Sydney - A Olimpíada será uma excelente oportunidade para os australianos divulgarem o seu país e o modo de viver nesta ilha continental.
Por isso, o escritor David Malouf, um dos intelectuais mais renomados da Austrália, não acredita que algum dos protestos anunciados possa atrapalhar os Jogos. Autor de Lembrando Babilônia, livro traduzido no Brasil pela Companhia das Letras, no qual descreve o preconceito dos primeiros colonizadores contra os aborígines e imigrantes, Malouf disse ao Estado que o país mudou bastante desde então e quer mostrar isso na Olimpíada.
"Os preconceitos são inevitáveis em qualquer sociedade, mas na Austrália não há muito espaço para posições radicais", afirma o escritor. Por isso, ele duvida de que aconteça algum protesto ou greve capaz de atrapalhar a realização dos Jogos. "Confronto não faz parte do estilo australiano", nota Malouf. "Ficaria muito surpreso se houvesse mais do que um barulho na mídia."
Tudo está muito diferente, segundo ele, da primeira Olimpíada realizada na Austrália, em 1956, em Melbourne. "Desde então, o país renunciou à política da Austrália branca, admitiu asiáticos e muçulmanos e concedeu cidadania aos aborígines", ressalta o autor australiano. "Minorias começaram a ser ouvidas, novas classes surgiram do boom da mineração e o puritanismo anglo-saxão foi substituído por um estilo de vida mediterrâneo.
A origem disso tudo, porém, está lá no final do século 18, quando a primeira leva de prisioneiros saiu da Inglaterra para uma ilha perdida entre os Oceanos Pacífico e Índico.
"Nossa colônia penal foi diferente, mais de recuperação do que de punição", anota Malouf. "Todos vieram para trabalhar e, no fim da sentença, resolveram ficar para criar riquezas." Além disso, ele destaca que alguns traços da Inglaterra na época, como o nível tecnológico adiantado e a tradição de governos estáveis, facilitaram a construção de um país.
"O assentamento disso tudo muito cedo, conseguiu dar a todos boas condições de trabalho e dividir as forças mais pela negociação do que pelo confronto", explica ele. Mais do que isso, o autor destaca o espírito de fraternidade que os australianos herdaram dos ancestrais prisioneiros e exilados. "É um sentimento que vem de uma tradição de solidariedade numa ilha que era prisão, próprio daqueles que ficaram fora do sistema ou fracassaram."
É essa Austrália que Malouf espera que seja vista pelo mundo nos próximos dias. Apesar disso, ele reconhece problemas. "Os aborígines ainda enfrentam desigualdades, desnutrição e desemprego", admite. "Se todos esses problemas podem ser remediados só com a política, é uma questão para o debate." Acima de tudo, porém, ele considera os australianos afortunados. "Se são felizes, isso já é outra história."
O Estado de S. Paulo