Trump domina pauta do Fórum Econômico Mundial, Brasil some e setor privado ganha holofote
Banqueiros demonstraram animação com novo governo nos Estados Unidos e a agenda de desregulamentação e corte de impostos
Em qualquer canto do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), um assunto predominou: o que será Donald Trump 2.0? Os temores sobre os efeitos do seu governo para o mundo pautaram a agenda de conjuntura do evento, que reuniu banqueiros e CEOs do mundo todo, em Davos, na Suíça, nesta semana. Do lado do Brasil, a baixa representatividade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o Brasil esquecido no Fórum, embora as preocupações fiscais tenham sido reforçadas, e empurrou a bola para o setor privado, que marcou um golaço nos Alpes Suíços.
Banqueiros e empresários demonstraram um tom de otimismo com Trump face à agenda de desregulamentação e corte de impostos, enquanto suas falas desencadearam maior apetite ao risco em Wall Street. A presidente do Santander, Ana Botín, parabenizou o republicano pelo que chamou de "histórica vitória" e quis saber mais sobre as prioridades na esfera regulatória. "Vamos agir muito rápido. Agimos muito rápido. Fizemos coisas nos últimos três dias que ninguém pensou que seria possível fazer em anos", prometeu Trump, elogiando a banqueira.
O republicano disse que espera que as suas medidas contribuam para baixar a inflação nos EUA e aproveitou para cobrar os maiores banqueiros de Wall Street. Pediu ao presidente do Bank of America, Bryan Moynihan, que abra o banco a conservadores. Sobrou também para o presidente do JPMorgan Chase, Jamie Dimon. "Espero que você abram os seus bancos para os conservadores, porque o que vocês estão fazendo é errado", disse Trump.
Para banqueiros brasileiros, o efeito Trump pode ser, por ora, neutro para o Brasil dada a relação deficitária da balança comercial do País com os EUA, o que também pode ter contribuído para o recente alívio nos ativos domésticos, com o dólar caindo abaixo de R$ 5,90.
Do outro lado dos otimistas de uma era mais pró-negócios, estiveram os negativos quanto os riscos globais da agenda de taxação comercial e combate à imigração ilegal. Na visão de um banqueiro, que falou na condição de anonimato, determinadas questões defendidas por Trump não devem ser "normalizadas", reforçando o coro puxado pelo CEO da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, que vê o mundo entrando em uma "guerra comercial e um desacoplamento das economias".
"Entramos em um ambiente de maior incerteza, isso é negativo para o crescimento mundial. Se o mundo desacelerar por conta das políticas do Trump, vai afetar negativamente o Brasil. Se forem só focadas na China, e o país desacelerar, também afeta o Brasil e a região. Então, eu não vejo o impacto como neutro", disse o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
IA e transição energética
Davos seguiu aberto para discussões estruturais como os desafios para a transição climática e o potencial da inteligência artificial (IA). Mas ambas passaram por acomodações. Do lado da tecnologia, a leitura de empresários é que chegou o momento de mais resultados na prática. "Houve uma aterrissagem", definiu o CEO do Itaú BBA, Flávio Souza.
Na transição energética, a mensagem dos executivos em Davos é que há uma agenda mais realista. "Eu não vejo ninguém dizendo 'acabaram os meus planos', 'eu não vou fazer'. O que todo mundo diz é que precisa ser realista", disse o presidente da Vale, Gustavo Pimenta, em entrevista ao Estadão/Broadcast, a primeira desde que assumiu o comando da mineradora, no fim do ano passado.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reafirmou o compromisso do Brasil na pauta de transição energética. "O Brasil não se curvará a uma bravata", afirmou ele, em relação a possíveis retrocessos com Trump. Silveira tentou aparar o hiato do Brasil no Fórum em meio à uma enxurrada de críticas de banqueiros e empresários devido à baixa representatividade em Davos.
Mais ajuste
No front macro, o fiscal segue sendo o principal temor em relação ao País. Entre a nata financeira, o coro foi uníssono: o governo precisa fazer mais do lado das despesas, e esse é o único caminho para recuperar a confiança nos ativos brasileiros. Um executivo de um banco americano disse, na condição de anonimato, que, pela primeira vez, está preocupado.
"Quando se está com uma febre de 40 graus, não adianta dar bronca no termômetro, ficar chateado. Se colocar o termômetro novamente, vai dar os mesmos 40 graus. O mercado é o termômetro, não tem o que fazer", comparou um segundo banqueiro, na condição de anonimato.
A incerteza com a situação fiscal, somada à baixa representatividade do governo em Davos, faz as empresas gastarem parte do tempo com os investidores estrangeiros explicando o Brasil. Ninguém quer falar direto sobre a companhia. Os primeiros 30 minutos são para responder a perguntas sobre o País, explica o CEO de uma grande empresa brasileira, com atuação global.
Diante de mais um ano de baixa presença do governo brasileiro, a iniciativa privada fez a vez no WEF e montou a Brazil House, pela primeira vez, na Promenade, principal rua de Davos. Liderada pelo BTG Pactual com outras empresas, o local atraiu grande público, com executivos brasileiros aproveitando o "raro espaço" nos Alpes Suíços para encontrar investidores estrangeiros e falar sobre Brasil.