Quais países não têm banco central como Milei propõe na Argentina
Alguns pequenos países ao redor do mundo optaram por extinguir o banco central e usar uma moeda estrangeira como oficial. Como isso funcionaria em um país como a Argentina, como deseja seu novo presidente eleito?
Apenas algumas nações no mundo desistiram de ter um banco central, como propôs o presidente eleito da Argentina, Javier Milei — vitorioso no domingo (19/11) com 55% dos votos, após prometer durante a campanha "dinamitar" a instituição.
Quase todas as nações que extinguiram o banco central são, na verdade, países muito pequenos: Kiribati, Tuvalu, Andorra, Ilhas Marshall, Mônaco, Nauru, Micronésia, Palau e o principado de Liechtenstein são alguns dos exemplos.
O único nome nesta lista cuja população está na casa dos milhões é o Panamá, que decidiu, como os outros, utilizar uma moeda estrangeira como sua moeda oficial — neste caso, o dólar.
A primeira coisa que um país perde ao extinguir um banco central é uma política monetária soberana: não pode fixar taxas de juros ou de câmbio, nem imprimir dinheiro ou financiar os gastos públicos do Estado.
Um banco central também é responsável pela gestão das reservas internacionais e pela supervisão dos bancos comerciais e dos meios de pagamento, pois tem a função de regular o sistema financeiro com o objetivo de que ele seja sólido e confiável.
Portanto, se um país decide substituir a sua moeda nacional por uma moeda estrangeira — como o Panamá pelo dólar ou o Mônaco pelo euro —, os principais poderes de um banco central deixam de fazer sentido.
Isto significa que uma economia dolarizada dependerá das decisões tomadas pelo Federal Reserve (o Fed, banco central dos EUA), enquanto uma economia que trabalhe com o euro está sujeita a políticas do Banco Central Europeu.
Por outro lado, o benefício para os países que adotam uma moeda estrangeira é eliminar a taxa de câmbio, exportando mais facilmente seus produtos.
"Sendo países tão pequenos, o comércio internacional é muito importante para a sua economia. Para eles, o benefício de não haver incerteza na taxa de câmbio é muito maior do que qualquer benefício de controlar a economia doméstica através da política monetária", avalia Omar Rachedi, professor do departamento de Economia, Finanças e Contabilidade da escola de negócios Esade, em Barcelona.
Mas Eileen Gavin, analista da consultoria britânica Verisk Maplecroft, afirma que mesmo em países dolarizados ainda há necessidade de uma autoridade de controle, como no Panamá.
"Não existe um banco central oficial, mas existe uma autoridade de supervisão financeira responsável por monitorar os bancos comerciais e as regulamentações macroprudenciais", explica Gavin.
Rachedi concorda, afirmando que para uma economia continuar funcionando, há tarefas que alguma autoridade tem que continuar fazendo.
"Pode ser feito pelo Banco Central ou por um órgão que o substitua, como o Ministério da Economia. É possível eliminar a instituição, mas não todas as suas tarefas", explica o professor.
Eileen Gavin afirma que um órgão que cumpriria parcialmente as funções de um banco central deve mirar também em outro aspecto, as reservas internacionais — e as da Argentina estão no limite há anos.
"Se um país não tem um banco central, o órgão de supervisão que o substitui tem de garantir a liquidez e as reservas internacionais do país, o que num esquema de dolarização é absolutamente crítico, porque é assim que a estabilidade é garantida", diz Gavin.
"As reservas internacionais são realmente a última linha de defesa de uma economia."
E para protegê-las, "os bancos centrais devem ser independentes do governo, o que muitas vezes não acontece na América Latina", acrescenta.
Extinguir ou reformar?
"O banco central não deveria existir", escreveu Milei em uma coluna para a revista britânica The Economist em setembro, quando ainda era apenas candidato.
