Por que Banco Mundial prevê pior choque de preços em 50 anos
Instituição prevê elevação significativa de preços de trigo, algodão e outra série de itens com grande impacto sobre a economia mundial.
A guerra na Ucrânia deve provocar o "maior choque de commodities" desde a década de 1970, alertou o Banco Mundial.
Em nova previsão divulgada, a organização avalia que o conflito vai contribuir para o aumento de preços de itens que vão do trigo ao algodão, passando pelo gás natural.
Os reajustes estão "começando a ter efeitos econômicos e humanitários muito grandes", disse Peter Nagle, coautor do relatório, à BBC. Ele afirmou que "as famílias em todo o mundo estão sentindo a crise do custo de vida".
"Estamos particularmente preocupados com as famílias mais pobres, já que uma parcela maior da renda delas é gasta em alimentos e energia. Elas são particularmente vulneráveis a esse aumento de preços", acrescentou o economista-sênior do Banco Mundial.
Os preços da energia devem subir mais de 50%, impactando tanto as contas de residências como as de empresas, diz o Banco Mundial.
O reajuste maior ocorrerá no preço do gás natural na Europa, que deve mais do que dobrar. Os valores devem ter queda em 2023 e 2024, mas ainda assim permanecerão 15% mais altos do que no ano passado.
Segundo o Banco Mundial, no intervalo de quase dois anos entre abril de 2020 e março deste ano, houve uma escalada que representa "o maior aumento de 23 meses nos preços da energia desde a subida do preço do petróleo em 1973".
Na época, um corte no fornecimento de petróleo por parte de países do Oriente Médio, em represália ao apoio norte-americano a Israel, fez com que os preços do barril disparassem em todo o mundo.
Da mesma forma, a expectativa é de que os preços do petróleo permaneçam elevados também nos próximos dois anos. O barril deve ficar US$ 100 em média neste ano, algo que elevará a inflação ao redor do mundo.
A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, com 11% do total, mas o relatório do Banco Mundial afirma que "perturbações resultantes da guerra devem ter um efeito negativo duradouro". Com as sanções de potências ocidentais, empresas estão saindo do país e cortando os laços com a economia russa.
Atualmente 40% do gás e 27% do petróleo da União Europeia são fornecidos pelos russos, mas os governos europeus estão agindo para reduzir essa dependência. Esse movimento, porém, elevou os preços globais de energia ao direcionar a demanda para outros locais.
Trigo a caminho de bater recordes
A perspectiva do Banco Mundial sobre commodities também inclui a previsão de uma forte alta no preço dos alimentos. O índice de preços da ONU está em seu nível mais alto da série histórica iniciada há 60 anos.
O trigo deve subir 42,7% e atingir novos recordes. Outros aumentos de impacto previstos são o preço da cevada (33,3%), soja (20%) e do frango (41,8%). São reflexos da queda drástica das exportações da Ucrânia e da Rússia.
Antes da guerra, os dois países representavam 28,9% das exportações globais de trigo, de acordo com o banco JP Morgan, e 60% do fornecimento global de girassol, segundo a S&P Global. Esse último produto é um ingrediente-chave em muitos alimentos processados.
Efeitos no Brasil
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, "faz sentido pensar em pressão inédita de preços. No caso brasileiro, o impacto é claramente inflacionário por causa de combustíveis e derivados do trigo".
"A questão é saber se essas altas serão persistentes ou não. Essa inflação que está sendo gerada pode levar a uma desaceleração intensa da economia mundial ano que vem, e isso pode levar a descomprimir em parte a pressão de preços que vemos agora", analisa Vale.
Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, lembra que a economia mundial já estava em um ciclo de alta de commodities antes da guerra por conta dos efeitos da pandemia de covid-19.
"Grande parte dos analistas esperava que o preço das commodities ao menos perdesse força, mas a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia, dois grandes produtores tanto de commodities agrícolas como minerais, mudou as coisas. Então não é só um problema de preço de alimentos, mas também de insumos industriais. Praticamente toda a cadeia de produção é afetada", afirma Sá.
Ela explica que as tendências inflacionárias devem levar a juros mais altos: "Temos um período desafiador para a população como um todo, com preços de bens elevados e crédito mais caro".
É estimada a elevação dos preços de outras matérias-primas importantes como fertilizantes, metais e minerais. Os custos de madeira, chá e arroz estão entre os poucos itens que devem cair.
"O trigo é um dos produtos agrícolas mais difíceis de substituir", diz um relatório do Bank of America.
A análise aponta que más condições climáticas na América do Norte e na China devem piorar o impacto da redução das exportações ucranianas - e, com a guerra, o plantio da primavera foi interrompido.
O Bank of America estima que exportações ucranianas de grãos e oleaginosas caíram mais de 80% por causa do conflito. Ao longo de um ano, isso é "equivalente a cerca de 10 dias de abastecimento mundial de alimentos".
O presidente-executivo da Archer Daniels Midland, uma das quatro maiores traders de commodities alimentícias do mundo, disse não esperar que os preços caiam tão cedo.
Segundo Juan Luciano, os mercados globais de grãos sentirão efeitos nos próximos anos de uma fraca colheita de canola no Canadá e de resultados abaixo do esperado na América do Sul, além da guerra na Ucrânia.
Nagle, do Banco Mundial, disse que outros países podem ajudar a resolver a escassez de oferta causada pela guerra na Ucrânia a médio prazo.
No entanto, um aumento previsto de 69% nos preços dos fertilizantes neste ano significa que "há um risco real de que, à medida que os agricultores usem menos fertilizantes, os rendimentos das plantações diminuam".
Para commodities em geral, o relatório do Banco Mundial prevê o pico dos preços neste ano, mas permanecendo em um patamar muito mais alto do que o previsto antes.
O documento ressalta que "as perspectivas para os mercados de commodities dependem muito da duração da guerra na Ucrânia" e da interrupção que causa nas cadeias de suprimentos.
*Com reportagem de Shin Suzuki, da BBC News Brasil em São Paulo