'Vamos ter de produzir elétricos localmente', diz presidente da Anfavea
Moraes é presidente da Anfavea e diretor de relações institucionais da Mercedes-Benz; ele participa de série de entrevistas 'Estadão Mobilidade Insights', com líderes do setor
O economista Carlos de Moraes é um veterano quando o assunto é veículo. Ele ingressou no setor em 1978, na área contábil da Mercedes-Benz, empresa na qual trabalha há exatos 43 anos e 5 meses. Há pouco mais de uma década, virou responsável pela divisão de assuntos corporativos da companhia e, desde 2019, acumula a função de presidente da Anfavea. A associação das fabricantes de veículos reúne 27 marcas de automóveis, caminhões e ônibus, além de tratores. Por chamada de vídeo, Moraes falou ao Estadão sobre os resultados da indústria no ano passado, políticas industriais e as perspectivas para o segmento no País em 2022.
Como foi o desempenho do setor em 2021?
A gente começou 2021 sabendo que seria um ano desafiador. A previsão era de a produção chegar a 2,5 milhões de veículos. Mas faltou aço, borracha e resinas plásticas, por exemplo. A pandemia causou desorganização na cadeia global de produção e afetou quem importa componentes. Também houve problemas na logística, envolvendo contêineres e navios. A dificuldade na produção foi agravada pela falta de semicondutores no mundo todo. Assim, fechamos 2021 com 2,48 milhões de veículos, graças a um grande esforço para tentar atender os pedidos. Porém, o número ficou muito abaixo daquilo que a gente gostaria de ter produzido.
A indústria deixou de fazer em torno de 10 milhões de veículos no mundo por causa da falta de semicondutores. Desse total, o Brasil responde por entre 300 mil a 350 mil unidades. Puxamos o máximo possível no fim do ano, para ficar com menos pendências em 2022. No mercado interno, fechamos com alta de 3% nas vendas. Ou seja, houve um crescimento tímido. Porém, o resultado variou conforme o segmento. No caso dos automóveis, houve queda em relação a 2020. O setor de ônibus também andou meio de lado. Porém, o de caminhões fechou com mais de 40% de alta. Por causa do avanço do comércio eletrônico, que impulsionou as entregas, a venda de furgões também foi boa, assim como a de picapes.
Quando a entrega de peças deve ser normalizada?
A gente acredita que esse desafio vai continuar em 2022. Pneus e semicondutores continuam sendo muito afetados. Porém, esperamos que o problema seja menos crítico do que foi em 2021. A previsão é de crescimento da produção para 2,4 milhões de unidades, ou seja, de 9%. Vamos continuar monitorando a logística e os fornecedores de fora etc. Haverá dificuldades sobretudo no primeiro semestre.
A indústria vai recuperar as perdas registradas durante a pandemia?
Acreditamos que haverá uma recuperação gradativa. O mercado mundial de automóveis caiu para 75 milhões de unidades. Eram 90 milhões. Especialistas acreditam que vamos chegar a 80 milhões e, aos poucos, voltar aos patamares de antes da pandemia. Seja como for, isso deve levar de quatro a cinco anos para ocorrer. No Brasil, o comportamento deve ser parecido. Estamos torcendo para fechar 2022 com 2,6 milhões de produção e, aos poucos, voltar ao patamar anterior. Mas isso depende do controle da pandemia. Áreas de serviço, entretenimento e turismo, entre outras, geram muita renda e podem ajudara na recuperação do setor.
Os preços dos veículos vão continuar subindo?
Uma das sequelas da pandemia são algumas distorções na economia. Estamos vendo inflação no mundo inteiro, incluindo nos EUA e na Europa. As commodities subiram e o dólar, que era cotado a R$ 4 antes da pandemia, está em torno de R$ 5,70. A pressão de custos continua. Estamos acompanhando outros mercados e o norte-americano, por exemplo, teve o mesmo tipo de comportamento. Isso afetou também o segmento de usados. Como não havia veículo novo para atender a demanda, houve alta na procura pelo seminovo. Portanto, os preços nesse segmento também subiram. Essa distorção é global. Esperamos que em 2022 haja um equilíbrio maior. Só assim chegaremos em 2023 com maior paridade entre a procura e a oferta.
O avanço da eletrificação vai impactar a produção?
Fizemos um estudo sobre o que vai influenciar a descarbonização no Brasil. Há o aspecto regulatório, que traz metas de emissões e eficiência energética. Isso vai promover a eletrificação da frota aos poucos. A sociedade também está mais preocupada com o tema. Alguns frotistas, por exemplo, estão propensos à eletrificação porque têm políticas de ESG e o sistema financeiro apoia projetos que tenham planos para reduzir as emissões. Grandes investimentos feitos pelas montadoras, além da oferta de alta tecnologia, vão ajudar a reduzir os preços, que devem ficar próximos aos dos carros a combustão.
Há dois cenários. No primeiro, em 2035 cerca de 32% dos veículos novos terão algum grau de eletrificação. Seja híbrido, meio híbrido, elétrico puro etc. Isso equivale a 1,13 milhão de veículos. No cenário que a gente chama de convergência global, adotado pela Europa e pela China, vamos ter até 2,5 milhões de elétricos. Estamos falando de, no mínimo 1,3 milhão de carros. Não dá para importar tudo isso. Vamos ter de produzir localmente.
Isso significa investimentos enormes em pesquisa e desenvolvimento. A conclusão é que vamos precisar de 150 mil postos de recarga no Brasil nos próximos 12 anos. Para isso, serão necessários R$ 14 bilhões em investimentos. O aumento do uso de biocombustíveis também ajudará na descarbonização. A Anfavea quer construir, com o governo, uma política de redução de emissões para os próximos 10, 15 anos.
O acordo de livre comércio com a Europa, como está?
Depende da aprovação dos parlamentos europeu e brasileiro. O acordo foi assinado faz tempo. A partir da aprovação é que será determinado quando o cronograma começa a valer.