Agência EstadoTerra


Comente a entrevista do presidente


 


FHC se recusa a combater crime com o Exército

Durante chat organizado pelos portais Estadão e Terra, o presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a criticar o uso das Forças Armadas no combate à violência, ao responder uma pergunta da internauta Rita de Cássia Braghetti, de 35 anos. “Algumas pessoas mais precipitadas dizem: Põe o Exército para tomar conta de segurança pública. O Exército é composto de recrutas, rapazes de l7, l8 anos, sem preparo nesse tipo de coisas”, afirmou. Para ele, o Exército não é composto por profissionais. “Profissional é a polícia”, disse. Para o presidente não faz sentido preparar os soldados para o combate ao crime nas cidade. “Se houver uma força dessas preparada, o que se faz com a Polícia, que é maior, muito maior do que as Forças Armadas em número de gente que pode ir para a rua? O que se faz com ela? Não é próprio”, afirmou. Fernando Henrique lembrou que o Brasil tem problemas de fronteira e, por isso, o Brasil precisa “ter certa projeção de poder na América do Sul, porque, em última instância, precisa defender os poderes constitucionais”.

Ele lembrou da ação do Exército no Rio, destacando que o problema do narcotráfico não foi resolvido com a ocupação. “Puseram para subir o morro do Rio. Sobe o morro e o que aconteceu depois? Nada. Nem se pegou o "coração" do crime organizado, que são os banqueiros do crime, os grandes negociantes do narcotráfico, o contrabando e se pegou uma porção de "pés-de-chinelo", que ficam ali levando droga para lá e para cá”, afirmou. Segundo Fernando Henrique Cardoso, o Exército “é para ajudar no controle da fronteira, na informação de inteligência, no controle aéreo, e, se for o caso, em casos graves.

Tolerância zero - O presidente disse ainda que a “questão da segurança do cidadão hoje, constitucionalmente, afeta aos governos estaduais, que dispõem da Polícia Civil, Polícia Militar e dos meios para assegurar o cidadão”. Para ele, “há um esforço grande de alguns governos”, como São Paulo e Rio de Janeiro, no combate ao crime. O presidente comentou ainda a questão da tolerância zero, adotada em Nova York.

Ele lembrou que morou nos EUA anos 70 quando havia muita violência, drogas e problemas raciais graves. “Eu morava numa cidadezinha chamada Palo Alto. Ali, era droga nas escolas, protesto nas ruas e violência, sobretudo racial. Em Nova York, desde os anos 60, você não conseguia andar nas ruas, tinha medo, como hoje em São Paulo, como no Rio”, afirmou.

De acordo com FHC, o cenário de violência nos EUA mudou a partir do momento que “houve uma ação conjunta contra a violência”. “A polícia de Nova York deixou de andar de automóvel e passou a andar a pé”, disse. Fizeram com que os policiais fossem os mesmos em cada bairro para criar uma relação de proximidade”. Narcotráfico e lavagem de dinheiro O presidente voltou a dizer que o combate ao narcotráfico é da competência da Polícia Federal, mas negou a possibilidade de a PF fazer o policiamento nas ruas. “A Polícia Federal dispõe de 7 mil homens. Você imagina se eu for dizer à Polícia Federal tomar conta da violência na rua? É inviável, porque são 7 mil homens especializados”, justificou.

FHC afirmou ainda que está procurando integrar as ações da PF, da Secretaria Nacional Antidrogas e também do Serviço de Inteligência para organizar o combate ao crime organizado. “Estamos tentando juntar que os corpos burocráticos reajam uns aos outros, a Polícia Federal com a Senad, para organizar informação”, disse, acrescentando também o trabalho conjunto com os governadores “porque ação direta na segurança é dos governadores”. “O problema chegou a um ponto tal que nós temos que nos unir todos – governos federal e estadual, polícias, mídia, o Congresso, que aliás tem desempenhado um bom papel na questão do narcotráfico. Ele lembrou da criação da Comissão de Controle de Atividades Financeiras, que permite uma ação conjunta do Banco Central, Polícia Federal e Receita Federal no combate à lavagem de dinheiro.

