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Vale: perfil de novo CEO sinaliza foco no financeiro e gestão sem pressão política, dizem analistas

Para especialistas em governança, escolha de Gustavo Pimenta foi solução 'menos traumática', diante de processo sucessório conturbado; afastar 'interferência externa' na gestão será desafio contínuo

28 ago 2024 - 10h03
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A decisão do conselho de administração da Vale de escolher o executivo Gustavo Pimenta para o cargo de CEO sinaliza ao mercado o interesse dos membros do colegiado em focar na gestão financeira da companhia e mitigar rumores de possíveis "intervenções políticas" na governança da empresa. A análise é de especialistas da área ouvidos pelo Estadão, que definiram como positiva e "menos traumática" a eleição do gestor para assumir o posto em 2025, em substituição ao atual presidente, Eduardo Bartolomeo.

Gustavo Pimenta foi eleito como novo presidente da Vale
Gustavo Pimenta foi eleito como novo presidente da Vale
Foto: Divulgação/Vale / Estadão

A eleição do novo CEO foi anunciada ao mercado na noite da segunda-feira, 26. No comunicado, a mineradora afirmou que o processo de escolha ocorreu de forma unânime entre os conselheiros e com "rigoroso processo de seleção suportado por empresa de padrão internacional (consultoria Russell Reynolds Associates), em conformidade com o estatuto social da Vale, políticas corporativas, regulamento interno do colegiado e legislações aplicáveis".

O perfil profissional de Pimenta foi um dos aspectos que animou os analistas. Eles temiam possíveis intervenções do governo federal na escolha do CEO e interferência nas boas práticas sucessórias na governança da companhia. O executivo, além de economista com experiência internacional em empresas como AES e Citigroup, é um nome interno da Vale, não sendo cotado entre as candidaturas paralelas ligadas ao governo federal que chegaram a ventilar nos últimos meses, conforme apurado pelo Estadão.

Pimenta já atuava na mineradora brasileira desde 2021 como vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores (RI) da companhia. Antes já havia gerido as áreas de Suprimentos e Energia & Descarbonização da empresa.

Na avaliação de Pedro Fernandes Saad, diretor do Inova ESPM e professor de administração, a eleição do executivo é um passo significativo para fortalecer a governança e a transparência na empresa. "(O novo CEO) parece bem posicionado para continuar alinhando a Vale aos padrões globais de governança e promover um maior engajamento dos stakeholders (partes interessadas) nos processos decisórios. Além disso, a agilidade na eleição contribuiu para reduzir as incertezas que pairavam sobre o processo (de sucessão)."

A coordenadora do Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da Fundação Getulio Vargas (FGVethics), Lígia Maura Costa, destaca como positiva a escolha de um futuro gestor já familiarizado à cultura e às operações da mineradora. Ela acrescenta que esse movimento reflete o compromisso dos conselheiros com a continuidade de uma gestão "aparentemente livre de pressões políticas externas".

Essa familiaridade, complementa o professor de finanças e governança da Fundação Dom Cabral (FDC), Jairo Procianoy, é um dos fatores que faz da eleição de Pimenta uma solução "menos traumática" para a companhia e para o mercado, diante do processo conturbado de eleição da presidência. Em meio ao período sucessório, a Vale anunciou a renúncia de dois conselheiros em apenas três meses: José Penido, em março, e Vera Marie Inkster, em julho, o que expôs possíveis fissuras no colegiado.

"(A eleição de Gustavo Pimenta) apazigua todo um problema que houve anteriormente por parte do conselho, com várias visões distintas, pressões e contrapressões, e isso é muito importante para a companhia poder continuar seguindo para frente."

Alinhado a esse ponto, o professor do MBA em ESG e Impact da Trevisan Escola de Negócios, André Vasconcellos, destaca ainda que a experiência de Pimenta com a área financeira também justifica sua eleição. Segundo ele, um CEO com histórico em RI entende melhor as dinâmicas do mercado, ajudando na atração de investimentos e na resolução de crises, o que é crucial para uma empresa de capital aberto.

"Pimenta tende a reforçar a ênfase em resultados financeiros, e a gestão financeira rigorosa e a eficiência operacional são cruciais em um setor como o de mineração, em que os preços das commodities são voláteis e os custos operacionais podem impactar significativamente a rentabilidade. (Além disso), a Vale passou por um processo de reestruturação e aprimoramento de suas práticas de governança. A promoção de um líder com experiência em finanças pode ser vista como um passo positivo na direção de uma gestão mais transparente e responsável, reforçando a confiança dos investidores", avalia.

Desafios na governança

Apesar das previsões positivas a respeito da gestão de Pimenta na Vale, os especialistas acreditam que o novo mandato não significa o encerramento de alguns dos principais desafios enfrentados pela mineradora. O primeiro deles é o de manter a empresa dentro dos pilares de boas práticas de governança corporativa, sem interferências externas governamentais.

Conforme o professor de governança corporativa da FIA Business School, José Luíz Munhós, como a Vale tem vários investidores institucionais, como fundos de investimentos estrangeiros e de previdência, ligados a empresas do governo, sempre haverá o desafio de conciliar os interesses desses investidores aos propósitos e estratégias da companhia.

"O novo CEO continuará tendo como principal desafio conciliar o conflito de interesses dos acionistas controladores e as tentativas de ingerência do governo no negócio à estratégia da Vale, impedindo que haja interferência", comenta o especialista.

Outro ponto está relacionado à agenda ambiental da companhia. A imagem da mineradora está ligada a dois incidentes de grandes proporções: o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015, e o estouro da barragem de Brumadinho (MG), em 2019, para as quais ainda realiza ações de reparação de danos.

Para o consultor internacional de governança corporativa, relações com stakeholders e ESG, Guilherme Athia, é necessário que o novo presidente anuncie se, sob sua gestão, as estratégias relacionadas à sustentabilidade já anunciadas pela companhia serão mantidas ou se passarão por reformulação.

"É importante que a Vale, com o novo CEO, apresente qual será a sua visão de sustentabilidade para os próximos anos: se será a manutenção do plano atual ou se haverá uma revisão. Esse é um anúncio esperado, pois é um tema extremamente importante para todas as empresas de mineração, especialmente para a Vale, em virtude do que já aconteceu no passado", diz Athia. "A COP-30, no ano que vem, pode ser uma oportunidade para isso", complementa.

Em comunicado ao mercado, o presidente do conselho de administração da Vale, Daniel Stieler, afirmou que Pimenta reúne as competências necessárias para aspirar um novo ciclo virtuoso para a companhia e pontuou que o processo sucessório "evidenciou o alto nível de integridade, transparência e robustez da governança da Vale."

Já Pimenta informou que irá intensificar o diálogo com todos stakeholders da companhia, priorizando a segurança das pessoas, das operações e do meio ambiente. "Tenho certeza de que seguiremos avançando em nossa missão, com foco em geração e distribuição de valor, elevando a Vale a patamares ainda mais altos."

Procurada pelo Estadão, a Vale informou que não houve novo posicionamento de Pimenta a respeito de planos para empresa relacionados à governança e políticas de sustentabilidade, além da declaração exposta no comunicado ao mercado.

Para especialistas, CEO da Vale enfrentará desafios para manter governança sem pressões externas
Para especialistas, CEO da Vale enfrentará desafios para manter governança sem pressões externas
Foto: Fabio Motta/Estadão / Estadão
Gustavo Pimenta foi eleito como novo presidente da Vale
Gustavo Pimenta foi eleito como novo presidente da Vale
Foto: Divulgação/Vale / Estadão
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