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Por que a economia da China está ameaçada pelas dívidas da Evergrande

Empresa é a incorporadora imobiliária mais endividada do mundo, com débitos de US$ 300 bilhões, e especialistas alertam para o risco de falência, o que afetaria bancos, investidores e compradores de imóveis

17 set 2021 - 10h11
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De tempos em tempos, uma empresa cresce tanto e de forma desorganizada que o governo fica com medo do que aconteceria com a economia no geral se ela falisse. Na China, a Evergrande, a incorporadora imobiliária em expansão, é essa empresa.

Mas a Evergrande distingue-se por ser a incorporadora imobiliária mais endividada do mundo e tem visto a sua situação piorando cada vez mais há meses. E a chegada de más notícias seguidas nas últimas semanas tem acelerado o que muitos especialistas alertam ser inevitável: a falência.

A agência de classificação Fitch disse esta semana que o default (calote) "parece provável". A Moody's, outra agência de classificação, disse que a Evergrande está sem dinheiro e sem tempo. Ela tem dívidas de mais de US$ 300 bilhões, centenas de edifícios residenciais inacabados e fornecedores furiosos que deram fim aos canteiros de obras. A empresa até mesmo começou a pagar as contas em atraso com a entrega de propriedades inacabadas.

Os analistas estão observando para ver se os reguladores chineses cumprem sua promessa de pôr em ordem o setor privado do país, deixando "bombas de dívidas" como a Evergrande colapsar.

Como a Evergrande se tornou um problema?

Em seus dias de glória, há uma década, a Evergrande vendia garrafas de água mineral, era dona do melhor time de futebol profissional da China e até mesmo se aventurou por um breve período na criação de porcos. Ela se tornou tão grande e vasta que tem até mesmo uma unidade que fabrica carros elétricos, embora tenha atrasado a produção em massa.

Porém, atualmente, a Evergrande é vista como uma ameaça periclitante aos maiores bancos da China.

A empresa, que foi fundada em 1996, aproveitou o épico boom imobiliário da China que urbanizou grandes áreas do país e teve como resultado aproximadamente 75% do dinheiro das famílias sendo destinados à habitação. Isso colocou a Evergrande no centro do poder em uma economia que passou a se apoiar no mercado imobiliário para um crescimento econômico acelerado.

Seu fundador, o bilionário Xu Jiayin, faz parte da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, um grupo de elite de consultores politicamente bem relacionados. As conexões de Xu provavelmente deram aos credores mais confiança para continuar emprestando dinheiro à Evergrande conforme ela crescia e se expandia em novos negócios. Entretanto, depois de um tempo, a Evergrande acabou com mais dívidas do que poderia pagar.

Nos últimos anos, ela enfrentou ações judiciais de compradores de imóveis que ainda estão esperando a conclusão dos apartamentos parcialmente pagos. E fornecedores e credores reivindicaram centenas de bilhões de dólares em contas pendentes. Alguns suspenderam a construção dos projetos da Evergrande.

Por que a empresa está com tantos problemas agora?

A Evergrande poderia ter sido capaz de seguir em frente com as atividades não fosse por dois problemas. Primeiro, os reguladores chineses estão fechando o cerco contra os hábitos imprudentes de empréstimos das incorporadoras imobiliárias. Isso forçou a Evergrande a começar a vender parte de seu vasto império de negócios. E a estratégia não está indo muito bem. Ela ainda não vendeu sua unidade de veículos elétricos, apesar de ter conversado com possíveis compradores. Alguns especialistas dizem que os interessados estão esperando uma liquidação total.

Em segundo lugar, o mercado imobiliário da China está desacelerando e há menos demanda por novos apartamentos. Esta semana, um famoso think tank de Pequim, a Instituição Nacional de Finanças e Desenvolvimento, declarou que o boom do mercado imobiliário "deu sinais de uma reviravolta", citando a fraca demanda e a desaceleração nos dados de vendas.