Outro tema que também mereceu muita atenção dos internautas e dos jornalistas, durante conversa com o presidente Fernando Herique Cardoso pela Internet, foi a onda de protestos no País, como os do Movimento dos Sem-Terra, dos índios, dos professores e dos servidores públicos em geral, que acabou em incidente com o governador de São Paulo, Mário Covas, e com o ministro José Serra. O presidente reconheceu que os atos têm ligação com questões sociais, embora tenha ressaltado que há interesse político-eleitoral. “Mesmo quando o ato é político, ele é social também, tem uma base social”, disse, recordando que sempre assistiu a protestos durantes suas viagens pelo País. “Uma vez, fui a Pernambuco. A praça lá em frente era um fogaréu. Pegaram pneus e queimaram. Havia sempre bandeiras vermelhas e palavras de ordem. Eu tinha acabado de ser eleito, estava com muita popularidade, como a mantive no primeiro mandato praticamente inteiro, e nunca deixou de haver protestos, sempre houve protestos”, disse.

Para o presidente, os protestos de hoje estão concentrados no setor público. “Neste momento não há, no Brasil, uma greve no setor privado. Não há uma, nenhuma, é zero. Onde é que você tem greve? No setor público”, afirmou, reconhecendo que com o “ajuste fiscal, efetivamente os funcionários públicos foram os mais contidos em suas justas ambições de ganhar mais”.

Fascismo - O presidente voltou a acusar “setores sindicais mais agressivos” pelos protestos contra o governador Covas e o ministro José Serra. “Há grupelhos que têm teorias, que acham que é apenas o começo de uma grande transformação, que aí cai tudo. Não vai haver revolução. Vai haver um desarranjo para o País”, criticou. FHC disse ainda que “há um pouco também de uma espécie de não aceitação do outro”. “Democracia exige que se aceite o outro. O que faziam os fascistas de Mussolini? Eles davam óleo de rícino aos democratas, aos que eles consideravam comunistas. Óleo de rícino. Jogar ovo na cara é uma forma simbólica de dar óleo de rícino. É fascismo”, condenou. O presidente afirmou que não quer a Lei de Segurança Nacional, mas classificou de “uma covardia pegar um ovo e jogar”. Para o presidente, a atenção a este tipo de manifestação é perigoso para a democracia. “Na medida em que isso chama a atenção e nos dá uma revolta – isto está errado, vocês estão minando a democracia -, na medida em que não há essa revolta, fica uma festa, mas essa festa quem paga é a democracia”, alertou.

Sobre a repressão ao professores na Avenida Paulista, em São Paulo, o presidente alertou que os manifestantes estão confundindo democracia com bagunça. “Você não pode, para se manifestar, perturbar o outro. Não endosso nunca a violência. Da minha parte, não. A ordem tem de ser mantida, senão você não a tem. Você tem bagunça. Você não tem democracia, você tem bagunça. Fernando Henrique Cardoso também condenou a agressão ao governador paulista na Secretaria de Educação. “Não tem cabimento fazer acampamento em frente a uma secretaria de Estado. Isto não faz protesto. Isto é ultrapassar o limite da lei, da ordem, que impede o ir e vir dos outros. Quem saiu ferido – que eu saiba – foi o governador de São Paulo, o Covas, que é um democrata, e foi lá para garantir a ida e vinda dos funcionários que estavam lá retidos”. Para ele, a “baderna leva ao excesso” e a única saída para este impasse é o respeito. “Tem de haver ordem. Não a ordem contra o povo. Ordem a favor do povo. Pelo respeito”, disse.

