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Preço mais alto de carros deve esfriar demanda já pressionada por crédito caro

Vendas de carros novos nos primeiros meses de 2022 caíram 26,7% ante igual período do ano passado

28 mar 2022 - 15h10
(atualizado às 15h50)
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O sonho do automóvel novo ficou mais distante, ou pelo menos significativamente mais caro, para os brasileiros. Mesmo que os reajustes nos preços dos automóveis e nos gastos necessários para seu uso e manutenção, como os combustíveis, arrefeçam em 2022, o novo patamar dos valores, mais elevados, e a alta das taxas de juros no financiamento de veículos esfriarão a demanda, preveem especialistas.

Após dois anos de fortes reajustes, o preço médio dos "hatchbacks", categoria que inclui os carros mais baratos, ficou em R$ 79 mil em janeiro deste ano, levando em conta os valores de tabela divulgados pelas montadoras, mostra levantamento da Bright Consulting, consultoria especializada no setor automotivo. Em 2016, o preço médio era de R$ 48 mil. Corrigindo pela inflação, seria o equivalente a R$ 62 mil, a preços de janeiro.

Após esse salto nos preços, 2022 já começou com sinais de queda na demanda. Em que pese o fato de os primeiros meses do ano serem sazonalmente fracos em relação aos demais, no primeiro bimestre de 2022, as vendas de carros novos caíram 26,7% ante igual período de 2021, considerando unidades emplacadas, conforme a Fenabrave, entidade que representa as concessionárias.

"As montadoras tiveram um bom ano (em 2021) em termos de rentabilidade. As concessionárias também. Mas agora todo mundo está caindo na real. Mesmo que volte a haver faltas pontuais de produtos, vai ter carro", disse Cassio Pagliarini, da Bright Consulting.

Segundo Pagliarini, o novo patamar, mais elevado, dos preços dos carros vai adiar a volta do mercado automotivo nacional ao seu auge - atingido em 2012, quando foram vendidas 3,1 milhões de unidades, apenas de automóveis. Depois desse recorde, as vendas despencaram com a recessão de 2014 a 2016. Desde 2017, o mercado registrava uma lenta recuperação até 2019, quando foi atingido em cheio pela pandemia.

O crédito mais caro deve ser um elemento-chave para desacelerar os aumentos de preços no varejo nos próximos meses, mesmo com a persistência de encarecimento de custos, corrobora o economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC).

"Nenhum segmento do varejo depende tanto do crédito quanto o setor automotivo. Essa tentativa de recomposição de margem (de lucro do setor) não vai longe não. Pelo lado da oferta, vai ser difícil essa alta de custo baixar. Então vai ficar um abacaxi na mão do varejo. Lutar contra um aumento de custos de produção no atacado, e não poder continuar repassando nesse ritmo que a gente está vendo para o consumidor, especialmente no final do ano, quando o crédito vai estar ainda mais caro", disse Bentes.

A taxa média de juros de operações de crédito com recursos livres para Pessoa Física para a aquisição de veículos foi de 26,86% em janeiro de 2022, segundo dados do Banco Central (BC) compilados por Bentes.

"Se você tirar uma média móvel de três meses, de novembro de 2021 a janeiro de 2022, você fica com uma taxa média de 27%, algo que não se via para o automotivo desde o primeiro trimestre de 2016, quando justamente estávamos com aquele processo também de aperto monetário por causa da inflação de 2015. Acredito realmente que não vá ter espaço para sustentar esse grau de repasse nos próximos meses, o que vai colocar o varejo numa situação delicada, visto essa resiliência dessa inflação no atacado, dessa inflação de oferta que a gente já vem acompanhando há alguns meses", previu Bentes.

Nesse quadro, o recorde de vendas de carros novos, registrado em 2012 não deverá ser recuperado antes de 2030, prevê Pagliarini, da Bright Consulting. Em parte, porque, diante do novo nível de preços, apenas um crescimento mais robusto do poder aquisitivo da população, incluindo as famílias menos abastadas, seria capaz de dinamizar o mercado.

