Por que PIB deve perder força este ano após crescer 2,9% em 2022
Fim do 'efeito reabertura', juros altos e incerteza fiscal devem limitar desempenho da economia em 2023. Mercado de trabalho já dá sinais de perda de ímpeto.
A economia brasileira cresceu 2,9% em 2022, após alta de 5% em 2021, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) nesta quinta-feira (2/3).
Apesar do bom desempenho, acima do que era esperado pelos economistas no início do ano passado, a atividade perdeu ritmo ao longo dos trimestres.
O PIB (Produto Interno Bruto) recuou 0,2% no quarto trimestre de 2022, após altas no primeiro (1,3%), segundo (0,9%) e terceiro (0,3%) trimestres, sempre em relação ao trimestre imediatamente anterior.
O mercado de trabalho, que gerou 3,6 milhões de vagas em 2022, segundo o IBGE, também já dava sinais de enfraquecimento nos últimos meses do ano.
Segundo economistas, a perda de ritmo da economia ao longo do ano passado é um prenúncio do que vem pela frente.
Para 2023, os analistas projetam avanço de apenas 0,8% para o PIB brasileiro, segundo o boletim Focus do Banco Central. Se confirmado, será o resultado mais fraco para o indicador desde 2020, quando a economia recuou 3,3% sob impacto da pandemia de covid-19.
O baixo crescimento esperado desafia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu primeiro ano de governo, em meio a restrições fiscais e à inflação ainda pressionada.
Entenda nessa reportagem:
- Por que o PIB cresceu acima do esperado em 2022
- Por que a atividade perdeu força ao longo do ano
- O que esperar para a economia em 2023
- E se pode haver surpresa de novo esse ano
Por que PIB cresceu acima do esperado em 2022
No início do ano passado, os economistas projetavam um crescimento de apenas 0,3% para a economia brasileira em 2022, após o forte resultado do ano anterior - um repique da recessão causada pela pandemia em 2020.
Algumas instituições financeiras, como o Itaú, chegaram a prever até uma pequena recessão para o último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Os cenários mais pessimistas, no entanto, não se confirmaram e o PIB registrou um segundo ano seguido de bom desempenho em 2022.
Segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cinco fatores explicam o desempenho melhor do que esperado da economia no ano passado.
O primeiro deles foi o efeito da reabertura total da economia, após a onda da variante ômicron no início do ano. "Isso gerou uma super expansão do setor de serviços, porque havia uma demanda muito reprimida, que impulsionou atividades como turismo, alojamento e alimentação fora de casa", afirma.
O setor de serviços cresceu 4,2% em 2022, após avanço de 5,2% em 2021, conforme o IBGE.
Um segundo fator foram os estímulos feitos pelo governo Bolsonaro, em meio à fracassada tentativa de reeleição do ex-presidente. Economistas estimam que essas medidas tenham injetado mais de R$ 70 bilhões na economia brasileira em pleno ano eleitoral.
Os estímulos incluíram saques extraordinários de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço); antecipação do 13º salário para os aposentados; aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e do Vale Gás; criação de benefícios para taxistas e caminhoneiros; criação do empréstimo consignado do Auxílio Brasil; e a redução dos impostos sobre combustíveis.
Um terceiro elemento foi a guerra na Ucrânia, que elevou globalmente o preço das commodities, com impacto positivo sobre as exportações brasileiras.
"Não foi só o Brasil, a América Latina como um todo surpreendeu [em 2022] porque tivemos uma ajuda de fora", diz Matos.
"A despeito de uma guerra terrível, que gerou uma crise humanitária e muita instabilidade do ponto de vista da inflação e das perspectivas de crescimento, países produtores de commodities foram muito beneficiados", acrescenta.
Segundo a economista, um quarto fator foi o efeito defasado da política monetária.
Como a taxa básica de juros chegou a 2% em 2021, e a política monetária tem uma defasagem de alguns trimestres para fazer efeito sobre a economia (quatro ou cinco trimestres, segundo o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, em declaração em maio do ano passado), mesmo com a Selic em alta desde maio de 2021, o mercado de crédito ainda respondia no início de 2022 ao efeito retardado dos juros baixos do ano anterior.
