TCU mantém aumento a militares; impacto é de R$ 1,3 bilhão
Plenário da corte rejeitou pedido do Ministério Público de Contas; impacto previsto somará R$ 26 bilhões em cinco anos
O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta quarta-feira, dia 15, manter o aumento de um penduricalho a militares das Forças Armadas, mesmo durante a pandemia da covid-19. O plenário da corte rejeitou pedido do Ministério Público de Contas para suspender o reajuste no "adicional de habilitação", um complemento salarial que eleva os vencimentos de militares. O impacto previsto em 2020 é de R$ 1,3 bilhão e somará R$ 26 bilhões em cinco anos, como revelou o Estadão.
O adicional incide sobre o soldo, salário base, e é pago à medida que o militar conclui cursos ao longo da carreira. Com o aumento neste mês, as faixas do penduricalho variam agora de 12% a 42%. Antes eram limitadas a 30%. Até 2023, haverá novos reajustes que elevarão o adicional ao patamar máximo de 73%, conforme previsto na reforma dos militares, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no ano passado.
"Restou demonstrado que o pagamento do adicional de habilitação não é ilegal nem é 'agrado', pois se trata de direito regularmente previsto em lei", escreveu o ministro Augusto Sherman, relator do caso.
A representação do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado foi rejeitada pelo plenário sem nenhum debate entre os ministros. Para Furtado, o aumento "colide frontalmente" com a lei complementar 173. Sancionada em maio, essa lei criou o Programa Federativo de Enfrentamento ao Novo Coronavírus e determinou uma proibição em aumentos para todo o funcionalismo público, até o fim de 2021. Furtado considerou o aumento um "agrado" do presidente aos militares e afirmou ser "flagrante e inapelavelmente ilegal". Para ele, o TCU deveria determinar ao governo Bolsonaro que se abstivesse de reajustar qualquer remuneração dos integrantes das Forças Armadas enquanto durar a pandemia ou até uma decisão de mérito da corte.
Mas, no entender do ministro relator, essa representação era improcedente e deveria ser arquivada. Para Sherman, como o reajuste do adicional foi sancionado em 2019, deve ser entendido como uma "situação excepcional" prevista na lei que congelou aumentos em todo o funcionalismo público até o fim de 2021. A lei estabeleceu como "exceção" pagamentos determinados em duas situações: por "sentença judicial transitada em julgado" ou "determinação legal anterior à calamidade".
"Nem mesmo a proibição de concessão de reajuste de remuneração e de criação ou majoração de auxílios, vantagens, abonos ou benefícios até 31/12/2021 é capaz de sustentar ilegalidade no pagamento do adicional. É que a própria lei complementar estabeleceu como exceção os casos derivados de determinação legal anterior à calamidade pública", escreveu Sherman. "O adicional de habilitação e seus percentuais foram estabelecidos pela lei 13.954/2019, que entrou em vigor em 17/12/2019, antes mesmo da disseminação da covid-19 no País e, por óbvio, previamente ao reconhecimento do estado de calamidade pública."
A área técnica do TCU afirmou, por meio da Secretaria de Fiscalização de Pessoal, que a preocupação do Ministério Público era "justa" por causa da crise econômica e fiscal agravada pela pandemia. Porém, argumentou que o Congresso Nacional não suspendeu os aumentos concedidos antes da lei complementar 173 e ainda autorizou recentemente que Bolsonaro desse reajuste a policiais e bombeiros militares em Brasília.
"Ora, reconhece-se que, até o final do próximo ano (...)seria pertinente suspender todo e qualquer reajuste salarial a servidores públicos e militares que foi concedido de forma parcelada. Todavia, (...) essa não foi a opção feita pelo legislador no caso sob exame, não sendo demasiado relembrar regra básica de hermenêutica segundo a qual não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu", escreveram os técnicos do TCU. "Por oportuno, convém destacar (...) o fato de o Congresso Nacional, além de não buscar suspender os reajustes parcelados em curso, ter aprovado a Lei 14.001/2020, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 e autorizou a recomposição salarial dos policiais civis e militares e dos bombeiros militares do DF, o que viabilizou a edição pelo Governo Federal da Medida Provisória 971, de 25/5/2020, que aumentou a remuneração dessas categorias."
O aumento no adicional de habilitação passou a valer neste mês para militares de Aeronáutica, Exército e Marinha. O penduricalho virou motivo de insatisfação entre praças das Forças Armadas. Isso porque, segundo os descontentes, os cursos que permitem acesso a remunerações melhores, classificados como de "altos estudos", hoje são oferecidos principalmente aos oficiais, sendo parte do plano de carreira, e só recentemente foram criados para os praças nas Forças Aérea e Naval. Só havia no Exército desde 2013. Isso faz com que a maior parte dos praças ainda não tenha feito os cursos que garantem agora 42% a mais no salário. Além disso, reclamam que o contingente de praças que passou à reserva entre 2001 e 2019 ficou sem acesso aos cursos de "altos estudos" e, portanto, com a remuneração defasada dos que estão na ativa e poderão vir a concluir o curso com aproveitamento.
O Ministério da Defesa diz que o grupo insatisfeito é reduzido, de menos de 3%, dos que não realizaram os cursos necessários para obter adicional de habilitação. A Defesa afirmou ao TCU que o aumento nos rendimentos não será dado a um "grupo restrito de oficiais superiores das Forças Armadas", pois os percentuais do adicional de habilitação são equivalentes para os oficiais e praças que concluem os cursos da carreira com aproveitamento, conforme previsto na reforma dos militares (lei 13.954/2019). O ministro Sherman acolheu os argumentos da Defesa, segundo os quais o militar, tanto oficial como praça, passa a perceber percentuais de habilitação mais elevados de acordo com o desempenho nos cursos de aperfeiçoamento técnico-profissional oferecidos ao longo de seu período de atividade. Assim, não se trata de "privilégio", como aventado, mas de valorização da meritocracia.