Por que economistas dizem que o PIB não é boa medida de bem-estar, incluindo seu criador
O indicador que contabiliza a riqueza dos países virou termômetro da atividade econômica, mas essa não era a ideia quando foi criado, na década de 1930, por Simon Kuznets.
Em 2016, autoridades fizeram a maior apreensão de cocaína na história do Reino Unido.
Foram 3,2 toneladas da droga, encontradas na Escócia, como resultado de uma operação internacional.
O valor estimado de uma quantidade como essa era de US$ 720 milhões (o equivalente a R$ 2,77 bilhões).
Sem dúvida, uma boa notícia para o governo, que evitou que o material fosse vendido nas ruas.
"Mas nem tanto em termos de PIB", diz Jonathon Athow, diretor adjunto do Instituto Nacional de Estatísticas do Reino Unido. "Porque, curiosamente, o tráfico de drogas está incluído na medida da produção econômica que chamamos de Produto Interno Bruto (o PIB, que significa a soma dos bens e serviços produzidos por um país em determinado período)".
Mas porque o Reino Unido e também outros países consideram drogas nessa conta?
"O PIB foi concebido para ser internacionalmente comparável, e em alguns países certas drogas são legais. Para evitar que haja uma distorção entre os países onde é legal e onde é ilegal, contabilizamos drogas que são ilegais", explica Athow.
A mudança na metodologia aconteceu em 2014, por orientação da União Europeia.
David Pilling, editor do jornal britânico Financial Times, observa que "o PIB não faz distinção entre uma boa atividade econômica e uma atividade econômica ruim".
Produzir, por exemplo, algo que salva a vida de crianças conta tanto quanto a produção de balas para armas que as matam.
Essa é apenas uma das peculiaridades do PIB, uma das medidas de valor mais conhecidas e usadas na economia - e que, no entanto, tem muitos críticos.
O princípio da medida e do debate
O PIB é um dos principais indicadores da economia, usado, grosso modo, para medir a geração de riqueza.
"Ele nos ajuda a saber quanto vamos arrecadar em impostos e, portanto, quanto o governo pode gastar em serviços como saúde e educação", observa Athow.
Para entender, porém, para que ele é útil e o que não nos diz, é preciso voltar no tempo, até a década de 1930.
Era a época da Grande Depressão nos Estados Unidos.
Em Nova York, o economista Simon Kuznets queria encontrar uma forma de mensurar a economia dentro do esforço para encontrar saídas para a crise.
"Ele começou tentando medir o que era realmente produtivo em um aspecto significativo... o que realmente trazia bem-estar à sociedade", disse à BBC a professora Diane Coyle, da Universidade de Cambridge, e autora de PIB: Um breve, mas carinhosa história.
Até então, tinham sido criadas muitas estatísticas - elas mostravam quantos quilômetros de vias férreas existiam, a quantidade de ferro produzido, etc. - mas ninguém havia tentado juntar todas elas.
"Mas eclodiu a Segunda Guerra Mundial e o influente economista britânico John Maynard Keynes disse: 'Eu não preciso saber quanto de bem-estar existe, porque estamos em guerra. O que preciso saber é o quanto a economia pode produzir e o mínimo essencial que as pessoas precisam consumir, para saber quanto sobra para financiar a guerra'", explica Coyle.
Os bens mais demandados nessa época eram artigos como tanques e artilharia, então outro tipo de cálculo era necessário.
"Em meio à guerra, a vitória é a coisa mais importante, então o foco dessa medida (que seria o PIB) mudou."
Depois da guerra, os Estados Unidos precisavam saber como a ajuda dada para a reconstrução de diversos países estava sendo usada pelos destinatários, por isso começou a usar o PIB.
"Essa iniciativa anglo-americana se ampliou graças às Nações Unidas e se tornou o padrão global", diz Coyle.
Simon Kuznets, no entanto, não estava muito orgulhoso do que havia ajudado a criar.
"Ele não estava de acordo e foi muito claro nesse ponto. O PIB acabou por ser muito diferente de sua intenção original, ou seja, sua medida de bem-estar econômico acabou virando uma medida da atividade na economia."
"A diferença é que há muitas coisas que são boas para a economia e que não são boas para a sociedade. Por exemplo: se há mais crimes, paga-se mais aos advogados e à polícia, e isso conta no PIB."