"Um avanço maior do mercado só vai acontecer quando o brasileiro ganhar mais. É preciso aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) e a renda per capita", afirmou o consultor.

O arrefecimento da demanda já se vê nas ruas. Na Estrada Intendente Magalhães, conhecido polo de comércio de carros usados na zona oeste do Rio, a queda nas vendas aparece no fraco movimento das lojas. Na manhã de uma quinta-feira, ao circular pela região, a reportagem do Estadão encontrou apenas um consumidor interessado numa possível compra, que não quis dar entrevista. Em janeiro e fevereiro, as transações de carros usados tombaram 30,8% ante os dois primeiros meses de 2021, para 1,041 milhão, mostram os dados da Fenabrave, entidade que representa as concessionárias.

Vendedor da Tan Mariclar Veículos, Valdir Lima Araújo trabalha há 20 anos no ramo e não lembra de ter visto um momento tão ruim para as vendas. Segundo Araújo, as vendas têm sido "horríveis" nos últimos três ou quatro meses, desde que a alta de juros começou a se fazer sentir no comércio. Modelos como Onyx, da GM, e Palio, da Fiat, com fabricação entre 2015 e 2017, que podiam ser comprados com entrada de R$ 5 mil e prestações de R$ 700 a R$ 800 por mês, agora não saem por menos de R$ 1 mil ao mês.

"Os carros aumentaram muito de preço, e a taxa das financeiras também. Os clientes fugiram, não atendemos mais ninguém", afirmou Araújo.

Segundo o vendedor, o aumento da demanda por usados, por causa da falta de veículos novos nas concessionárias, diante dos atrasos na produção, durou até outubro do ano passado. Mesmo assim, os problemas no ritmo de fabricação também provocam efeitos negativos no mercado de usados, principalmente para as lojas da Intendente Magalhães, onde a maioria dos estabelecimentos é especializada em veículos mais antigos e baratos, e não nos seminovos, com um ou dois anos de uso. Nesse segmento, as lojas costumam comprar carros antigos das concessionárias - que se restringem a novos e seminovos - para revender.

"Eu tinha planos de trocar por um carro zero, usando a prerrogativa de isenção de IPI. Esse carro é meu carro sonho de consumo, uma Spin (da Chevrolet). Um espaço bom, a mala excelente, não é o carro mais econômico, mas é a menina dos olhos no táxi. Esse carro, em 2019, o básico dele custava R$ 65 mil a R$ 68 mil. Hoje esse mesmo carro custa R$ 98 mil. O mínimo do mínimo. Ele vai até R$ 110 mil e R$ 115 mil (dependendo dos acessórios inclusos). Qual a chance de encarar uma empreitada de tentar comprar um carro desses novos?", relatou Luiz Afonso de Oliveira, que trabalha como taxista há mais de quatro anos nas ruas do Rio de Janeiro.

O automóvel em que trabalha atualmente já tem 420 mil quilômetros rodados em quase dez anos de uso. Recentemente, Oliveira já gastou mais de R$ 5 mil em manutenção, que incluiu o reparo do aparelho de ar-condicionado. As peças estão significativamente mais caras, relatou.

"Houve um aumento absurdo de peças. As peças subiram muito de preços. Os serviços também de certa maneira acompanharam. Então hoje, para fazer a manutenção do carro de forma adequada é caro, é penoso. O pneu que eu comprava há um por R$ 330 a R$ 350, hoje custa R$ 460 na promoção. Eu troco de dois em dois, a cada seis meses pelo menos", contou Oliveira, que, às voltas também com o encarecimento também dos combustíveis, se viu obrigado a aumentar sua jornada diária de trabalho a 14 horas diárias. "Estou trabalhando mais", disse o taxista.

Estadão
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