Vinho ganha espaço no país da cerveja e aumenta a presença nas compras dos brasileiros
Apesar de a cerveja ainda ser de longe a bebida mais vendida, sua presença no carrinho dos brasileiros recuou 11 pontos porcentuais em 2021, enquanto a do vinho avançou 50%
O carrinho de compras do brasileiro se transformou durante a pandemia - e, entre os produtos que mais ganharam espaço na cesta de compras de supermercado durante o período de isolamento social, o vinho foi destaque. Pesquisa da Horus, empresa de análise de mercado que traça tendências a partir da análise das notas fiscais emitidas no varejo, mostra que o espaço do vinho nos carrinhos subiu mais de 50% em 2021.
Em janeiro do ano passado, entre as pessoas que compram bebidas alcoólicas nos supermercados, a presença de vinhos nas cestas era de 9,3%. No fim do ano, segundo a Horus, essa proporção passou para 15%, apesar de dezembro ser um período de "baixa temporada" para a bebida. Nos meses de inverno - junho e julho -, o vinho teve um "pico" de consumo e figurou em 18% dos carrinhos com bebida alcoólica.
Embora a cerveja ainda seja de longe o item preferido do brasileiro que consome álcool, a participação da bebida nos carrinhos caiu, em igual comparação. A cerveja aparecia em 80% das compras, em janeiro, e em 69%, em dezembro - uma retração de 11 pontos porcentuais. "Não foi apenas uma coisa sazonal, foi um movimento realmente de troca que nunca havíamos detectado antes", afirma Luiza Zacharias, diretora de novos negócios da Horus.
No ano passado, o volume de vendas de cerveja teve retração de 0,7% segundo a consultoria Nielsen, na comparação com 2020. Já o vinho, de acordo com a empresa de pesquisa Ideal Bi, mudou de patamar durante a pandemia. Apesar de em 2021 a bebida ter ficado no "zero a zero" na comparação com 2020 - recorde histórico do setor -, o volume vendido ficou 30% acima do registrado em 2019.
Gigantes estão de olho
O músico paulistano Morris Picciotto não lembra qual foi a última vez em que tomou cerveja. "Na verdade, praticamente não tomo cerveja desde que a pandemia começou", diz. "Sempre gostei de vinho, mas nos últimos tempos tenho gostado ainda mais. E tomado mais. É melhor para voz, não dá ressaca, acordo super ok e durmo bem também."
O que aconteceu com Picciotto é um fenômeno que agora se confirma não só nos números de consumo da bebida e em sua participação no mercado total de itens alcoólicos, mas também nas estratégias das gigantes de bebidas, que têm diversificado seu portfólio. "O consumo de bebidas no Brasil, que antes era quase só de cerveja, agora está mais democrático, mais diversificado", afirma Felipe Galtaroça, presidente da Ideal Bi Consulting, empresa de auditoria de importação, especializada em bebidas e alimentos.
Esse novo padrão de comportamento não passou despercebido pela Ambev, a gigante das cervejas, que está diversificando sua oferta de produtos. A cervejaria agora é dona de uma vinícola na Argentina, onde produz o vinho Dante Robino, disponível desde julho na plataforma Zé Delivery, seu app de entregas. Em dezembro, a empresa também lançou, em parceria com a Pernod Ricard, fabricante de destilados, uma mistura de gim Beefeater com a tônica Antarctica. Procurada, a Ambev não deu entrevista.
Nessa busca por novos sabores, o vinho é destaque absoluto. Quem trabalha com a bebida há muito tempo, como o diretor de operações da Wine, Alexandre Magno, sentiu a diferença: "Em 2018, o número estimado de bebedores de vinho no Brasil era de 32 milhões de pessoas. No ano passado, chegamos a 39 milhões. Foram 7 milhões de consumidores a mais. É muito acelerado", afirma o executivo.
No entanto, o consumo de vinho por pessoa no Brasil ainda é baixo em relação a outros países. Cada português com mais de 15 anos consumiu, em média, 51,9 litros de vinho em 2021, superando os italianos, com 46,6 litros, segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV). Por aqui, a média, mesmo com toda a expansão, está em 2,7 litros ao ano. Ou seja: há espaço para crescer muito mais.
'Caseira'
A pandemia ajudou muito o vinho, segundo Adalberto Viviani, da consultoria em alimentos e bebidas Hariot. "É um reflexo da pandemia. A cerveja é uma bebida social, de agrupamento. Já o vinho é mais doméstico, individual", diz o especialista. A psicóloga paulistana Aline Constantino diz ter mudado hábitos durante o isolamento social. "Agora só tomo cerveja para ver jogo do Palmeiras. Mas gosto de tomar vinho à noite em casa. Comprei até uma adega", diz.
Empresas de outros tipos de bebida alcoólica também sentem o efeito positivo. Segundo Patricia Cardoso, diretora de marketing da multinacional francesa de bebidas Pernod Ricard, a empresa teve alta de 44% das vendas de uísque premium, de 17% na vodca premium e de 15% no gim - crescimento puxado pelo varejo, e não por bares. "Receber em casa os amigos com uma boa bebida ou consumir sozinho virou uma saída para não gastar em restaurantes", afirma.