"E esse debate sobre se queremos medir o bem-estar em algum sentido fundamental ou apenas a atividade econômica continua", diz Coyle.
Bill Gates no bar
Apesar disso, o PIB veio para ficar e se tornou a principal forma de medir a atividade econômica.
Desde então, a medida é uma das principais bases para a comparação de países, apesar de condensar dimensões complexas da economia em um número, sem tratar da distribuição da riqueza produzida.
"Há uma piada de economistas que diz: Bill Gates entra num bar e, de uma hora para outra, todos os que estão lá são milionários (se dividirmos a riqueza concentrada naquele espaço pelo total de pessoas)", diz Pilling.
"É uma piada de economistas, não tem tanta graça, mas serve para explicar este ponto: a frase não nos diz nada sobre a riqueza dos outros clientes do bar, mas sim sobre a renda de Bill Gates dividida entre eles", acrescenta.
"Sabemos, por exemplo, que o rendimento médio das famílias nos Estados Unidos está estagnado nos níveis dos anos 80. Portanto, uma grande parte do crescimento que se mede no PIB vai para uma parcela pequena da sociedade, que corresponde a 1% ou talvez até 0,1%. De que isso serve para a sociedade em geral?"
'Se isso é uma recessão, eu quero uma!'
Até hoje, os políticos comemoram se o PIB de seus países aumenta, porque esse seria um sinal de que a economia estaria crescendo.
Mas David Pilling percebeu o quão pouco os números que estão por trás dessas três letras dizem sobre a realidade de um país quando foi para Tóquio em 2002 trabalhar como correspondente do Financial Times.
"O Japão era o país que tomaria a liderança dos Estados Unidos graças a sua economia dinâmica, mas entrou em colapso e seu PIB nunca se recuperou. Permaneceu estável por anos: se fosse um gráfico, seria uma linha plana."
O economista pensava que, dada a queda expressiva e a fraca recuperação do Japão, encontraria "pessoas desabrigadas e um país em ruínas".
"O que eu encontrei foi, em muitos sentidos, uma economia extraordinariamente vibrante, muito rica e sofisticada, que parecia muito mais rica que a britânica, por exemplo. Não apenas eu enxergava assim. Um político que visitou o país disse: 'Se isso é uma recessão, eu quero uma! '".
"Não estou dizendo que tudo estava perfeito no Japão, mas que a expectativa criada se você via o país pelo prisma do PIB realmente não se ajustava à realidade de forma alguma", explica Pilling.
A chave está no nome
A experiência no Japão foi, para Pilling, prova contundente de que o PIB é uma medida de má qualidade, embora excelente em quantidade.
"A qualidade das coisas no Japão é incrível, a qualidade da comida, dos serviços... um grande exemplo são seus trens-bala, cujos horários são medidos em quartos de segundo, seus atrasos são inferiores a um segundo. Mas sua contribuição ao PIB é só o que custa pegar o trem. Não há ajuste pela qualidade."
"Então, um trem britânico desgastado que se decompõe continuamente contribui da mesma forma que um trem bala para o PIB. Por quê? O que acontece com a contribuição para a nossa qualidade de vida?", questiona ele.
A ideia, segundo ele, "é que produzamos mais e consumamos mais em um ciclo cada vez maior, se não queremos prejudicar a economia". "Se são produzidos carros que se danificam em um ano, comprar outros para substituí-los (em vez de consertá-los) é bom para o PIB", exemplifica Pilling.
"Mas a economia somos nós, a economia é o que escolhemos que seja."
A economia pode ser mais tempo de lazer, uma vida mais longa, melhores serviços de saúde ou ar mais limpo, diz o especialista. "Mas, a menos que meçamos essas coisas, corremos o risco de continuar com esta medida do nosso suposto sucesso em detrimento de outras coisas."
"É preciso medir o que é importante para nós. Se algo não é medido, o mais provável é que seja negligenciado nas políticas públicas. O que os governos medem ajuda a estabelecer suas políticas. Suponha que eles estabeleceram uma medida que determine o aumento da nossa esperança de vida, então presumivelmente destinariam mais recursos para melhorar a saúde das nações", diz o editor do Financial Times.