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'Variante Delta não afetará a retomada nos EUA', diz economista do Deutsche Bank

Para Matthew Luzzetti, economista-chefe do Deutsche Bank para os EUA, a economia americana continuará em recuperação de forma robusta, apesar das preocupações do mercado com o avanço de casos de covid-19 com a variante Delta

21 jul 2021 - 05h06
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SÃO PAULO - Os Estados Unidos apresentam uma recuperação robusta do crescimento e a variante Delta da covid-19 não deverá afetar de forma significativa seu Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos trimestres, diz, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, o economista-chefe para os Estados Unidos do banco Deutsche Bank, Matthew Luzzetti.

"Mesmo com um aumento de novos casos da doença, a vacinação conseguirá conter as hospitalizações e mortalidades e não serão necessárias as restrições ao nível de atividade que foram adotadas no passado recente", avalia o economista. O Deutsche estima expansão do PIB americano de 7,7% em 2021 e 2,9% em 2022.

Na visão de Luzzetti, os dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) têm razão ao avaliar que a alta da inflação nos EUA é temporária, pois ela ocorre devido a fatores que deverão cessar em 2022. Desta forma, o banco projeta que o núcleo do índice de preços de gastos ao consumo (PCE, na sigla em inglês) baixe de 3,5% neste ano para 2,0%. "Estamos vendo sinais que corroboram esta avaliação, como preços de carros usados, que foi o principal fator que provocou a alta recente dos índices de inflação e que começa a declinar em termos mensais", afirma.

No entanto, Matthew Luzzetti ressalta que há riscos da elevação da inflação ficar mais persistente nos EUA, como o recuo menor dos custos de produtos que subiram muito neste ano e aumento das expectativas de inflação.

Em relação ao mercado de trabalho americano, o economista do Deutsche Bank acredita que deverá avançar sua retomada ao longo deste ano, quando a taxa de desemprego deverá atingir perto de 4,5% no final de 2021 e pouco acima de 3,5% no fim de 2022.

Com este cenário macroeconômico, Luzzetti acredita que o Federal Reserve deve dar um sinal forte sobre o tapering (o processo de redução de estímulos monetários na economia) na conferência de Jackson Hole em agosto e iniciá-lo no fim deste ano ou início de 2022. O processo deve durar 10 meses. Ele pondera que o Fed só voltará a subir os juros em 2023. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o perigo da variante delta da covid-19 de prejudicar a recuperação da economia dos EUA?

Temos um cenário bem robusto de crescimento para o país neste ano, com uma expansão do PIB de 7,7% e de 2,9% em 2022. Nossa expectativa é de que a variante Delta não afetará de forma significativa o ritmo de crescimento dos EUA nos próximos trimestres. Mesmo com um aumento de novos casos da doença, a vacinação conseguirá conter as hospitalizações e mortalidades e não serão necessárias as restrições ao nível de atividade que foram adotadas no passado recente. Vemos também que há uma desaceleração da vacinação nos EUA, especialmente em vários Estados onde as restrições foram menores com a pandemia e apresentaram retomada mais rápida do mercado de trabalho. O grande risco é serem adotadas medidas restritivas em grandes Estados, como Califórnia e Nova York, pois eles registram boa parte da defasagem da criação de empregos em relação ao nível que existia antes da pandemia. É interessante que vivemos num mundo onde os mercados ultimamente apenas consideravam riscos de alta. Agora temos risco para baixo, como a variante Delta.

Qual deve ser a tendência da inflação nos EUA para este ano e para o próximo?

A inflação está bem acima da meta do Federal Reserve. Mas em termos gerais concordamos com a narrativa do Fed de que a inflação é transitória. Acreditamos que no próximo ano haverá uma queda no núcleo do PCE (sigla em inglês para o índice de preços dos gastos com consumo) e ficará perto do objetivo do Federal Reserve. O núcleo do PCE deverá subir neste ano 3,5% e terá uma elevação menor em 2022, de 2,0%. Estamos vendo sinais que corroboram essa avaliação, como preços de carros usados, que foi o principal fator que provocou a alta recente dos índices de inflação e que começa a declinar em termos mensais. Os preços de madeira para construção registraram uma forte retração e vemos declínio da cotação do barril de petróleo. Há muitas evidências de que a alta da inflação deverá moderar no final deste ano. Mas vemos que há riscos para cima de que a inflação poderá ficar alta de modo mais persistente, o que pode também gerar uma elevação substancial das expectativas de inflação.

Mathew Luzzetti, economista-chefe para os Estados Unidos do Deutsche Bank
Mathew Luzzetti, economista-chefe para os Estados Unidos do Deutsche Bank
Foto: DEUTSCHE BANK/DIVULGAÇÃO / Estadão

Quais são os principais riscos de alta persistente da inflação nos EUA?

Um deles pode ser que não será tão expressiva a queda dos preços que subiram muito neste ano. Ainda há custos bem altos de transporte internacional de mercadorias em nível global. A inflação do aluguel de imóveis nos EUA subiu mais do que o esperado e estimamos que baixará muito no próximo ano, porém pode ser outro risco. Há também a alta das expectativas de inflação que avançaram nos últimos meses, mas é cedo e esperamos que elas diminuirão de forma expressiva.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, está conseguindo convencer o mercado de que a elevação da inflação é temporária, como indica a curva dos rendimentos de títulos do Tesouro americano de longo prazo?

