Tecnologia é esgoto; Inovação é metrô
Cidade inteligente não é a que tem carros modernos, mas a que tem metrôs.
NFTs, Metaverso, colonização de Marte, carros sem motoristas, tele-entrega por drones, robôs substituindo homens por toda a parte. E a Dona Maria sem esgoto. Mas logo mais volto à Dona Maria.
Hoje existe um deslumbramento permanente com as novas tecnologias e as possibilidades que começaram a surgir no fim do século passado com a explosão da internet e da telefonia móvel. É um fascínio sem fim. Entre as mais ideias absurdas, para mim, estão os carros autônomos e elétricos. Não falo pela eletricidade em si, que, sim, trouxe muitos benefícios. Mas acho engraçado alguém poder acreditar que a inovação ou solução em transporte nas cidades passe por qualquer tipo de automóvel. Ledo engano. Não passa.
Uma das maiores inovações que qualquer grande cidade do mundo e, especialmente do Brasil, sonha em ter, ou ter muito mais, foi criada em Londres, em 1861 ― o metrô. Não é à toa que a melhor cidade do mundo para usar como exemplo é justamente Londres. Depois vem Nova York. Em Londres, você desaparece num buraco para reaparecer em outro no lado oposto da cidade em alguns minutos. É o mais perto que já vi do “teletransporte”. É incrível. Barato. E não poluente.
Podemos dizer que uma cidade inteligente não é a que tem carros modernos, mas a que tem metrôs e soluções de mobilidade de última milha eficientes.
Voltemos à Dona Maria, coitada. Nossa personagem fictícia poderia morar na periferia da maior parte das cidades do Brasil. Ela não tem esgoto canalizado, muito menos tratado. Mais da metade da população brasileira não tem esgoto tratado. O esgoto é uma das mais antigas tecnologias do mundo. Na verdade, está por trás do avanço da civilização e da viabilidade dos conglomerados urbanos. Quem já visitou castelos conheceu como eram as soluções para as latrinas.
Por exemplo, umas das surpreendentes funções das ruas “encanoadas” de Paraty era receber os dejetos das casas que eram levados para o mar com a maré alta diária. Mais incrível ainda é saber que ainda hoje Paraty sofre com a falta de tratamento de esgoto.
Mau cheiro, doenças, sujeira são algumas das consequências para a Dona Maria. Mas ainda mais grave é perceber que o escoamento desse esgoto para rios, lagos e oceanos coloca todo o ambiente em risco. Muitos desses riscos já são realidades irreversíveis. Outro exemplo: recentemente, um juiz do litoral gaúcho proibiu qualquer nova construção nos mais de 70 condomínios horizontais da praia de Xangrilá enquanto uma nova solução para o escoamento do esgoto não seja criada para evitar a poluição e o assoreamento do conjunto de lagoas que compõe o ecossistema da região.
Drones, computadores, câmeras e carros são soluções visíveis e baratas que municípios conseguem implantar dentro de um mandato de quatro anos. Por outro lado, esgoto e metrô, são obras de infraestrutura muito mais caras e que requerem um planejamento de médio e longo prazo.
Por isso metrô e esgoto estão entre as tecnologias mais antigas e mais necessárias ainda hoje.
Talvez realmente eu esteja ultrapassado e devesse publicar este artigo no Metaverso, onde essa discussão não faz o menor sentido. No Metaverso não vamos ao banheiro e não precisamos de deslocamento físico. Tampouco há cheiro de qualquer tipo.
Mas a Dona Maria certamente compreenderá nossa mensagem. Lida enquanto deixa para trás o mau cheiro da sua rua, empoleirada num coletivo lotado que a levará ao trabalho em um par de horas.
A Dona Maria não entende a inovação. Nem sabe o que são prioridades. Apenas personifica o que não é.
(*) Jonatas Abbott é sócio e diretor executivo da Dinamize, empresa de softwares voltados para automação de marketing e e-mail marketing.