Muito do dinheiro que a Evergrande conseguiu angariar veio da venda de apartamentos que ainda não foram finalizados. Ela tem aproximadamente 800 projetos em toda a China que estão inacabados e cerca de 1,2 milhão de pessoas ainda estão esperando para se mudar para suas novas casas, de acordo com uma pesquisa da REDD Intelligence.

A Evergrande reduziu os preços dos apartamentos novos, mas nem isso conseguiu atrair mais compradores. Em agosto, ela realizou 25% a menos de vendas do que no mesmo período há um ano.

As autoridades reguladoras chinesas vão intervir para salvar a Evergrande?

Pequim ficará tentada a dizer "não", mas um colapso poderia provocar sérios danos, deixando proprietários de imóveis, fornecedores e investidores do país - possivelmente na casa dos milhões - descontentes. E, em última instância, Pequim acabou se mexendo para apoiar outras grandes empresas com problemas gigantes no passado.

Durante anos, muitos investidores deram dinheiro para empresas como a Evergrande porque acreditavam que, no fim das contas, Pequim sempre interviria para resgatá-las se as coisas ficassem muito instáveis. E, durante décadas, os investidores estavam certos. Mas, no decorrer dos últimos anos, as autoridades têm mostrado uma disposição maior em permitir a falência das empresas para controlar o problema da dívida insustentável da China.

As autoridades arrastaram os executivos da Evergrande para uma reunião no mês passado e disseram a eles para dar um jeito com suas dívidas. Elas também continuaram a dizer a seus bancos para reduzirem seus empréstimos à incorporadora.

Como a falência da Evergrande afetaria a economia da China?

Uma campanha do banco central para controlar a dívida imobiliária e reduzir a exposição do setor bancário a incorporadoras com problemas deveria significar que uma falência da Evergrande teria menos impacto no sistema financeiro da China. Mas a realidade talvez não seja tão simples assim.

O pânico dos investidores e compradores de imóveis poderia se espalhar para o mercado imobiliário e atingir os preços, afetando a riqueza e a confiança das famílias. Isso também poderia abalar os mercados financeiros globais e tornar mais difícil para outras empresas chinesas continuarem a financiar seus negócios com investimento estrangeiro. Em artigo para o Financial Times, o investidor bilionário George Soros alertou que um calote da Evergrande poderia causar o colapso da economia chinesa.

Chen Zhiwu, professor de finanças da Universidade de Hong Kong, disse que uma falência poderia resultar em uma escassez de crédito para toda a economia, à medida que as instituições financeiras se tornam mais avessas ao risco. Uma falência da Evergrande, acrescentou ele, "não era uma boa notícia para o sistema financeiro ou para a economia no geral".

Mas nem todo mundo está tão pessimista. Bruce Pang, economista da China Renaissance Securities, disse que um calote poderia estabelecer as bases para uma economia mais saudável no futuro. "Se a Evergrande estiver prestes a dar fim à crença cada vez menor de 'grande demais para falir para falir', isso provará a menor tolerância de Pequim para as inadimplências, apesar das dores e dos transtornos no curto prazo", disse Pang.

Os investidores estrangeiros devem se preocupar?

Os investidores estrangeiros têm para receber US$ 7,4 bilhões em pagamentos de títulos da Evergrande somente no ano que vem. Em vários momentos deste ano, eles entraram em pânico, levando a negociação dos títulos no mercado secundário a novas profundidades. Na semana passada, os títulos de dívidas da Evergrande estavam sendo cotados a 50 centavos de dólar. A negociação de sua dívida estava tão frenética que, em certo ponto, os reguladores pararam brevemente de comercializá-las.

A principal listagem de ações da empresa em Hong Kong perdeu mais de 75% de seu valor no ano passado.

Os investidores estrangeiros estão preocupados com o fato de que, se Evergrande falir, todo o dinheiro que lhes é devido desaparecerá no ar. As autoridades em Pequim sinalizaram que não estão mais dispostas a socorrer os detentores de títulos do país ou estrangeiros. Em qualquer processo de falência, eles estariam no final da lista de credores para conseguir qualquer um dos ativos da empresa chinesa.

Estadão
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