Por fim, Matos cita as revisões altistas feitas pelo IBGE nos números do PIB de 2020 e 2021, o que ajudou o PIB de 2022 devido ao chamado carregamento estatístico, uma espécie de impulso deixado pelo resultado de um ano para o seguinte.
Carlos Lopes, economista do banco BV (antigo Banco Votorantim), cita ainda o bom desempenho do mercado de trabalho em 2022 como uma surpresa positiva do ano.
A taxa de desemprego fechou dezembro em 7,9%, com 8,6 milhões de desempregados, 3,4 milhões a menos do que no fim de 2021, quando a taxa de desemprego era de 11,1%.
"O mercado de trabalho tem surpreendido nos últimos anos, tem sido algo bem difícil de antecipar, um comportamento bem distinto do pré-pandemia", diz Lopes.
Segundo o economista, isso talvez seja efeito das reformas dos últimos anos - como a trabalhista - sobre a produtividade, mas ele reconhece que esse impacto é difícil de mensurar.
Por que a atividade perdeu força ao longo do ano
Mesmo com todos esses fatores de impulso, o desempenho da economia em 2022 foi gradativamente perdendo ritmo ao longo do ano, até registrar a pequena retração de 0,2% no quarto trimestre.
"Basicamente o que puxa a desaceleração [no quarto trimestre] é a parte de serviços", diz Natalia Cotarelli, economista do Itaú Unibanco.
"Tivemos um PIB de serviços bem mais forte na primeira metade do ano. Ao longo do segundo semestre, conforme os efeitos da reabertura foram passando, esses serviços foram desacelerando."
O PIB de serviços teve alta de 0,2% no quarto trimestre, ante 1%, 1,2% e 0,9% do primeiro ao terceiro trimestres, sempre em relação ao trimestre anterior.
Segundo Carlos Lopes, do banco BV, outro fator que pesou foi o efeito da alta de juros, com a Selic indo de 2% a 13,75% entre março de 2021 e agosto de 2022, no aperto monetário mais agudo e rápido da história recente.
"Com a elevação da taxa de juros já há bastante tempo e a estabilização dessa taxa em patamar alto, o impacto sobre a demanda doméstica começa a aparecer de forma mais clara", diz Lopes.
O principal efeito da alta de juros é encarecer e reduzir a oferta de crédito, o que desestimula investimentos pelas empresas e o consumo de bens duráveis como carros e imóveis pelas famílias.
Essa piora do cenário econômico se refletiu no mercado de trabalho.
Apesar da queda na taxa de desemprego, a população ocupada cresceu apenas 0,1% no último trimestre do ano e a taxa de participação no mercado de trabalho recuou de 62,7% para 62,1% entre o terceiro e o quarto trimestres, conforme dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE divulgados na terça-feira (28/2).
Segundo o economista do banco BV, o resultado da economia no quarto trimestre só não foi pior devido ao desempenho do setor agropecuário, com alta de 0,3% em relação ao trimestre anterior, comparado à queda de 0,3% da indústria e alta de 0,2% do setor de serviços.
"Do ponto de vista da demanda, o desempenho foi sustentado pelas exportações, enquanto consumo, investimento e gastos do governo sofreram", observa. "É um trimestre que evidencia a fraqueza da demanda e que deve ser um pouco a cara de 2023."
O que esperar para a economia em 2023
Depois do crescimento de 2,9% em 2022, a expectativa dos economistas é de que a atividade tenha alta de apenas 0,8% este ano, segundo o boletim Focus.
Conforme os analistas, os mesmos fatores que tiraram ímpeto da atividade no fim do ano passado devem pesar sobre o desempenho da economia este ano.
Mas, a esse cenário, se soma a incerteza fiscal e monetária do início de governo.
"Primeiro, os efeitos temporários da reabertura da economia estão se esgotando", observa Silvia Matos, do Ibre-FGV.
