RS: moradores esperam até 6 anos por apartamentos com parede torta
Comprar a casa própria com expectativa de valorização do imóvel próximo a um recém-inaugurado estádio de futebol parecia um bom negócio no bairro Humaitá, em Porto Alegre. No entanto, o investimento tornou-se um pesadelo de irritação, prejuízo e desilusão para alguns compradores de apartamentos da construtora Rossi. Os relatos são de esperas de até seis anos pela entrega e perdas de cerca de R$ 30 mil. Isso sem contar com os problemas de má qualidade, paredes tortas, vazamentos, falta de segurança e contaminação do solo.
» Imóvel na planta: confira o que fazer quando há atraso na entrega
O Procon Municipal de Porto Alegre diz que vê o mercado de imóveis com grande "preocupação". Nos últimos 12 meses, foram registradas 182 reclamações sobre construtoras, sendo que a Rossi, responsável pelos empreendimentos Verdi, Croma e Flora- todos no bairro Humaitá - aparece no topo da lista. As reclamações são de demora na entrega, excesso de cobrança, problemas com financiamento bancário, falta de informações e qualidade da construção.
O gerente de tecnologia da informação Samuel Dall'Agnol foi um dos que comprou uma unidade no condomínio Flora, com expectativa de entrega para outubro de 2011. Já recebeu as chaves, mas diz que ainda continua sem a escritura do imóvel. Os atrasos têm se prologado por problemas de documentação, que inviabilizam os financiamentos junto à Caixa Econômica Federal, que possui taxas menores. Só conseguiu se mudar quem pagou o valor integral do apartamento, caso de Dall'Agnol, que por um ano teve que pagar aluguel enquanto o imóvel não era entregue. Com o reajuste mensal do valor do apartamento no ano mais o aluguel, ele acabou gastando mais do que esperava.
"Deu mais de R$ 25 mil de diferença do que eu pagaria se eles tivessem entregado na época que prometeram. O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) está previsto em contrato, é um índice que prevê a valorização do imóvel enquanto está em construção, mas depois que deram o Habite-se (liberação para moradia) não tiveram mais o custo de construção, e por isso deixaram de ter pressa para a entrega da documentação", diz o proprietário, que após muita briga recebeu uma contraproposta da construtora de R$ 1,6 mil pelos transtornos, mais um abatimento de R$ 3 mil no valor do imóvel. "Devo me mudar no final de maio, mas assim que estiver estabelecido vou entrar na Justiça".
Sem conseguir vender
O analista de sistemas Edson Marques Scheffer adquiriu um apartamento do condomínio Flora, em 2008, mas quase cinco anos depois não se mudou, nem consegue vender o imóvel. Ele relata diversos atrasos por irregularidades na obra, falta de explicação da construtora e falta de documentação. "Meu comprador tem a carta de crédito aprovada, mas não consegue resolver. A última informação que temos é de que a Rossi forneceu mais uma vez o documento com preenchimento incorreto", diz, temendo a perda da venda.
Ele tem receio também do aumento de sua dívida com o reajuste mensal do valor do apartamento pelo INCC. "O Habite-se saiu faz tempo, então, desde 2010, quando eu deveria ter recebido meu apartamento, meu saldo está sendo reajustado todo o mês", diz o comprador que acumula prejuízos de aproximadamente R$ 30 mil.
Briga na Justiça e solo contaminado
O que parecia ser um bom negócio para o funcionário público Vitor Kapustan se transformou em uma espera de seis anos, com brigas judiciais e entrega de um imóvel que não era bem o que ele esperava. Ele comprou um dos apartamentos do empreendimento Verdi, em 2007, mas os atrasos fizeram com que ele tivesse que se mudar duas vezes, pagando aluguel durante esse tempo.
Ele entrou em acordo com a construtora após uma ação judicial, e resolveu trocar por um imóvel do empreendimento Croma, no mesmo bairro. Mas, após receber a documentação, descobriu que o pátio de seu apartamento, no andar térreo, estava contaminado. "Esperava plantar alguma flores, alguma coisa, uma mini-horta. Plantei até um pé de limão, mas quando a Secretaria de Meio Ambiente fez a averbação na matrícula foi um choque porque o solo do pátio estava contaminado", conta. "Se soubesse eu não teria comprado", afirma.
Além disso, ele ainda reclama da insegurança porque o empreendimento não foi entregue com o muro e as cercas elétricas prometidas. "A Rossi prometeu um muro decente, mas entregaram uma cerca baixa. Na segunda semana em que eu estava aqui, subiram a cerca e roubaram bicicletas. Teve caso de tentativa de roubo de veículo. Tive que gastar R$ 3 mil com a colocação de grades para conseguir dormir em paz".
Paredes tortas
Mas não foram só os moradores dos andares térreos que enfrentam problemas no Croma. Quando entrou em seu apartamento, o arquiteto de Informação Leonardo Otero encontrou as paredes do imóvel tortas. "Paguei R$ 1 mil, para que um engenheiro fizesse uma avaliação desses problemas", afirmou. Além disso, ele descobriu que não era possível instalar ar-condicionado em todos os cômodos, diferente do que viu no imóvel decorado. Segundo ele, não foi dito que as paredes eram estruturais. "Quando eu visitei o decorado, tinham um ar-condicionado em cada um dos cômodos, mas despois, descobrimos que só poderíamos instalar em um dos quartos, é um apartamento de três dormitórios", reclama.
Acordo com o Ministério Público
Os atrasos marcaram todo o andamento das obras dos empreendimentos da Rossi no bairro. O local era um antigo aterro sanitário, e problemas ambientais iniciaram os atrasos logo após o início das obras, em 2007. Em outubro de 2010, a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, dizendo que quem desistiu do empreendimento poderia receber o valor pago integralmente, com correção. Quem optasse por continuar, teria abatimento no valor do imóvel correspondente aos meses de atraso, multa de 2%, mais correção monetária pelo INCC, e 1% de juros ao mês.
"O que foi estabelecido na TAC, é que a empresa, da mesma forma como corrige pela INCC, vai ter que corrigir também no atraso tudo que foi pago pelo consumidor, mais 1% ao mês. É uma compensação para abater do preço final. Isso para quem quisesse ficar no empreendimento, aquele que não queria, poderia fazer o destrato desses valores de uma só vez", afirma o promotor de Justiça da Promotoria de Defesa do Consumidor, Rossano Biazus.
Segundo ele, o acordou foi elaborado para beneficiar a maioria, e casos mais específicos terão que ser resolvidos na Justiça. O promotor recomenda ainda que os compradores conheçam bem a empresa da qual pretendem comprar um imóvel, e recomenda empreendimentos financiados pela Caixa, porque "dão mais segurança", "eles fiscalizam as obras e só vão liberando os valores a medida que a obra vai cumprindo o cronograma", afirma.
Indagada sobre as acusações feitas pelos compradores, a Rossi afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todos apartamentos foram entregues conforme memorial descritivo, que a cobrança da taxa de condomínio a partir da emissão do Habite-se estava prevista em contrato, e que o processo de financiamento é feito diretamente com as instituições financeiras.