"Nos últimos 20 anos, os políticos do país e os seus mestres das marionetes, que se beneficiam do status quo, roubaram bilhões de dólares dos argentinos que trabalham duro através da inflação. Estimamos que, só no último ano, os políticos roubaram mais de 5% do PIB do país ao desvalorizar o peso."
Milei argumenta que a falta de independência do banco central e a sua disposição para imprimir pesos para financiar despesas de sucessivos governos fizeram subir os preços no país.
A instituição é, em sua opinião, a culpada pelo fato de a Argentina terminar o ano com uma inflação esperada de 180%: o que no início de 2023 custava 200 pesos vai terminar o ano custando 560.
"Eliminar o banco central é essencial. Não há futuro para a Argentina com o peso (...) Vocês sabem qual é a minha posição nessa luta épica", escreveu Milei.
Mas, para muitos analistas, essa é uma abordagem radical para resolver os problemas econômicos do país.
"A Argentina está pensando em exportar a sua autoridade monetária de Buenos Aires para Washington, em vez de pensar em como reformar a lei para tornar o banco central totalmente independente da política", opina Rachedi.
Para o economista Juan Carlos Martínez Lázaro, a posição de Milei tem a ver com a postura do banco central nos últimos anos.
"O que Milei quer evitar é que a instituição continue financiando os déficits fiscais do governo e que este continue gastando", afirma Lázaro, professor da escola de negócios IE, em Madri.
Ele compara o que acontece na Argentina a ter uma máquina de imprimir cédulas dentro de casa.
"Você não teria empecilhos em gastar o quanto quisesse e sem nenhum tipo de controle. Isto é o que de alguma forma acontece com o governo argentino. O banco central imprime os pesos que deseja e isso lhe permite manter um nível de gastos que de outra forma seria muito complicado."
"Mas isso só causa inflação e desvalorização do peso", aponta Lázaro.
Este processo, tecnicamente denominado "monetização do déficit", é absolutamente proibido na maioria dos bancos centrais do mundo.
Quanto mais técnicos e independentes do governo os bancos centrais forem, mais geram confiança e estabilidade — o que atrai investidores estrangeiros.
Ainda que reconheça o papel passível de crítica do banco central argentino, o economista afirma que a extinção da instituição pode ser um golpe forte demais.
"Sem banco central, um país perde parte da sua soberania monetária, o que é muito útil para enfrentar possíveis recessões ou possíveis crises inflacionárias", afirma Martínez Lázaro.
Para Michael Langham, analista da empresa britânica de investimentos Abrdn, a receita de corte de gastos públicos e dolarização proposta por Milei para conter a inflação pode ser insuficiente.
"O espaço fiscal é limitado e é provável que seja necessária uma recessão profunda e prolongada para acalmar a inflação, que atingiu 142% em termos anuais em outubro", diz Langham.
"Para ter algum sucesso significativo, a Argentina precisará de uma recessão dolorosa e de reformas importantes para melhorar o seu ambiente de negócios e encorajar os investidores estrangeiros e os poupadores nacionais."
Se realmente ocorrer a dolarização, o principal problema será qual taxa de câmbio converterá a moeda nacional em dólares americanos.
"Uma taxa de conversão muito fraca pode destruir o poder de compra da população, mas uma taxa de conversão muito forte pode deixar a economia pouco competitiva com os seus parceiros comerciais", explica Thierry Larose, gerente do banco Vontobel.
Por esta razão, os analistas concordam que o plano de Milei de fechar o banco central e dolarizar não será de curto prazo. E, devido ao tamanho da economia argentina, o processo não seria semelhante ao de países pequenos que optaram por essa via.
Na América Latina, o Equador dolarizou a sua economia em 2000 sem fechar o banco central, uma solução intermediária que teve as suas próprias complicações, porque as reservas continuaram disponíveis para os gastos dos governos.
O tempo dirá se Milei seguirá em frente com seus planos de campanha e se a economia argentina conseguirá superar todos os enormes desafios que enfrenta.