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Uber com salário mínimo, férias e aposentadoria: a decisão que pode influenciar milhões de trabalhadores pelo mundo

Decisão do Uber ocorre após sucessivas derrotas na Justiça britânica, que negou à empresa que tratasse os motoristas como autônomos. Mas no Brasil não há sinais de mudanças desse entendimento nas cortes brasileiras.

17 mar 2021 - 07h51
(atualizado às 08h56)
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foto de mão segurando celular com o aplicativo do uber em uso
foto de mão segurando celular com o aplicativo do uber em uso
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Salário mínimo garantido, férias remuneradas e aposentadoria.

Existem três benefícios dos empregos tradicionais que não são desfrutados por aqueles que trabalham na chamada "economia compartilhada". Mas isso parece ter começado a mudar.

Na terça-feira (16/3), o Uber anunciou que vai conceder esses três benefícios aos seus motoristas no Reino Unido, uma medida que pode transformar a atual economia compartilhada.

A empresa informou que seus motoristas ganharão pelo menos o salário mínimo nacional pago a pessoas com mais de 25 anos no Reino Unido, cerca de R$ 70 por hora.

A decisão ocorre um mês depois de a empresa americana ter perdido uma longa batalha judicial no Reino Unido, iniciada em 2016, sobre a situação trabalhista dos motoristas.

Procurado pela BBC, o Uber disse que não espera que a mudança nas condições dos motoristas se traduza em tarifas mais altas para os clientes.

Líderes sindicais e especialistas trabalhistas dizem que essa mudança no Uber pode ter consequências de longo alcance para a economia compartilhada.

Rachel Mathieson, advogada que representou os motoristas do Uber que lutam por mais direitos, considerou o anúncio um "marco muito importante".

Em audiência da Suprema Corte britânica no mês passado, o Uber se apresentou como um agente terceirizado de reservas, alegando que seus motoristas eram autônomos ("self-employed", em inglês). Mas o tribunal decidiu que os motoristas eram "trabalhadores" (workers, em inglês), categoria profissional no Reino Unido que faz com que tenham direito a salário mínimo, férias e aposentadoria.

O Uber enfrenta processos jurídicos semelhantes em vários países, onde é debatido se os motoristas devem ser considerados empregados ou autônomos.

No Brasil, em diversos casos, o Ministério Público do Trabalho e ex-motoristas entraram na Justiça para reivindicar vínculo empregatício dos profissionais com as empresas, o que garantiria uma série de direitos previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas a Justiça brasileira tem constantemente negado essas demandas, inclusive o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Os ex-motoristas do Uber James Farrar e Yaseen Aslam, que iniciaram a longa batalha judicial contra a empresa em 2016
Os ex-motoristas do Uber James Farrar e Yaseen Aslam, que iniciaram a longa batalha judicial contra a empresa em 2016
Foto: ADCU Union / BBC News Brasil

Em fevereiro de 2021, Ives Gandra Martins Filho, ministro da Corte, afirmou numa sessão do TST que essa relação de trabalho não configura vínculo ao garantir "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".

Na mesma sessão, Guilherme Caputo, outro ministro da corte, disse que a decisão britânica não deve influenciar mudanças no Brasil porque "é um sistema jurídico completamente diferente do nosso".

Direitos trabalhistas

O Uber informou que as mudanças no salário de seus motoristas no Reino Unido ocorrerão quase que instantaneamente, a partir desta quarta-feira (17/3).

A empresa, que afirma ter 70 mil motoristas no país de 68 milhões de habitantes, disse que as novas taxas seriam adicionais ao seguro gratuito que cobre pagamentos por doença, lesão e maternidade e paternidade que estão em vigor para todos os motoristas desde 2018.

Segundo o Uber, o benefícios aos motoristas serão:

- Pagamento no mínimo o equivalente ao salário mínimo para maiores de 25 anos (quase R$ 70 por hora), após aceitar um pedido de viagem e após descontos feitos pela empresa;

- Todos os motoristas receberão férias com base em 12,07% de seus ganhos, pagos quinzenalmente

- Os motoristas serão automaticamente inscritos em um plano de pensão privada com contribuições do Uber juntamente com contribuições dos motoristas

- Manutenção do seguro gratuito em caso de doença ou lesão, bem como pagamentos de licença-maternidade ou paternidade, que estão em vigor para todos os motoristas desde 2018

- Todos os motoristas terão a liberdade de escolher se querem dirigir, quando e onde

Jamie Heywood, gerente-geral regional para o norte da Europa na empresa de transporte, disse: "O Uber é apenas uma parte de uma grande indústria de locação privada. Então esperamos que todos os outros operadores se juntem a nós na melhoria da qualidade do trabalho para esses importantes trabalhadores que são uma parte essencial de nossa vida cotidiana".

