Por que o mercado reagiu com tranquilidade aos atos golpistas em Brasília?
Mesmo com o vandalismo registrado na capital federal, Bolsa operou em alta e dólar tem valorização leve
São Paulo - No domingo, 8, um grupo de vândalos invadiu as sedes dos três Poderes, em Brasília, atentando contra a democracia. Foram cenas nunca vistas na história brasileira. E a impressão inicial era que o País poderia entrar num momento de grave instabilidade, que se refletiria imediatamente nos mercados financeiros nesta segunda-feira, 9. Mas não foi o que ocorreu.
A Bolsa de Valores subiu 0,15%, aos 109.129,57 pontos, e o dólar fechou em alta de 0,40%, cotado a R$ 5,2575, nada fora dos padrões de normalidade.
Para Kawall, a reação anunciada pelos Poderes após os atos antidemocráticos parecem uma boa primeira resposta. O destaque é a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que ordenou o desmantelamento dos acampamentos de grupos radicais bolsonaristas em frente a quartéis das Forças Armadas. O economista também vê positivamente a condenação generalizada da ação por políticos de diferentes vertentes, o que indica isolamento dos grupos radicais.
Caso essas medidas avancem e levem à responsabilização e punição dos culpados, os impactos dos atos antidemocráticos sobre a confiança dos investidores no País e a imagem do Brasil no exterior devem ser limitados. "Se houver sucesso em desmontar esses acampamentos, se esses protestos com intenção antidemocrática regredirem, tanto melhor. São dois pontos principais: primeiro, a condenação e, depois, tentar superar esse estado que estamos vendo desde a eleição", afirma.
Kawall acrescenta, no entanto, que a invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e da sede do STF ontem pelos grupos radicais bolsonaristas tem um impacto imediato negativo para a imagem do País no exterior, diante da intenção antidemocrática dos atos. "Cabe nos posicionarmos veementemente contra esse tipo de manifestação, que é diferente de outras manifestações que já vimos em Brasília, pela conotação claramente antidemocrática", diz o analista.
Para Brendam McKenna, analista do Wells Fargo, os atos deste domingo não deve ter impacto duradouro sobre os ativos brasileiros. Sem vislumbrar um efeito significativo do movimento no processo democrático brasileiro, o banco reiterou a sua projeção de dólar em R$ 5,30 no fim do primeiro trimestre e em R$ 5 até dezembro de 2023.
"Embora o risco político seja normalmente elevado no Brasil e possa pesar sobre os preços de ativos locais, acreditamos que o momento '6 de janeiro' do Brasil não terá impactos duradouros sobre os mercados financeiros locais ou a economia brasileira", escreveu, em relatório, traçando um paralelo entre os atos do último domingo e a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.
McKenna afirma que a condenação dos atos pelos principais partidos brasileiros mostra que os atos fracassaram em criar divisões políticas no País. Mesmo assim, o economista reconhece que o movimento contribui para riscos de alta no curto prazo para o dólar em relação ao real, por conta do aumento do risco político. Ele reiterou o viés de alta na sua projeção para o dólar ao fim do primeiro trimestre.
"No curto prazo, estaremos focados na reação do governo Lula aos protestos", afirma. "No médio e longo prazo, a política fiscal de Lula provavelmente será o principal vetor da moeda. Se a política fiscal futura resultar em erosão da responsabilidade fiscal, nós ficaríamos negativos em relação à moeda brasileira ao longo de 2023, e a nossa projeção de dólar em R$ 5,0 seria ajustada para refletir uma perspectiva de fraqueza para o real até o fim deste ano."
Apoio a Lula
Christopher Garman, diretor da consultoria americana de risco político Eurasia nas Américas, por sua vez, disse acreditar que a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes por grupos radicais não deve culminar em uma crise política e tem o potencial de elevar o apoio ao presidente Lula.
"A posição de Lula no Congresso e talvez até diante da opinião pública provavelmente se beneficiará no curto prazo. Há o risco de uma agitação sustentada, dadas as medidas fortes anunciadas pelo governo Lula, mas isso parece improvável", escreveu, em relatório.
O analista observa que a condenação dos atos por líderes partidários de diferentes espectros ideológicos e a reação do Poder Judiciário fortalecem a posição do governo. Ao mesmo tempo, esse movimento pode tornar o presidente menos propenso a adotar medidas que tenham impacto negativo sobre a sua popularidade, diante da polarização do País.
Mesmo assim, Garman nota que os atos reforçam o quadro de desconfiança nas instituições e no sistema político brasileiro em um momento em que os apoiadores de Bolsonaro veem o resultado da eleição como "injusto". À frente, esse quadro pode se intensificar, caso a popularidade de Lula seja danificada pelo ambiente econômico adverso, alerta o analista.
"No início do seu mandato, Lula terá apoio público. Mas se as suas taxas de aprovação caírem em um contexto de adversidade econômica crescente, uma oposição mobilizada e disposta a ir às ruas terá repercussão significativa na governabilidade", escreve. "O problema está em como a base de Bolsonaro poderá agir como um efeito multiplicador para os desafios econômicos e políticos à frente."