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Coluna da Monica

Minha iniciação
28 de fevereiro de 2001
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Assistindo a novela "Porto dos Milagres", onde a religiosidade, especialmente do Candomblé está sendo divulgada, achei interessante relatar a vocês sobre minha iniciação.

Antes de chegar aos anjos, assisti matanças de animais se darem sobre minha cabeça, tive meu corpo cortado a navalha, chorei de frio e solidão, dormi ao lado de carne em putrefação, me desesperei, tive vontade de correr de volta para o aconchego de meus pais. Agüentei firme e fui iniciada nos mistérios do candomblé. Não era meu destino final, mas foi uma passagem importante.

Foi assim que aos 18 anos deixei a adolescência. Minha iniciação aconteceu no terreiro de Artur Jerônimo em Embú (SP). Dúvidas e incertezas tomaram conta da minha mente. Estaria preparada para tantas responsabilidades? Teria que permanecer por trinta dias em um quarto, chamado "ronkó" onde se realizaria a iniciação, mas acabei ficando 50 dias. Nada de maquiagem, espelho, perfumes, unhas pintadas ou compridas. Não é permitido o uso de pentes, shampoos ou condicionadores. Eu não era mais a Monica; agora era "Abiã" (a que nasce para a vida do santo).

No centro do Artur, nunca podíamos ficar em uma posição mais alta do que o sacerdote. Se ele levantasse, não podíamos encará-lo. Quando sentava, ficávamos de cócoras com a cabeça baixa. Nada de perguntas. Se estivéssemos deitados e ele entrava, levantávamos e pedíamos a benção com um beijo em sua mão.

Rezava todos dias, a partir das quatro horas da manhã. Antes da oração, tomava um banho de ervas com miúdos de aves. Assim como um paciente que está em tratamento e precisa de medicação, tomava, todos os dias, uma caneca com infusões de ervas que me deixava entorpecida. Uma semana depois, aconteceu a raspagem de cabeça. Eu estava vestida somente com uma saia branca amarrada no peito. Fechei os olhos. Ouvi Artur pedir uma tesoura. Cortou meus cabelos e os raspou com uma navalha. Cortou minha moleira fazendo uma incisão. Os animais foram sacrificados no alto da minha cabeça, um a um. Sentia o sangue escorrer quente pelo meu corpo.

Com uma navalha, Artur fez pequenas incisões na minha moleira, braços, tórax, costas, pulsos, pés e língua. Chamam-se curas. As cicatrizes são visíveis até hoje. Permaneci o tempo inteiro de olhos fechados; mesmo que quisesse abri-los, não conseguiria. Deram-me sangue numa cuia de barro. Tinha que beber tudo. Era a força dos orixás. As penas das aves foram coladas ao meu corpo.

As oferendas dormiram a meu lado. Só foram recolhidas no sétimo dia. De início não me incomodaram, mas a partir do quarto dia, o cheiro era insuportável. A situação era agravada pelo fato de que naquela época eu não comia carne, nem aves, nem mesmo peixe. Não há janelas no ronkó. O calor é forte. Sou orientada a ingerir todos os dias um pouquinho das oferendas para fortalecer meu corpo.

Minha cabeça latejava de dor. No alto da moleira, para facilitar a cicatrização, Artur havia colocado uma pele de rã. Às vezes tinha febre. Só tomava banhos frios e dormia somente em uma esteira e lençol. Cobertores eram proibidos.

Depois de 50 dias, voltei para casa. Esperava com ansiedade o dia em que poderia retornar à vida normal (três meses depois) para abraçar meus pais, me sentar à mesa, dormir na cama, tomar um bom banho com sabonete e lavar os cabelos.

Foi um rito iniciático (bastante primitivo), de uma jornada interior maravilhosa!

Monica Buonfiglio