O internauta Paulo Roberto Ferreira de Moura afirmou que o povo não está acostumado com a democracia. Ele perguntou ao presidente Fernando Henrique Cardoso se o governo já se acostumou com a democracia. O presidente disse que não concordava com a primeira parte da pergunta, destacando que “o povo se acostumou, gosta e é direito do povo reivindicar”. O presidente lembrou ainda do tempo que participou das greves no ABC paulista no final dos anos 70 com o então sindicalista Luis Inácio Lula da Silva. A greve é normal num regime democrático, mas é preciso que haja regras. Eu participei das greves, em 1978 e 1979, quando elas eram proibidas e consideradas um ato de rebeldia contra o regime autoritário. Eu era suplente de senador e estava lá, com Lula e os outros, por causa disso”, disse. Segundo ele, hoje governo assegura o direito de greve e “não é preciso jogar pedra”. “Naquela época, nós não jogávamos pedras. Era a polícia que jogava gás lacrimogêneo nos manifestantes. Mas, de qualquer maneira, era um ato simbólico contra o regime autoritário. Aqui, hoje, há um regime democrático implantado. O direito de greve está preservado. E eu acho que o povo brasileiro aprendeu, sim, a fazer democracia”. Acho que no Brasil, hoje, a democracia está muito mais enraizada do que se pensa.”

América Latina - Ainda sobre a democracia, o presidente foi questionado sobre os fatos recentes ocorridos no Peru, que reelegeu o presidente Alberto Fujimori para o seu terceiro mandato, em eleição suspeita e questionada. Segundo Fernando Henrique, "o Brasil não vai se colocar na posição de guarda do mundo”. “Nós sempre protestamos quando ocorre de outros países mais poderosos que o Brasil começarem a intervir. Então, não vamos nós assumir a posição de potência regional, que vai, agora, ditar normas aqui e ali”, disse. No caso do Peru, disse o presidente, “houve duas eleições e o presidente Fujimori – não quero julgar, na minha opinião, se ele deveria ou não se apresentar pela terceira vez. Não vou discutir se a interpretação foi certa ou errada. Os tribunais aceitaram. Não estou endossando, portanto, politicamente, a decisão dele nem coisa nenhuma. Ele se apresentou duas vezes e ganhou duas vezes”.

FHC reiterou que o Brasil sempre vai defender a democracia. “Faremos uma tentativa convincente de fazer com que todos os países da América do Sul sejam países que sigam os procedimentos limpos da democracia, de transparência, de dar condições iguais aos adversários na competição, de tempo de acesso à televisão, como temos no Brasil, isso sim”. Diante das preocupações de dirigentes europeus, manifestadas em recente encontro em Berlim, sobre a fragilidade da democracia na América do Sul, e da demonstração do desejo de que o Brasil assuma uma liderança nesse movimento de fortalecimento da democracia, um jornalista perguntou ao presidente Fernando Henrique Cardoso se ele está disposto a assumir esse papel de liderança no continente. O presidente frisou “liderança, ou você tem ou não tem”, salientado que o “Brasil tem atuado de uma maneira consistente na América do Sul e na África”. “Temos atuado, como atuei mais de uma vez no caso do Paraguai, como atuei no caso da pacificação entre o Equador e o Peru, como tenho conversado freqüentemente com o presidente Hugo Chávez, como tenho falado com o presidente Andrés Pastrana, como agora mesmo, com o presidente Alberto Fujimori. O Brasil tem tido uma atitude não de protagonismo, porque isso não ajuda. Relações internacionais não podem ser feitas assim, com estardalhaço. O Brasil não tem esse perfil, não é o seu estilo, não é o meu e nem é da nossa diplomacia. Mas nós temos feito”, destacou.

O presidente contou ainda da intervenção que fez recentemente durante o encontro sobre governança positiva, em Berlim, quando o presidente Clinton fez uma declaração a respeito da democracia na América Latina. FHC então pediu a palavra e disse: "Olhem, não vamos nos esquecer de que, há poucos anos, a América Latina possuía muitos militares que haviam chegado ao poder através de golpes de Estado. Hoje não há nenhum na América do Sul. Então, houve avanços. E o Brasil vai estar atento a esses avanços, não tenha dúvida nenhuma e, dentro dos meus limites pessoais e da tradição brasileira, vou continuar agindo como um papel equilibrador e, sempre que for necessária uma ação mais direta, eu a adotarei".

Agência Estado


Copyright © 2000 Terra Networks, S.A.. Todos os direitos reservados. All rights reserved.

Copyright © 2000 Agência Estado. Todos os direitos reservados.