Entrevista
mobiliza o Planalto
Para
os milhares de internautas que a acompanharam, nesta quarta-feira,
a primeira entrevista do presidente Fernando Henrique Cardoso
na Internet, foi mais um capítulo da recente e veloz história
da rede mundial de computadores. Por trás dessa aparente simplicidade,
no entanto, foi armada uma verdadeira operação de guerra que
surpreenderia todos os seus atores à medida em que eram desenvolvidas
as ações necessárias ao seu êxito. De início, os jornalistas
do Grupo Estado e do portal Terra, diretamente envolvidos
com a operação, imaginaram-se diante de uma tarefa nobre,
porém de simples execução. Ou, pelo menos, pouco diferente
do modelo clássico das entrevistas, em que o trabalho preliminar
visando a um bom conteúdo editorial é garantia de êxito da
missão jornalística. Afora as negociações prévias que visavam
a garantir a segurança da rede de informática do Palácio contra
a ação dos hackers, nada mais parecia suficientemente importante
para gerar maiores preocupações.
Com
o presidente Fernando Henrique no exterior, as portas do Palácio
da Alvorada foram abertas, uma semana antes, para escolha
e preparação do local da entrevista. O que se imaginava fazer
em poucas horas, impôs mais quatro dias de trabalho em que
o acesso ao Alvorada, por determinação presidencial, foi quase
irrestrito. Começaria aí a sucessão de surpresas para os jornalistas:
em vez de uma câmera para a gravação e transmissão ao vivo
das imagens, seriam necessárias quatro e, conseqüentemente,
mais quatro operadores. Como a resolução da imagem na Internet
é precária em relação à TV, usam-se câmaras fixas - e não
móveis - para a transmissão das imagens em vídeo. Além disso,
como o presidente não iria, ele próprio, digitar suas respostas,
impunha-se a presença de dois ou mais digitadores qualificados
para a tarefa de redigí-las.
O
primeiro teste, porém, mostrou a inviabilidade disso: nem
dez digitadores conseguiriam acompanhar a velocidade da fala
do presidente. O jeito foi trabalhar com quatro taquígrafas-digitadoras
que, por sua vez, impuseram a instalação de mais quatro microcomputadores
no local onde já haviam seis outros para controle da entrevista
pelos analistas de sistema. Os taquígrafos trabalhariam em
sistema de rodízio, revezando-se na captação e digitação da
fala do Presidente. A operação garantiria a transmissão de
texto em tempo quase real, com defasagem de minutos, agravada
no caso específico da entrevista do Presidente, pela necessidade
de validação dos textos por um assessor da confiança de Fernando
Henrique, que confere a fidelidade da redação do digitador
com a fala presidencial.
Uma
unidade móvel da Radiobrás estacionada nos jardins atrás da
biblioteca presidencial dava suporte técnico à transmissão.
Ela pilotava os links com Embratel e Telebrasília. Mais dois
fotógrafos do Grupo Estado se juntariam à equipe que, a esta
altura, já era superior a 20 profissionais, somados os analistas
de sistema, técnicos de áudio, auxiliares de toda a sorte.
A assessoria presidencial começava a ficar preocupada com
o número de pessoas que estariam presentes ao Alvorada para
uma entrevista que se anunciara simples. Ao final, o cenário
era inacreditável: 50 profissionais, entre técnicos, analistas,
fotógrafos, cinegrafistas, taquígrafos, seguranças, e "até
jornalistas", conforme a ironia de um assessor presidencial,
se concentravam em torno de um estúdio improvisado ao lado
da biblioteca do Palácio, num salão de 100 metros quadrados.
Era
a segunda vez na semana que se montara tal aparato: nem todos
souberam, mas uma infiltração que derrubou parte do teto da
biblioteca, durante a viagem de Fernando Henrique, impusera
a mudança do local da entrevista, depois de tudo preparado.
Em meio a toda essa mobilização, outra equipe de jornalistas,
na redação da Agência Estado, selecionava 41 perguntas de
internautas, entre mais de oito mil recolhidas durante as
48 horas que antecedera, a entrevista. Enquanto isso, no país
e no exterior, jornalistas do Grupo Estado eram acionados
para fazer perguntas on line ao presidente. De Paris, Washington,
São Paulo, Rio e Brasília, partiram perguntas que abordaram
17 assuntos: de corrupção a meio-ambiente, passando pela reforma
tributária e segurança pública, FHC respondeu a questões envolvendo
todos os temas que centralizam as atenções do país nesse momento.
Ninguém
pensara ainda na figura do maquiador, comum às entrevistas
para televisão. À última hora, providenciou-se um para dar
cor ao rosto do presidente. Um novo trabalho para a Segurança,
que opera sempre com antecedência mínima de 24 horas para
autorização de ingresso em ambientes onde estará o Presidente
da República. Depois de alguma confusão, o maquiador entra
no Alvorada, bolsa de pintura a tiracolo, aguarda sua participação.
Dez
minutos antes da hora marcada, o presidente desce a biblioteca
do Alvorada e pede uma conversa preliminar com os jornalistas
do Grupo Estado presentes ao palácio. Regada a água e café,
a conversa serve para informá-lo melhor do formato da entrevista,
público-alvo, temas abordados, critério de seleção das perguntas
dos internautas e também para extrair dele uma síntese da
viagem à Europa.
Fernando
Henrique dispensa o maquiador, entra no salão e não disfarça
a surpresa com o aparato montado para entrevistá-lo. Também
não passa recibo da surpresa: cumprimenta a todos com um bom
dia, senta-se ao lado do laptop em que acompanharia toda a
entrevista e discorre com tranquilidade sobre os temas provocados
pelos entrevistadores. 1h30m depois, é preciso avisá-lo de
que o link com a Embratel vai acabar e que a entrevista chegara
ao fim. "Lamento", diz ele. "Foi uma experiência inédita e
interessante para mim", acrescenta. Estava concluída com sucesso
a primeira entrevista de um presidente brasileiro para a Internet.
Ao palácio restou ainda um inventário de 7.959 perguntas de
internautas que foram encaminhadas pelas equipes dos portais
Terra e Estadão à assessoria de comunicação.
Agência
Estado
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