Senado altera ‘jabutis’ da reforma tributária que beneficiariam a indústria das armas; entenda os impactos
Impostos de cerca de 75% no RJ e de 63% em SP podem cair para 10% se trechos forem retomados pela Câmara e mantidos na proposta
Em meio à pressão de movimentos sociais, o Senado alterou ‘jabutis’ da PEC 45/2019 que poderiam beneficiar a indústria das armas em meio à reforma tributária. Agora, a redação modificada voltou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e, se esses trechos forem reestabelecidos, impostos sobre revólveres, pistolas e cartuchos podem ter uma redução drástica - como nos casos de Rio de Janeiro e São Paulo, onde alíquotas de em torno de 75% e 63%, respectivamente, e cairiam para 10%.
O alerta foi feito em conjunto pelo Instituto Sou da Paz e a Oxfam Brasil, que lançaram duas notas técnicas sobre a questão: uma antes da votação do Senado e outra depois, que o Terra teve acesso com exclusividade na terça-feira, 28.
O que foi alterado pelo Senado?
A Câmara dos Deputados aprovou a PEC 45 em julho. Agora, no último dia 8, o texto foi alterado e aprovado pelo Senado. O projeto modificado, então, volta à Câmara para mais uma rodada de avaliação.
Nesse trâmite, com relação às alíquotas voltadas aos armamentos, dois trechos foram alterados até o momento:
1. Armas e munições no Imposto Seletivo
Na redação da PEC 45/2019 aprovada pela Câmara, o Imposto Seletivo (IS), novidade da reforma tributária que terá finalidade extrafiscal, passará a incidir também sobre armas e munições, “exceto quando destinadas à administração pública”. Até então, estava descrito que o imposto seria direcionado apenas em produtos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde.
O Imposto Seletivo será como um ‘terceiro’ tributo. Além dele, estão previstos:
- o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que unificará os tributos federais PIS, Cofins e IPI;
- e o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços), que unificará o ICMS e o ISS, tributos estaduais e municipais, respectivamente.
Ao Terra, o advogado, doutor em Direito Internacional e coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, explicou que o Imposto Seletivo tem a natureza de desincentivar o consumo de alguns bens e serviços - fazendo o ‘trabalho’ antes atribuido ao IPI.
2. Esclarecimento de trecho sobre redução de impostos
A Câmara dos Deputados passou a reforma tributária com uma descrição ambígua sobre operações que seriam beneficiadas com uma redução de 60% das alíquotas de seus tributos. Foi direcionado que a redução poderia ser dada em casos de “bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”.
Segundo o representante da Oxfam, esse trecho foi incluído no projeto ao final da tramitação da reforma tributária na Câmara, em meio à votação da agenda aglutinativa. “Foi um tema que não passou por nenhum tipo de debate durante os meses que a PEC 45 tramitou na Câmara e nos despertou muita preocupação”.
Em conformidade com o proposto pelas organizações, o Senado inverteu a ordem da frase, deixando:
Art. 9º ……………………….. § 1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços: ……………………….. XIII – bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.
Dessa forma, para o especialista, o texto não deixa dúvidas de que estão sendo beneficiados itens voltados à segurança nacional, e não outros casos como a compra de armas e munições particulares.
Qual ‘brecha’ ainda foi mantida?
No texto aprovado pelo Senado, que agora retornou modificado à Câmara, há uma parte que impede que o Imposto Seletivo incida sobre bens e serviços de alíquota reduzida. O Instituto Sou da Paz e a Oxfam Brasil seguem articulando para que esse trecho seja excluído e não sirva como um limitador de discussões futuras.
Art. 9º........ § 9º O imposto previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal não incidirá sobre os bens ou serviços cujas alíquotas sejam reduzidas nos termos do § 1º
Como exemplo, para além da questão dos armamentos, Nascimento cita os insumos agropecuários - que estão previstos como passivos de redução de alíquota de 60%. Mas, sem um detalhamento mais preciso, podem ser considerados como parte desses insumos os agrotóxicos. Dessa forma, a aplicação do Imposto Seletivo nos agrotóxicos pode ficar restrita - levando em consideração o impacto na saúde e no meio ambiente desses produtos.
Quais serão as alíquotas dos impostos com a reforma tributária?
Ainda não há certeza sobre qual será a alíquota do Imposto Seletivo, nem dos futuros CBS e IBS. “Essa, inclusive, é uma das críticas das reflexões sobre a reforma tributária. Estamos substituindo os impostos, mas não sabemos quais serão as alíquotas”, reforça Nascimento.
O que se espera é que o Imposto Seletivo incidente sobre revólveres e pistolas seja estabelecido a partir dessa diferença entre a alíquota base do CBS e do IBS, para que, no mínimo, seja mantida a alíquota atual.
Até o momento, nos armamentos incide o IPI, PIS/Confins e o ICMS. Levando em consideração os dados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a tributação é dada da seguinte:
Revólveres e pistolas
• IPI (federal): 29,25%
• PIS/Confins (federal): 9,25%
• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP
• Tributação total: 75,5% no RJ e 63,5% em SP
Partes e acessórios de revólveres ou pistolas
• IPI (federal): 29,25%
• PIS/Confins (federal): 9,25%
• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP
• Tributação total: 75,5% no RJ e 63,5% em SP
Cartuchos
• IPI (federal): 13%
• PIS/Confins (federal): 9,25%
• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP
• Tributação total: 59,25% no RJ e 47,25% em SP
Em 2018, segundo a nota técnica das instituições, a tributação total para revólveres e pistolas era de 91,25% no RJ e de 79,25% em SP.
Por que é importante sobretaxar armamentos?
Para o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e mestre em Políticas Públicas, Bruno Langeani, o que motiva ter um olhar especial voltado a tributação de armas e munições é a série de danos secundários que esses produtos causam na sociedade.
“No Brasil, mais de 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo. Além dessas mortes violentas perpetradas, a arma de fogo também é um elemento usado para uma série de outros crimes que impactam a sociedade e o próprio desenvolvimento de um país. Na medida que um negócio fecha porque não aguenta mais ser roubado, ou que uma pessoa deixa de estudar à noite por medo de ser violentada, há um impacto grande no PIB do País”, acredita.
Além disso, um estudo do Instituto Sou da Paz divulgado neste ano, referente a dados do ano passado, estima gastos anuais de R$ 41 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS) direcionados ao tratamento de pessoas internadas por conta de ferimentos de balas de arma de fogo. O gasto é 59% maior do que o valor direcionado ao tratamento de outras formas de agressão. “Um produto que causa tantos danos, tantos malefícios, não pode ser um produto barato”, complementa Langeani.