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Receita diz que só rico lê, e livro pode perder isenção com unificação tributária

Segundo o órgão, livros são consumidos pela faixa da população que ganha acima de 10 salários mínimos; fusão do PIS/Cofins com a reforma tributária, para criar o CBS com uma alíquota de 12%, pode afetar o mercado editorial

7 abr 2021 - 05h10
(atualizado às 11h15)
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BRASÍLIA - Em novo documento sobre perguntas e respostas sobre o projeto de fusão da PIS/Cofins em um único tributo, a Receita Federal diz que os livros podem perder a isenção tributária porque são consumidos pela faixa mais rica da população (acima de 10 salários mínimos). Com a arrecadação a mais, a Receita diz que o governo poderá "focalizar" em outras políticas públicas, como ocorre em medicamentos, na área de saúde, e em educação.

O documento "Perguntas e Respostas" da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) foi atualizado ontem pela área da Receita que cuida da proposta de reforma tributária e já é motivo de críticas dos tributaristas por incorporar mudanças de interpretação que não constam no projeto de lei enviado no ano passado. O projeto cria a CBS - tributo no modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) - não tem nem relator indicado e está no limbo da discussão da reforma no Congresso.

Hoje, existe uma lei que isenta o mercado de livros e papel para a sua impressão de pagar o PIS e Cofins. A equipe do ministro Paulo Guedes propõe substituir as duas contribuições federais pela CBS, com alíquota de 12%, e acabar com os benefícios fiscais, incluindo o concedido ao mercado editorial.

Na época da divulgação, o fim da imunidade tributária foi bastante polêmico e recebeu críticas de vários setores. Agora na atualização dos "Perguntas e Respostas" não só reitera a medida como tenta dar uma justificativa para o fim da isenção, concedida a partir de 2014.

A Receita argumenta que não existem avaliações que indiquem que houve redução do preço dos livros após a concessão da isenção. "Não foi identificada nem correlação entre uma coisa e outra", acrescenta o texto.

Para justificar o fim do benefício, o documento acrescenta que dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE apontam que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. "Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS", argumenta a Receita. Essas justificativas não constavam na primeira versão do documento.

Para o especialista em educação e Orçamento, Joao Marcelo Borges, a justificativa da Receita é elitista e piora a situação que já é ruim no País. "Os livros no Brasil já são caros, o que por si só já afasta as pessoas mais pobre, e torna mais caros", diz Borges, que é pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo ele, a ideia de tributar mais os ricos se aplica a "iates, helicópteros e outros produtos consumidos pela classe mais alta" e não a livros.

Borges destaca que o Brasil, de fato, consome muito poucos livros, com um mercado editorial pequeno e concentrado nos mais ricos. "Uma alíquota sobre os livros tende a ficar concentrada nas famílias mais ricas. Mas, por outro lado, dificulta ainda mais o acesso da população à leitura", ressalta. Para ele, num Orçamento que roda no vermelho, que falta dinheiro para tudo, a arrecadação maior com essa tributação vai sumir na conta geral do governo.

O tributarista Luiz Bichara, que fez uma leitura atenta do documento da Receita, diz que o governo está usando uma estatística de uma maneira turva e não pode desconsiderar o livro didático, que também será afetado pelo fim da isenção. "Estão usando a estatística como bêbado que usa o poste mais para apoiar do que iluminar", compara Bichara.

Bichara diz que esse é caso inédito de projeto de lei que fica sendo reinterpretado sem nenhuma alteração no texto. "Têm pontos que através do 'perguntas e respostas' ficam discrepantes do projeto de lei", critica. Segundo ele, a Receita deveria alterar o projeto de lei e não fazer um novo tira dúvidas. Um exemplo citado por ele é a tributação da atividade fim das empresas e o corte dos benefícios fiscais. Segundo ele, a CBS prevê um corte abrupto dos benefícios do PIS/Cofins, mas no "perguntas e respostas" tem a previsão de manutenção de benefícios a prazo certo.

Procurada, a Receita diz que foi feita uma atualização conforme dúvidas foram surgindo. E que a questão do fim da isenção do livro didático poderá ser debatida na tramitação do projeto no Congresso. E, no caso dos livros didáticos, são itens comprados e entregues pelo setor público.

Estadão
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