Proposta de moeda comum para América do Sul parte de diagnóstico errado, dizem economistas
Para Livio Ribeiro, da FGV, motivo do baixo volume de comércio entre os países do bloco é a falta de demanda pelos produtos e, na opinião Campos Neto, da Tendências, a questão é de falta de competitividade e de complementaridade do que cada um produz
A proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita nesta terça-feira, 30, na cúpula de países sul-americanos, de criar uma moeda comum para fins comerciais entre os 12 países da América do Sul é "inoportuna" e com "motivação errada". A avaliação é do economista Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). O economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, também faz críticas: "é mais uma dessas bravatas para agradar a determinadas plateias", porém economicamente pouco viável.
A premissa do governo, ao propor a criação de uma moeda única para os países do bloco, seria que a indisponibilidade de divisas estaria limitando o volume de negócios. "Os países não teriam volume suficiente de moeda forte para fazer a quantidade de transações que desejariam", afirma Ribeiro.
No entanto, para ambos os economistas, as questões para o fraco comércio entre os países da América do Sul seriam outras. Na opinião de Ribeiro, os países do bloco não comercializam volumes maiores porque não há demanda pelos produtos.
Para Campos Neto, o motivo é que as produções dos países da região não são complementares entre si, mas muito mais concorrentes. "Quem consegue complementar a nossa demanda são outros países", observa o sócio da Tendências.
O economista explica que não é possível ampliar muito as transações de produtos do agronegócio porque, em tese, boa parte dos países da região produz itens desse segmento. Já bens de alta tecnologia são importados da Ásia.
A China está abocanhando uma boa parte do mercado da América do Sul, porque o gigante asiático tem sido competitivo para atender uma série de demandas que os países da região têm. "É tudo uma questão de competitividade e de especialização de cada país", argumenta Campos Neto. Ele frisa que os custos de produção na região são muitos elevados e os países pouco competitivos.
Para constituir uma moeda única seria necessário, por exemplo, determinar regras de conversão para as diferentes moedas locais, definir a caixa de compensação, taxa de câmbio, regras institucionais para defender a moeda de um eventual ataque especulativo, além de estabelecer onde a moeda seria depositada e quem seria o custodiante. "Não seria algo para ser resolvido em semanas, meses ou em dois a três anos", diz Ribeiro.
Do ponto de vista operacional, Campos Neto observa que ter uma moeda única para transações comerciais seria de uma "complexidade astronômica". "Não me lembro de nenhum exemplo no mundo desse tipo de arranjo."
Ribeiro destaca que, para a proposta finalmente andar, a moeda única teria de ser forte e despertar o interesse dos importadores e exportadores em detê-la. "Não adianta nada eu estar lotado de moeda e depois ter dificuldade para convertê-la", observa.
Real forte
Nesse sentido, o economista da FGV diz que o real regionalmente já é forte e que poderia ser usado como moeda única regional. "Se você parte do diagnóstico que o problema é a ausência de divisas, que eu acho que está errado, faz muito mais sentido promover as transações em reais do que criar uma outra unidade de conta."
Além disso, ele observa que, entre os países do Mercosul, já existem mecanismos para realizar transações comerciais em moedas locais. No entanto, esse tipo de negócio responde por uma parcela muito pequena, cerca de 5% dos volumes transacionados.
"A discussão de uma moeda comum é um desvio desnecessário, na medida em que uma série de outros caminhos poderiam ser utilizados para promover o comércio regional e não é a existência de uma moeda comum que resolve um problema que pode ser de demanda", afirma Ribeiro.