminou o dia no Brasil a R$ 4,73, em alta de 2,03%. Além disso, o preço do petróleo registrou ao longo do dia a maior queda em quase 30 anos. O valor do barril do tipo Brent caiu quase 30% na abertura dos mercados na Ásia.
'Exageros'
O banco Fator, em relatório assinado pelo economista-chefe José Francisco de Lima Gonçalves, pondera que o "noticiário não trouxe alterações relevantes no cenário internacional que justifique tal alta, de modo que o movimento pode ser visto como um ajuste a exageros de ontem".
Apesar da relativa estabilidade do cenário desde ontem, alguns fatores positivos entraram no radar dos investidores nesta terça, como a desaceleração dos novos casos de covid-19 — a doença causada pelo novo coronavírus — na Coreia do Sul, que caíram de 813 no fim de fevereiro para 248 nos dados divulgados esta semana.
Outra notícia interpretada com viés positivo pelo mercado foi a perspectiva de que o presidente americano, Donald Trump, anuncie as prometidas medidas econômicas para tentar conter os danos causados pela propagação da epidemia.
O pacote, conforme anteciparam algumas fontes à imprensa americana, deve incluir o corte de impostos na folha de pagamentos e um aumento temporário do pagamento de auxílios-doença, além de incentivos para a indústria do turismo, que tem sido muito afetada por cancelamentos e reduções de viagens.
A sinalização de Trump pode aliviar uma das maiores preocupações do mercado financeiro em relação ao coronavírus: o risco de que, por se tratar de um vírus com alta velocidade de transmissão, atinja economias relevantes para o cenário global além da China e Itália, em especial os Estados Unidos, onde já foram registradas 259 casos confirmados e 19 mortes até esta terça-feira.
No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou que, até esta terça-feira, 34 casos do novo coronavírus foram confirmados. Estes casos estão em oito Estados: São Paulo (19), Rio de Janeiro (8), Bahia (2), Espírito Santo (1), Minas Gerais (1), Alagoas (1), Distrito Federal (1) e Rio Grande do Sul (1). Outros 893 casos estão sob suspeita, e 780 foram descartados.
Nesta terça, ao discursar em Miami, o presidente Jair Bolsonaro negou que exista crise econômica internacional e insinuou que há alarmismo na cobertura de imprensa sobre a desaceleração de mercados diante da epidemia de coronavírus.
"Os números, não só da economia, bem como das demais áreas falam por si. Durante o ano que se passou, obviamente, temos momentos de crise. Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga", afirmou Bolsonaro.
Economia frágil mesmo antes do corona
No cenário nacional, os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retrataram que a produção industrial brasileira caiu 1,1% em relação ao acumulado de agosto até outubro. Embora a produção tenha registrado avanço de 0,9% em janeiro, a atividade industrial recuou 1% no acumulado em 12 meses.
"O dado abre o ano mostrando a fragilidade da indústria nacional, em cenário que ainda não leva em conta os esperados impactos do coronavírus sobre as cadeias produtivas. Este choque, deve começar a aparecer somente nos dados de março, mas ainda é cedo para estimar a magnitude deste efeito no Brasil", afirma a consultoria LCA.
Vanei Nagem, chefe de câmbio do Terra Investimentos, diz que outro fator que pesou a favor da relativa calmaria no mercado de câmbio foi a atuação do Banco Central, que realizou nesta terça novo leilão de dólares à vista com oferta de R$ 2 bilhões.
"O BC acertou na atuação dele, supriu a necessidade dos compradores", diz Nagem. No Brasil, o câmbio é flutuante, o que significa que a autoridade monetária age para conter altas no curtíssimo prazo, mas não para perseguir cotações para a moeda; a meta que orienta as ações do BC é a de inflação.
Nagem destaca, no entanto, que o cenário ainda é incerto a respeito do coronavírus. A China é o país asiático é o mais afetado até agora pela doença causada pelo vírus. Até agora, foram registrados 80.859 casos entre os chineses — 3.122 pessoas morreram.
Com cidades sob quarentena e empresas fechadas, a segunda maior economia do mundo já começa a sofrer os impactos da crise sanitária. E, dada a sua importância para o comércio mundial, começa a afetar seus parceiros.
Mas mesmo em novo dia de preocupação com a China, o tom de hoje foi mais positivo: nesta terça, o presidente Xi Jinping visitou a cidade de Wuhan, o centro do surto de coronavírus, no momento em que a China registrou o menor número de infecções, apenas 19 no dia.
A China já teve 80.754 casos confirmados, dos quais 3.136 morreram. Na contramão de Europa e EUA, as primeiras escolas na China reabriram nesta segunda-feira, segundo o jornal americano The New York Times.
"Os sinais de normalidade na China também influenciam", diz o analista.
Petróleo em leve recuperação
Na véspera, a forte queda no preço do petróleo foi atribuída à decisão da Arábia Saudita de aumentar substancialmente sua produção e começar a oferecer em certos mercados descontos de até 20% nos preços do petróleo bruto.
Nesta terça, os preços dos ativos pelo mundo se comportaram como um "espelho" de ontem. "Isto é, bolsas e juros de países desenvolvidos para cima; moedas e bolsa emergentes em recuperação, commodities valorizando e juros e prêmios de risco de países emergentes em queda", afirmou a consultoria LCA, em relatório.
Ontem, abalada pelos preços do petróleo, a Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado, segundo dados da empresa de informações financeiras Economatica. Nesta terça, os papéis da estatal foram destaques de alta, com valorização de 9,41% nas ações preferenciais, e 8,51% nas ordinárias.
Nesta terça, os preços do petróleo fecharam em forte alta, recuperando parte das perdas da véspera, quando o preço do barril da commodity tombou quase 25%. Os contratos futuros do petroleo do tipo Brent para maio encerraram o dia em alta de 10,42%, aos US$ 37,94, na bolsa ICE, em Londres. Já os contratos do tipo WTI fecharam o dia com valorização de 12,05%, aos US$ 34,88.