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Quais são as barreiras para organizações negras em busca de acesso a financiamento

Pesquisa do Fundo Agbara aponta dificuldades e soluções encontradas pelas entidades, assim como a mensuração do impacto gerado em número de pessoas atingidas

30 dez 2024 - 14h11
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As organizações sem fins lucrativos comandadas por pessoas negras têm em sua maioria mulheres como líderes, estão localizadas principalmente nas regiões Nordeste e Norte e encontram barreiras grandes para se formalizar e se financiar. As conclusões estão no relatório "Diagnóstico acerca de filantropia e raça no Brasil: do centro das lutas às margens dos recursos", do fundo filantrópico Agbara, através do Núcleo de Pesquisa e Memória da Mulher Negra (NUPEMN).

As organizações classificadas como "negras" no estudo foram as que se definiram dessa maneira e possuem entre seus integrantes 50% + um de pessoas pretas. Foram ouvidas 834 organizações ao longo de 2024, com pesquisas quantitativas e qualitativas. O Fundo Agbara é voltado para mulheres negras. O relatório identifica quem lidera, a distribuição no Brasil e as áreas de atuação.

Segundo o levantamento, 89,2% das organizações negras têm mulheres cis entre seus líderes; 43,8% tem homens cis; 6,8% mulheres trans, 3,5% homens trans, 6,2% pessoas não binárias e 2,6% travestis.

Na distribuição regional, o Nordeste lidera, com 45,6%, seguido pelo Norte, com 23,6% e o Sudeste, com 18,2%. O Sul conta com 10% e o Centro-Oeste com 7,1%. Outros 2,3% têm atuação nacional. Segundo as autoras do estudo, foi notada uma maior receptividade entre as organizações do Nordeste e Norte para responder, enquanto as do Sudeste foram mais refratárias.

Um dos temas principais da pesquisa foi a questão da formalização das ONGs, e o acesso a recursos por meio de editais públicos ou de empresas. No total, apenas 45,3% das organizações respondentes possuem CNPJ, e os 54,7% restantes não possuem.

O processo pode ser burocrático, e também trazer riscos. "Algumas entidades precisam preservar a sua forma, não podem se registrar por uma questão de segurança, para garantir a continuidade e segurança dos membros", relata Iracema Souza, coordenadora de pesquisa do Fundo Agbara.

Tentar superar a burocracia também traz problemas. A ONG Gris Espaço Solidário, localizada na Vila Arraes, em Recife, passou por isso: para se formalizar, precisava pagar IPTU, mas por estar localizada numa zona especial de interesse social (Zeis), não era cobrada pelo imposto. "Nos fizeram de bolinha, jogando para lá e para cá. A solução foi comprar endereços fiscais virtuais. Foi um processo de três anos, longo e custoso até conseguir o CPNJ. Mas entramos com processo para regularização dos imóveis que ocupamos", diz a coordenadora da Gris, Joice Paixão.

Arrecadação

Entre as principais dificuldades de gestão apontadas pelas organizações negras na pesquisa, o financiamento é de longe o mais citado, tendo sido mencionado por 89,1% dos participantes. E as fontes de recursos mais citadas são os próprios membros (57,7%) e doações individuais (57,6%). Editais públicos aparecem na terceira colocação (45,2%), seguidas por outros de responsabilidade da própria entidade, como eventos, rifas, crowdfunding e venda de produtos. Empresas privadas são fontes de financiamento para 13,2%.

As barreiras também aparecem em outros momentos. Além da captação de recursos, outros desafios citados são a escrita de projetos (56,5%), o planejamento estratégico (48,3%) e o mapeamento de editais (47,8%). Além disso, 58,8% menciona ter conhecimento de instituições financiadoras no Brasil, mas apenas 37,5% conseguiu captar com elas — 38,4% não conseguiu e 24,1% nem sequer tentou.

A maior parte das respondentes da pesquisa relata ter arrecadado entre R$ 501 e R$ 5 mil no ano anterior (30,7%). A segunda maior parcela (28,5%) disse ter arrecadado entre R$ 1 e R$ 500.

"Uma organização de base periférica não perde de vista o encontro com o território. Por exemplo, tem que lidar com violência, e os eventos climáticos extremos fazem todo mundo trabalhar em torno daquela questão. E não tem como falar de educação se o racismo impede que as crianças sigam na escola", afirma Souza, do Fundo Agbara

Novamente, a Gris passou por essa situação. Inicialmente, a ONG foi fundada para atuar na educação e cultura de crianças da comunidade. Mas expandiu para oferecer atendimento médico à comunidade, direcionar cestas básicas aos moradores e, com as enchentes que atingiram a capital pernambucana em maio de 2022, passou a discutir racismo ambiental e participar de debates sobre o tema, ajudando na formulação de políticas públicas.

Sobre a construção de políticas públicas, Paixão entende que ocorre com o tempo. "Eu gostaria que fosse um pouco mais amplo, mas vai pouco a pouco. A política é muito de cima para baixo, estamos fazendo o caminho inverso, construindo com a comunidade para se tornar política pública", diz. Ela comenta que boa parte das discussões que participa, incluindo saúde e meio ambiente, são por meio da rede Gera, que reúne outras associações comunitárias ribeirinhas da região metropolitana de Recife e consegue debater com as prefeituras e secretarias.

Superando as barreiras, as organizações estimam ter um impacto relevante nos territórios: a maior parcela (29,5%) afirmou na pesquisa que impacta entre 251 e 1000 pessoas, e outros 20,7%, que sua atuação atinge entre 101 e 250 pessoas. Outros 18,8% calculam chegar a um número entre 51 e 100 pessoas, e 13,7%, a entre mil e dez mil. O trabalho da Gris, por exemplo, alcança 42 crianças, 39 adolescentes e 78 mulheres atualmente.

A importância do trabalho das organizações negras é provocar melhorias justo onde elas são mais necessárias. "Precisa atacar a estrutura no lugar mais elementar para provocar mudanças significativas", resume Souza, do Agbara.

Estadão
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