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Trabalho infantil ainda atinge 1,768 milhão, diz IBGE

Lentidão na redução aumenta o desafio de conseguir erradicar totalmente o trabalho infantil no Brasil até 2025, segundo compromisso firmado com a ONU; pretos e pardos continuam sendo os mais afetados

17 dez 2020 - 10h10
(atualizado às 10h16)
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RIO - O trabalho infantil diminuiu de 2016 a 2019, mas ainda atingia 1,768 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos no ano passado, mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgados nesta quinta-feira, 17, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2016, 5,3% da população total nessa faixa etária realizava trabalho infantil, ante 4,6% ano passado.

A lentidão na redução aumenta o tamanho do desafio de erradicar totalmente o trabalho infantil até 2025, conforme o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, firmado pelo Brasil.

Menino trabalha em loja de alimentação em Peshawar, no Paquistão
Menino trabalha em loja de alimentação em Peshawar, no Paquistão
Foto: Agência Brasil

Para Isa de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), o compromisso de 2025 poderá ficar ainda mais distante por causa da crise causada pela covid-19 e por uma redução de ações de fiscalização pelo governo federal. Os dados do IBGE desta quinta-feira ainda não captam os efeitos da pandemia. "O prognóstico é de retrocesso social", disse Isa.

Segundo a especialista, a queda no número de crianças e adolescentes no trabalho infantil vem desde 1992, ano para o qual há os primeiros dados, ainda da Pnad anual. Em três décadas, o aumento da fiscalização puxou a diminuição do trabalho infantil, disse a secretária-executiva do FNPETI. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criado em 1996 pelo governo federal, e a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), construído ao longo dos anos 1990, fizeram parte do movimento.

Os dados da Pnad de 1992 não são comparáveis com os atuais, segundo o IBGE, porque mudaram os critérios para caracterizar o trabalho infantil e as metodologias para estimar os contingentes populacionais. Apenas para ilustrar, em 1992, havia 9,644 milhões de crianças e adolescentes ocupados no mercado de trabalho. Em 2002, o número passou para 6,726 milhões.

Já em 2019, o total de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que executavam algum trabalho - seja em "atividade econômica", seja para "autoconsumo" da família - foi de 2,003 milhões. O total em situação de trabalho infantil, 1,768 milhão, é menor porque nem toda atividade é classificada assim. A partir dos 14 anos, é possível trabalhar legalmente, como aprendiz ou com carga horária reduzida.

A redução do trabalho infantil foi concentrada no setor formal da economia, ressaltou a secretária-executiva do FNPETI, mas persiste no setor informal. Em 2019, havia 772 mil jovens de 16 a 17 anos com ocupações informais, considerados em situação de trabalho infantil.

O problema também está associado à pobreza e à vulnerabilidade social das famílias, disse Isa de Oliveira. Embora o número de pessoas vivendo na pobreza tenha crescido entre 2016 e 2019, principalmente como resultado da recessão de 2014 a 2016, as ações de fiscalização podem estar por trás da continuidade da redução, ainda que lenta, do trabalho infantil.

Em meio à crise causada pela pandemia, o contingente de brasileiros na pobreza diminuiu. A redução foi garantida pelo pagamento do auxílio emergencial para os trabalhadores informais mais pobres. Por isso, economistas consideram a queda transitória e insustentável. Em setembro, mês a partir do qual o auxílio passou de R$ 600 para R$ 300 por mês, a pobreza já voltou a crescer, na comparação com meses anteriores.

Além disso, a pandemia fechou as escolas, lembrou a secretária-executiva do FNPETI. A frequência escolar é importante para conter o trabalho infantil. Em 2019, 96,6% da população de 5 a 17 anos de idade estavam na escola, mas, do grupo de crianças e adolescentes dessa faixa etária que realizavam trabalho infantil, 86,1% frequentavam a escola, mostram os dados do IBGE.

Os programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, são um incentivo à frequência escolar, porque só recebem os benefícios as famílias com filhos na escola. Com as escolas fechadas, essa contrapartida ficou inviável este ano, o que pode incentivar o trabalho infantil. Segundo Isa de Oliveira, estudos já mostraram que as crianças de famílias mais pobres costumam trabalhar mais nas férias escolares.

Assim, para a secretária-executiva do FNPETI, o quadro poderá levar a um aumento no trabalho infantil, tanto neste ano quanto, especialmente, em 2021. Para piorar, a especialista aponta para uma postura de leniência do governo Jair Bolsonaro em relação à fiscalização, reforçada por declarações do próprio presidente.

Segundo o FNPETI, o orçamento geral para fiscalização do trabalho, tanto infantil quanto escravo, caiu de cerca de R$ 50 milhões em 2019 para R$ 24 milhões este ano. Também teria havido cortes nas ações estratégicas do Peti, que repassa financiamento para políticas municipais em cerca de 900 cidades. Procurada na tarde de quarta-feira, 16, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que assumiu as funções do antigo Ministério do Trabalho, não respondeu, até o fechamento deste texto, com informações sobre os recursos para fiscalização.

Pretos e pardos são os mais atingidos

O perfil dos 1,768 milhão de crianças e adolescentes expostos ao trabalho infantil em 2019 não mudou em relação ao padrão histórico. Mais frequente entre as famílias pobres e vulneráveis socialmente, o problema atinge mais os jovens de pele preta ou parda, conforme dados da Pnad Contínua.

No total da população de 5 a 17 anos, 60,8% têm pele preta ou parda. Só que, no grupo dessa faixa etária que está em situação de trabalho infantil, essa proporção sobe para 66,1%. Além disso, metade das crianças e adolescentes nessa situação trabalhava na agricultura (24,2%) ou no comércio (27,4%). "São as crianças que trabalham no campo e vendendo coisas", afirmou Maria Lucia Vieira, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Estadão
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