E acrescentou: "Os motoristas sempre nos disseram que queriam a flexibilidade que fornecemos, mas também os benefícios, e temos lutado para encontrar uma maneira de unir esses dois de uma forma que funcione para nós e para os motoristas".

'Vergonha, Uber', diz um cartaz em protesto de motoristas em Nova York
'Vergonha, Uber', diz um cartaz em protesto de motoristas em Nova York
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O Uber apontou em sua declaração anunciando as mudanças que um "trabalhador" é uma classificação única sob a lei trabalhista do Reino Unido. Os trabalhadores não são empregados efetivos, mas têm direito ao salário mínimo, férias e pensão.

A empresa disse que a recente decisão da Suprema Corte do Reino Unido forneceu um caminho mais claro para um modelo que dá aos motoristas os direitos da condição de "trabalhador" enquanto continua a deixá-los atuar profissionalmente de maneira flexível.

Críticas à extensão da mudança do Uber

Na longa batalha judicial, o Uber havia apelado ao tribunal superior britânico depois de perder em três instâncias inferiores. A Corte determinou em fevereiro de 2021 que o Uber teria que tratar os motoristas como "trabalhadores" (workers) do momento em que se conectam ao aplicativo até o momento em que desconectam.

Essa foi uma das questões-chave, porque os motoristas do Uber geralmente passam parte do tempo esperando que passageiros solicitem viagem pelo aplicativo, e esse período não é remunerado.

Antes, a empresa havia dito que se os motoristas passassem a ser considerados "trabalhadores", então isso só deveria valer enquanto houvesse passageiros no veículo.

James Farrar e Yaseen Aslam, os dois ex-motoristas que começaram a batalha legal contra o Uber em 2016, receberam com entusiasmo a decisão da empresa, mas alertaram sobre um possível problema.

Ambos consideraram que a decisão do Supremo Tribunal significava que os motoristas deveriam ter o status de "trabalhador" desde o momento em que se conectam até o momento em que se desconectam do aplicativo. No entanto, o Uber se compromete apenas com essa condição de "trabalhador" do momento em que a viagem é aceita até que o passageiro chega ao seu destino.

Os motoristas do Uber "ainda sofrerão bastante, entre 40 e 50%. Além disso, não é aceitável que o Uber decida unilateralmente a base de gastos do motorista no cálculo do salário mínimo. Isso deveria ser objeto de acordo coletivo".

Possíveis impactos na indústria

Especialistas no setor de emprego disseram que as consequências das mudanças do Uber serão sentidas em toda a chamada economia compartilhada.

Mary Walker, advogada trabalhista e sócia do escritório de advocacia Gordons, disse: "A mudança para os motoristas do Uber com o pagamento do salário mínimo e férias não pagas fará com que muitas empresas revisem urgentemente suas práticas e os riscos associados."

Plataformas de economia colaborativa também se estenderam aos serviços de táxi com aplicativos
Plataformas de economia colaborativa também se estenderam aos serviços de táxi com aplicativos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ela acredita que os custos adicionais associados à economia compartilhada significam que "algumas empresas simplesmente não conseguirão continuar atuando". Outras empresas poderão se reestruturar, mas talvez com menos trabalhadores, avaliou Walker.

Líderes sindicais também apontaram que outras empresas da economia compartilhada terão de mudar. "Este é o fim da linha para o falso trabalho autônomo", disse Mick Rix, secretário-geral do sindicato GMB, que tem lutado pelos direitos trabalhistas nas cortes judiciais.

"É uma pena que o GMB tenha vencido quatro batalhas judiciais para fazê-los ver sentido nas reivindicações, mas ao final chegamos lá e, no final das contas, isso é uma grande vitória para nossos membros. Outras empresas da economia gigantesca devem perceber isso", disse Rix.

Análise de Caroline Davies, repórter da BBC especializada em transporte

Líderes sindicais mal conseguem conter a animação com as mudanças do Uber.

Após anos de batalhas judiciais, eles falam em uma vitória de David contra Golias.

E eles esperam que isso possa criar um efeito dominó.

Outras empresas da economia compartilhada devem estar avaliando atentamente o veredicto da Suprema Corte britânica em fevereiro.

O fato é que o Uber escolheu mudanças fundamentais em seu sistema em vez de resistir pode incentivar outras companhias a fazerem o mesmo.

O Uber transformou os mercados pelo mundo, e essa mudança trabalhista pode ter repercussões semelhantes.

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