Globalização
é distribuir, diz FHC
Ruy
Mesquita, diretor-responsável do jornal O Estado de S. Paulo,
abordou os efeitos da globalização. O jornalista perguntou
a Fernando Henrique Cardoso, na primeira entrevista on-line
feita pelo presidente, se ele “como co-signatário do Comunicado
de Berlim, que reconhece que a globalização não produz benefícios
iguais para todos os povos, viu disposição concreta dos países
mais ricos em criar condições para distribuir melhor essa
riqueza decorrente da globalização? E se as condições para
essa melhor distribuição de riquezas entre os países pode
ser resumida na frase que o senhor pronunciou lá: "chega de
liberalismo". O presidente Fernando Henrique Cardoso respondeu:
"Primeiro, os chefes de Estado que estavam reunidos, eram
uns 14 ou 15, inclusive 5 ou 6 dos países do G-7, ou seja,
dos mais ricos do mundo. Eles, como pessoas – eu acho - concordam
com isso”.
“O
presidente Clinton, o chanceler Schröder, o primeiro-ministro
Jospin são chefes de Estado e de Governo dos países mais ricos
do mundo e eles concordam que é preciso distribuir. Só que
lá, como cá, o poder do Estado é relativo. Ele responde a
um Congresso, a uma sociedade, há interesses organizados,
há pressões - e esses interesses são organizados contra a
distribuição. “Veja o que aconteceu agora mesmo lá em Seattle.
Aqui, no Brasil, aplaudiram porque houve muitas manifestações
contra os nossos interesses. A reunião de Seattle era para
chegar a um acordo que permitia ao Brasil melhorar o seu comércio.
As manifestações foram contra, porque os setores sindicais
americanos e ligados até a setores políticos são contra a
abertura do comércio lá nos Estados Unidos, são contra investimentos
dos Estados Unidos fora do país. Então, há setores organizados
contra. “É uma luta muito difícil, mas eu diria ao jornalista
Ruy Mesquita que, pelo menos, começa a haver a consciência
dessa necessidade.
“E
o que eu disse em 95 e em Florença, no ano passado, que causou
reação imediata, até do primeiro-ministro Tony Blair, que
era preciso ter alguns mecanismos de controle, hoje já é mais
aceito. A posição predominante em Berlim foi mais a minha,
a de Jospin, a do presidente Ricardo Lagos e a do primeiro-ministro
Amato, no sentido de que não é que chega de liberalismo (porque
liberalismo é uma coisa boa), depende de qual liberalismo.
O político é totalmente bom. A liberdade é uma coisa importante,
a eficiência é necessária também, mas não se pode, em nome
da eficiência, imaginar que o mercado vá sozinho resolver
os problemas da desigualdade, porque não vai. E aí precisa
de ação. Ação de Estado, ação de governos, ação coordenada
e acho que estamos indo nessa direção.”
“Há em Berlim uma espécie de grupo – digamos – político-doutrinário,
no sentido de que acha que é preciso ter ação coordenada de
governos. O Clinton falou, por exemplo, na Aids. A Aids, na
África, é uma tragédia brutal em muitas nações africanas.
Então, por que os Estados Unidos não tomam conta disso e pagam
o custo disso? O acesso à Internet, que é vital para o futuro,
por que os Estados Unidos – não só os Estados Unidos, mas
os países mais ricos – não assumem uma parte disso? Ele propôs
isso no sentido de transferência de recursos. Agora, eu acho
que, não obstante, é preciso entender que a globalização está
aí.
Ela
tem efeitos negativos em muitos casos. No caso financeiro,
é freqüentemente negativo. No caso do Brasil, proporciona
uma possibilidade, dependendo um pouco da nossa capacidade
tecnológica e de aumentar a educação e ter acesso às tecnologias
modernas - e nós temos melhores condições de inserção no mundo
do que tínhamos antes. Isso não vale para todos os países,
mas aqui houve uma concentração grande de investimentos, há
uma concentração grande de universidades, depende um pouco
de nós termos a capacidade de usar isso em nosso próprio benefício”.
A
última pergunta feita ao presidente Fernando Henrique Cardoso,
no chat organizado pelos portais Estadão e Terra, foi feita
pela jornalista Beth Cataldo, da Agência Estado, no que diz
respeito às preocupações com o meio ambiente, já que estamos
vivendo, agora, a Semana do Meio Ambiente. As preocupações
voltaram a ocorrer, em relação à destruição crescente da Floresta
Amazônica. É possível ao governo brasileiro garantir sozinho
a preservação dessa floresta? E o senhor comunga com a preocupação
sobre a internacionalização da região, já que o Brasil não
dá conta, que outros países poderiam tomar conta do espaço?
