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Risco político leva a economia para o brejo, diz economista

Um dos maiores especialistas em inflação do País, Heron do Carmo diz que o Brasil está entrando em estagflação, situação que combina aumento de preços com atividade econômica comprometida

10 set 2021 - 02h15
(atualizado às 07h23)
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Pautado sempre pela moderação, o economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP e um dos maiores especialistas em inflação do País, vê com muita preocupação o quadro atual da economia brasileira. Na sua avaliação, o Brasil está em estagflação. É uma situação que combina inflação especialmente elevada para os padrões pós-Plano Real com atividade econômica comprometida.

Prédio do Ministério da Economia em Brasília
03/01/2019
REUTERS/Adriano Machado
Prédio do Ministério da Economia em Brasília 03/01/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

A vilã do momento, segundo Heron, é a crise institucional que se abateu sobre o País, o que piora o cenário econômico e da inflação. Esse fator se junta aos problemas que já vinham complicando o cenário de preços, como as altas dos alimentos e dos combustíveis e a crise hídrica, por exemplo.

Na análise do economista, se o País tivesse uma situação institucional tranquila, a expectativa seria de que a economia continuasse a sua retomada com a vacinação e a inflação recuaria pelo fato de os choques de oferta perderem força. No entanto, a instabilidade institucional muda o curso normal e põe em risco a atividade. "O que me preocupa particularmente é essa situação institucional pelo potencial que ela tem para agravar os problemas econômicos", alerta o especialista. A seguir os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o resultado da inflação de agosto?

Estamos vivendo uma fase de surpresa sempre para pior. Segundo o Boletim Focus (do Banco Central), estamos na 22.ª semana seguida de alta de inflação para a previsão deste ano. O resultado de alta de 0,87% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de agosto veio acima da previsão do mercado, de 0,70%. Teremos muito provavelmente a continuidade do processo de aumento da previsão de inflação. Essa instabilidade institucional está contribuindo para piorar a situação.

Qual é a sua previsão de inflação para este ano?

Se não acontecer nada muito diferente até o final do ano, acredito que o IPCA feche 2021 em torno de 8,5%, quase 1 ponto porcentual acima do que se tinha até então. Temos um cenário de incerteza internacional como consequência da pandemia e da tensão com a China e, no plano interno, uma situação de estresse institucional. Esse aumento da incerteza, da insegurança, normalmente leva a uma piora na inflação, uma piora da atividade econômica e a uma deterioração dos fundamentos. Além disso, temos um problema de conjuntura, de inflação alta e atividade menor para o próximo ano. O crescimento que se pensava entre 2,5% e 3%, pode ser bem menos. Por outro lado, tudo isso contribui para comprometer o fundamento fiscal, o que contrata a continuidade da crise para o futuro.

Vamos entrar em estagflação?

Estamos entrando em estagflação, com a economia crescendo pouco, provavelmente na faixa de 1%, em 2022. Para os padrões pós-Plano Real, estamos com uma inflação especialmente elevada com atividade econômica comprometida. A situação é preocupante. A inflação está se mantendo acima do previsto e deve se sustentar assim no próximo ano. A previsão do mercado está em torno de 4%. É pouco provável que a inflação de 2022 fique abaixo de 5%. Por ora, vejo inflação na faixa de 6%.

Por quê?

Temos, de um lado, as pressões decorrentes da vacinação sobre os preços dos serviços, que estão muito defasados. Temos os efeitos da crise hídrica, que afetou a produção agrícola. Há também a questão da energia elétrica ligada à crise hídrica, a incerteza em relação ao preço do petróleo, agravado pelo fato de a taxa de câmbio estar 10% acima do esperado.

A inflação está fora de controle?

Não é que esteja fora de controle. Quando se fala em controle, logo vem a questão fiscal. E, felizmente, temos o teto de gastos, que vem dando conta do recado. O Banco Central é independente e manobra a taxa de juros. O problema é que não temos controle sobre esses fatores de incerteza ligados à questão política e institucional.

Isso piora a inflação?

Tudo isso piora. Isso já vinha crescendo. A democracia brasileira vem passando por um novo teste de estresse institucional. Com isso, quem tem de tomar decisões econômicas fica sem referências básicas, que são instituições com estabilidade. Existe um problema adicional que é ter de cuidar dessa estabilidade. Essa é a maior preocupação.

Como sair disso? Subir taxas de juros resolve o problema da alta da inflação neste momento?

Atenua. O nosso problema passou a ser de outra ordem: estabilidade política e institucional. Isto é, a certeza de que as regras do jogo serão cumpridas. A instabilidade institucional leva a mais inflação e a menos crescimento.

Subir juros é uma parte do problema, então?

Subir juros é algo para combater o sintoma. Mas precisamos combater a doença.

A solução é uma questão institucional?

Os agentes políticos têm que ter bom senso, gerenciar a situação e resolver a questão das eleições. Quem ganhar, ganhou e quem perder, perdeu. O fundamental é ter garantias para as regras do jogo.

Hoje pesa mais na inflação a questão da crise institucional do que a alta dos preços de uma maneira geral?

Não. Os preços de uma maneira geral e a crise hídrica têm efeito. Se estivéssemos numa situação institucional tranquila, a expectativa seria de que a economia continuasse a sua retomada com a vacinação. A inflação recuaria pelo fato de os choques perderem força. Ocorre que, com a instabilidade institucional, isso de certa forma, se contrapõe a essa expectativa favorável que ocorreria se tivéssemos em situação de normalidade. As previsões do Focus (Boletim), de crescimento de 5% para este ano e de 2% para 2022 e de inflação de 7,6% para este ano e 4% para 2022, já incorporavam risco político normal de um ano de eleição. Só que agora a coisa mudou de figura: piorou muito e, com isso, a economia vai para o brejo.

Em relação aos últimos anos, hoje o cenário para inflação é mais complicado?

Acho que vivemos um dos cenários mais complicados em termos de inflação. Em 2015, a inflação foi corretiva, por conta de aumento de tarifas. Mais recentemente, a inflação foi provocada pelos choques de commodities e consequência dos efeitos da pandemia no Brasil e no mundo. O padrão da inflação brasileira era muito parecido com o que se observava em outros países, com alta de alimentos e combustíveis. Só que agora, além desses problemas todos, estamos com esse problema institucional, que é fundamental resolvermos. Ainda restarão os problemas decorrentes da pandemia, da crise hídrica e do choque de preços de alimentos na inflação. Mas o que me preocupa particularmente é essa situação institucional pelo potencial que ela tem para agravar os problemas econômicos.

Estadão
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