Definitivamente o mercado está precificando uma alta da inflação transitória. Isto ocorre não somente com expectativas de inflação de longo prazo bem baixas, mas também para outras medidas de inflação um ou dois anos à frente que estão bem consistentes com a avaliação de alta temporária dos índices de preços, o que também era verdade antes da última reunião do Fed em junho.

Quais são os riscos da retomada do mercado de trabalho americano?

Esta é realmente uma história difícil. Estamos ainda com 6,8 milhões de empregos abaixo do nível registrado antes da covid-19, a participação da força de trabalho também não está perto da registrada no período pré-coronavírus e a taxa de desemprego continua alta em 5,9%. Contudo, há outras medidas que mostram que o mercado de trabalho está mais apertado, como grande demanda de empresas por trabalhadores e incremento sólido dos salários. É uma fotografia com imagens mistas. Acredito que a limitação da oferta de mão de obra ocorre de forma transitória, pois deverá avançar no outono ou no inverno deste ano com a reabertura das escolas. O avanço da vacinação também levará as pessoas a ficarem mais confiantes para levar seus filhos a instituições que cuidam de crianças pequenas enquanto trabalham. Além disso, terminará em setembro em vários Estados a concessão de seguro-desemprego. E todos estes elementos ajudarão a conter pressões da alta de salários em 2022.

Quando os EUA poderão voltar ao pleno emprego?

A economia do país está em vigoroso processo de ascensão, embora ainda existam alguns gargalos que atrapalham a produção e provocam alta temporárias da inflação. Haverá uma boa recuperação do mercado de trabalho e esperamos que ficará mais forte ao longo deste ano, o que levará a taxa de desemprego para perto de 4,5% no final de 2021 e pouco acima de 3,5% no encerramento de 2022. No entanto, pode ser que somente em 2023 o mercado de trabalho retorne ao patamar que existia pouco antes da pandemia.

Com este quadro para a inflação e o mercado de trabalho, como o senhor espera que o Fed agirá em relação ao início gradual do programa de estímulos monetários, o tapering?

O Federal Reserve estabeleceu as condições para iniciar o tapering com substancial progresso adicional no mercado de trabalho e inflação bem acima da meta de 2% (no curto prazo). A comunicação do Fed destaca que ainda há um longo caminho para atendê-las, como vem ressaltando Jerome Powell, inclusive em depoimentos ao Congresso na semana passada. Nós avaliamos que poderá ser dado um sinal forte por Powell sobre tapering no simpósio de Jackson Hole em agosto e que poderá ser iniciado no final deste ano. Acreditamos que o Fed deverá fazer o anúncio do tapering em dezembro ou no início de 2022, mas há o risco de ocorrer 1 ou 2 meses antes.

Quando o tapering será concluído?

Poderá levar 10 meses para que este processo seja completado. Não acredito que o Fed anunciará um plano completo sobre o tapering, pois ressaltará a necessidade de flexibilidade para adotá-lo devido à dependência de dados econômicos, já que o cenário é bem incerto. Não acredito que o Fed vai se comprometer com números mensais de redução de compra de ativos financeiros. O Fed deverá anunciará a redução inicial de compra de ativos e dirá que enquanto a economia estiver se recuperando continuará a considerar mais diminuições no futuro, mas não vai anunciar um pacote inteiro para o tapering.

Quando o senhor acredita que o Federal Reserve vai iniciar as altas dos juros?

A nossa expectativa é que o Federal Reserve poderá elevar os juros pela primeira vez perto de meados de 2023 e adotar mais duas elevações em 2024. Mas há riscos significativos. Se a inflação continuar alta de forma mais persistente do que o aguardado, o Fed poderá ser forçado a controlar a alta das expectativas de inflação antecipando as altas de juros. Contudo, se for provado que a alta da inflação foi mesmo transitória e voltar a ficar abaixo da meta de 2% como ocorria antes do surgimento do coronavírus, então o Fed poderá recuar e dedicar mais foco na recuperação do mercado de trabalho. Desta forma, as elevações dos juros poderão ser um pouco adiadas.

Em relação ao plano de infraestrutura defendido pelo presidente dos EUA, Joe Biden, qual é o montante que poderá ser aprovado pelo Congresso neste ano?

Avaliamos que pode ser aprovado um valor total próximo a US$ 3 trilhões, com o aval do Senado obtido com o mecanismo conhecido como reconciliação, o que provavelmente ocorrerá no último trimestre de 2021. Mas há também várias incertezas. Ocorreu algum progresso no pacote bipartidário desenhado há algumas semanas, mas existem questões pendentes sobre o funding e não há ainda um texto legislativo desta proposta. Existe uma situação política delicada que precisa ser considerada, tanto pela perspectiva dos republicanos como também dos democratas mais moderados. Talvez mais importante do que o número total seria avaliar o quanto destas verbas virá do aumento de receitas do governo. Há um movimento para que este pacote seja totalmente financiado, o que significa que provavelmente veremos muito menos recursos federais do que esperávamos há alguns meses.

Estadão
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