"Além disso, a política monetária está em terreno contracionista e todos os efeitos negativos que já se iniciaram ao longo de 2022 estarão em pleno vapor em 2023", acrescenta a economista.
Na política fiscal, o mercado avalia que o governo vai gastar além da conta e não está claro se o país voltará a ter superávit primário nos próximos anos, diz Matos.
Além disso, a postura de confronto do presidente Lula com o Banco Central, criticando o atual nível de juros e a meta de inflação, adiciona ao cenário de incerteza.
"Tudo isso aumenta o risco de inflação, desancora as expectativas. Isso vai fazer com que os juros fiquem elevados por mais tempo e os investimentos, que dependem de previsibilidade, ficam mais retraídos", observa a economista.
Segundo Matos, assim como no quarto trimestre, o desempenho da atividade em 2023 deve ter efeito positivo do setor agropecuário. Isso porque, no ano passado, o setor foi afetado por questões climáticas que impactaram negativamente safras importantes, como a soja.
Esse ano, com clima mais favorável, a projeção do IBGE é de que a safra de grãos seja recorde, totalizando 302 milhões de toneladas, 38,8 milhões de toneladas a mais que no ano anterior.
E pode haver surpresa de novo esse ano?
Em 2022, o PIB teve alta de 2,9%, ante uma expectativa de 0,3%. A discrepância entre as projeções e o resultado real naturalmente incitam a dúvida se os economistas podem estar exagerando novamente no pessimismo.
Por um lado, o ano começa com um cenário externo ligeiramente melhor do que aquele que se desenhava no fim do ano passado.
Os principais fatores para essa melhora são a reabertura da China com o fim da política de "covid zero"; um inverno menos rigoroso na Europa, que reduziu a demanda do continente por gás natural e enfraqueceu as apostas de uma possível recessão na região este ano; e alguns sinais de que o pior momento para a inflação no mundo pode ter ficado para trás, reduzindo a pressão nos bancos centrais por altas adicionais das taxas de juros.
No cenário interno, o governo adota medidas que impactam a renda da população, como o aumento do salário mínimo (de R$ 1.302 para R$ 1.320 a partir de maio) e a mudança do programa Bolsa Família, que deve passar a pagar um adicional de R$ 150 por criança até 6 anos e R$ 50 por jovens até 18, para além dos R$ 600 de valor mínimo para todas as famílias.
Por outro lado, a incerteza fiscal e monetária em meio aos ruídos de início de governo pressionam o cenário de inflação e de juros. E o caso Americanas secou ainda mais a oferta de crédito, que já vinha apertada pelos juros elevados.
Nesse embate de forças, há mais chance de o PIB ser menor ou maior do que o esperado?
O banco BV projeta uma alta de 1% para o PIB em 2023, mas o economista Carlos Lopes avalia que o viés para esse número é positivo e o crescimento pode ser mais próximo de 1,5%.
"O mundo pode contribuir mais, com o crescimento da China. De novo deve ser um ano em que temos uma contribuição muito positiva das exportações e do setor externo. Então essa pode sim ser uma fonte de surpresa, assim como o próprio desempenho da economia local, com um mercado de trabalho que pode continuar surpreendendo", afirma.
Já Silvia Matos, da FGV, está na ponta pessimista, e projeta uma alta de apenas 0,2% para o PIB em 2023, abaixo da mediana do mercado.
"Não está claro ainda se a inflação nos EUA poderá ser controlada sem uma pequena recessão, porque a inflação dá sinais de melhora, mas os dados de atividade mostram a economia americana ainda muito aquecida", diz a economista, sobre o risco de altas adicionais nos juros nos EUA.
"No Brasil, a inflação está ficando mais salgada e parte da recuperação da credibilidade fiscal que [o ministro da Fazenda, Fernando] Haddad está tentando é através da volta de impostos. Isso retira renda disponível, e tem também o crédito mais caro. Então há sinais positivos e negativos, mas, enquanto a inflação de fato não ceder aqui e lá fora, não temos certeza de que os cenários mais otimistas se concretizem."