Por que a disparada do dólar, em 2015, é pior que a de 2002
O dólar encerrou 2015 com a segunda maior valorização desde a criação do real em 1994. A moeda norte-americana acumulou uma alta de 48,49%, fechando o último dia de negociação do ano cotado a R$ 3,9480 para venda. O desempenho só perde para o de 2002, quando o câmbio subiu 52,27%. Mas, quando se consideram os motivos mexeram com a taxa nos dois episódios, a conclusão é de que a disparada de 2015 é pior que a de 13 anos atrás.
Em rápidas palavras, pode-se dizer que o pico de 2002 representava um medo que se desfez nos anos seguintes. Já a disparada deste ano reflete um pessimismo com um governo já conhecido, que inicia o segundo mandato sem perspectivas de mudanças para melhor.
É verdade que, em ambos os casos, o principal gatilho foi político. Em 2002, o mercado temia a eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência. À medida que ficava clara a vantagem de Lula sobre os demais candidatos, a cotação do dólar subia, refletindo a insegurança geral. Às vésperas do segundo turno daquele ano, realizado em 31 de outubro, o dólar bateu em R$ 4.
Para completar, em outubro de 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso se desdobrava para pagar uma dívida cambial de US$ 3,67 bilhões. Como é de praxe para qualquer administração, a de FHC tentou rolar a dívida, trocando os papéis que venceriam por outros de prazo mais longo. Diante da eleição iminente de Lula, o mercado relutava em aceitar a proposta. Em meados daquele mês, apenas 18% da dívida havia sido renegociada, elevando o temor de uma eventual inadimplência. Foi o bastante para que a taxa batesse nos R$ 4.
Não era o bicho papão
O que se deve notar, contudo, é que aquele comportamento refletia o medo do desconhecido. Lula crescia, na onda de governos populistas de esquerda que ascendiam pelo continente sul-americano. Os investidores temiam que o petista implantasse algo semelhante a um regime socialista no país.
A Carta aos Brasileiros, divulgada por Lula às vésperas do segundo turno, e a nomeação de uma equipe econômica ortodoxa, chefiada, na época, pelo ministro da Fazenda Antônio Palocci, ajudaram a dirimir o medo. As primeiras medidas adotadas pelo governo, aliás, deixaram a esquerda perplexa. Uma delas foi a nomeação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central – um respeitado banqueiro, que fez carreira no Bank of Boston, até tornar-se presidente da operação brasileira.
Para resgatar a confiança dos investidores, Lula, Palocci e Meirelles seguiram a cartilha ortodoxa: o BC elevou a taxa básica de juros (Selic) logo na primeira reunião sob o novo governo; Lula bancou também o aumento da meta de superávit primário; garantiu o câmbio flutuante e reafirmou o compromisso com a meta de inflação.
O resultado foi que, aos poucos, o mercado descobriu que Lula não seria um bicho-papão que devoraria o capitalismo. Pelo contrário: o então presidente conquistou elogios internacionais, ao conduzir a economia de modo bastante conservador, até 2008, e mesclá-la com políticas de inclusão social e assistência, como o Bolsa Família.
O reflexo disso foi o paulatino recuo do dólar. Depois de bater em R$ 4, a moeda fechou 2002 em R$ 3,53. Já em 2003, a desvalorização foi 18,23% frente ao real, encerrando o primeiro ano do governo petista em R$ 2,89. A trajetória do câmbio foi de queda pelos anos seguintes, mostrando a crescente confiança dos investidores no futuro do país. Apesar do repique de 32% em 2008, causado pela eclosão da crise financeira mundial, Lula concluiu o segundo mandato, em 2010, com o câmbio em R$ 1,74.
Insistindo nos erros
A situação é bastante diferente agora. Dilma Rousseff encerra o primeiro ano de seu segundo mandato sem uma exibição convincente de força política (está acossada pelo processo de impeachment que corre na Câmara dos Deputados) ou convicção ideológica para ajustar a economia e recolocar o país na rota do crescimento sustentável. O dólar, neste sentido, é o espelho mais preciso do crescente pessimismo do mercado quanto à capacidade de reação de Dilma.
Os sinais de Dilma apenas alimentam a desconfiança. A presidente apoiou a aprovação de uma meta fiscal mais flexível para 2016, entre 0% e 0,5% do PIB, por exemplo. Foi a gota d’água para que Joaquim Levy deixasse a Fazenda e levasse, consigo, o último fiapo de esperança de que o governo realmente está comprometido com o ajuste fiscal e o combate à inflação. Escaldado, o mercado desconfia de que Nelson Barbosa, tido como desenvolvimentista, ocupou o posto de Levy para servir de barreira a qualquer tentativa de ajuste mais sério.
O resultado é que ninguém espera que o câmbio retroceda no ano que está para começar. O último boletim Focus do Banco Central, divulgado em 24 de dezembro, mostra que o mercado projeta que o dólar encerre 2016 cotado a R$ 4,20. Se a estimativa for confirmada, representará um ganho de 6% sobre os R$ 3,9480 com que a moeda encerrou o último pregão deste ano.
É o medo que o mercado tem de um governo cada vez mais conhecido... pela sua capacidade de tomar decisões erradas.