O
presidente respondeu: "Em primeiro lugar, essa internacionalização
está fora de esquadro. É impensável. A Amazônia brasileira
é nossa, vai continuar sendo nossa, temos recursos para segurar
a Amazônia. Até militares, nossas Forças Armadas estão se
deslocando crescentemente para a Amazônia. Estão se localizando
lá, com mil razões, até porque elas são o elo da Amazônia
com o Estado. Com mais eficiência, a Aeronáutica, a Marinha
e o Exército. Isto é uma coisa que eu dou por assente. Dito
isto, como falamos há pouco de transferência de recursos,
é bom que haja alguma transferência de recursos. O presidente
Chirac me disse no almoço que tivemos há pouco em Paris, que
ele iria propor à reunião do G-7 em Okinawa, no Japão, que
se efetivasse aqui a promessa que fizera o chamado PP-G-7,
que é o programa de ajuda dos países ricos, para o Brasil
poder cuidar da preservação da floresta, demarcar terra de
índio – e ele falou em US$ 380 milhões. Eu disse imediatamente:
mas que vem para o governo. Claro, vem para o governo, apoiar
a ação do governo.
Nós
não somos arrogantes, não podemos botar o nariz para cima
e dizer não queremos o dinheiro, porque precisamos de recursos.
Mas o controle é nosso. Acho positivo, que já exista esse
PP-G-7. Ele ajudou, nós demarcamos uma área muito importante,
várias, mas uma muito importante lá, na zona do Rio Negro,
com esses recursos, através do Instituto Sócio-Ambiental.
Então, eu acho que isto é uma coisa boa. Agora, o Brasil sozinho
dá conta? O Brasil tem hoje um sistema de monitoramento bom
e até angustiante, porque sabemos onde está havendo queimada.
Não temos é condição de parar o fogo, e o fogo, muitas vezes,
é posto por indígena, por pequeno proprietário rural, às vezes
pelo grande. O governo se preparou mais este ano para atuar.
Inclusive, estamos recrutando gente para o Ibama. Vamos fazer
concurso para o Ibama. O sistema de monitoramento avançou
bastante, diminuiu a queimada. Agora, não vou dizer a você
que vai ser zero de fogo, porque é impossível, até porque
a população local também toca fogo. Às vezes, há incêndios
imensos nos Estados Unidos, com todos os recursos que têm,
como na Austrália, e não conseguem controlar o fogo. Mas a
preocupação com a preservação da Amazônia; primeiro, soberania
nossa, é indiscutível, vai ser; segundo, as ações, inclusive
Calha Norte, que é importante para fortalecer, robustecer
as populações que vivem por lá; terceiro, a criação de base
tecnológica, como estamos criando um centro lá em Manaus,
neste sentido, para aproveitamento da matéria-prima local,
aproveitar a biodiversidade riquíssima da Amazônia. O fato
de que a Amazônia detém uma quantidade imensa da água doce
do mundo, então, nos deve levar a uma visão muito aguda sobre
a Amazônia. Temos de ter muita atenção com a Amazônia, estar
muito presentes.
Na
questão do contrabando, da droga também, das informações,
sim, o controle é nosso. Não venha força estrangeira para
controlar aqu i, porque não precisa. Temos recursos e temos
de fazer todo o possível para mantê-los e expandi-los. A situação
das ONGs, organizações não-governamentais, na região, foi
objeto de quase denúncia do ministro da Defesa Geraldo Quintão
recentemente. Os militares estão muito preocupados, porque
essas ONGs ou cúpulas substituem o Estado em alguns papéis
– educação, saúde, é fundamental, e que não há um controle
sobre essa atuação. A preocupação existe, mas no sentido de
que o Estado deve estar presente e deve pedir a colaboração
das ONGs. Acho que as ONGs não podem ser, nem elas devem ser
consideradas como obrigação de Estado. Eu até costumo brincar,
usando a expressão de um sociólogo meu amigo, Manoel Castels,
que elas são neogovernamentais. O bom é que sejam neogovernamentais,
não no sentido de serem cooptadas pelo Estado, mas no sentido
de que sejam complementares ao Estado. O terceiro setor é
um fato da vida contemporânea. Se o Estado se fecha e tem
medo do terceiro setor, não é bom. Se o terceiro setor vê
no Estado um alvo que vai sofrer uma flechada, também não
é bom. Isto tudo tem de ser visto em termos da população.
Qual é o interesse da população local e nacional? Fazer com
que essas organizações entrem nesse setor, nesse espírito
também. Quando elas são muito presunçosas e querem impedir
a ação do Estado ou substituir-se à ação do Estado, aí não
dá para aceitar. Por isso, precisamos ter simultaneamente
mais governo na Amazônia, para que a ação delas não possa
vir a ser algo que se oponha à ação do governo. Isso não é
aceitável".
Os
portais Estadão e Terra receberam 8 mil perguntas de internautas
para o presidente Fernando Henrique Cardoso. As que não foram
respondidas serão encaminhadas à Assessoria do Palácio, para
que o presidente tome conhecimento das preocupações dos internautas.
Agência
Estado
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