Sydney - O jeito tímido de menina sapeca e o olhar de criança um pouco assustada podem enganar os desavisados, mas a americana Marion Jones, 24 anos, faz questão de dissipar qualquer dúvida. Veio atrás, sim, de cinco medalhas de ouro e fará tudo para estrear o seu sonho olímpico como a grande estrela do espetáculo. Maior atração do atletismo atual, Marion é a ameaça mais concreta ao reinado do nadador australiano Ian Thorpe nestes Jogos.
Para isso, ela já está em Sydney, onde concedeu uma coletiva no sábado. Os dois, aliás, já nasceram próximos. Thorpe é de 13 de outubro, um dia depois do aniversário de Marion. E assim como o menino de Sydney assumiu seu favoritismo, a garota nascida em Los Angeles não fugiu do desafio. "Coloquei esse objetivo em mente e vim para tentar realizá-lo", afirma a velocista.
Mesmo diante do ceticismo de alguns, ela pretende correr e saltar atrás do ouro que ela cobiça desde menina, quando viu a campeã Florence Joyner brilhar em Seul. Florence morreu no ano passado, aos 39 anos, com problemas cardíacos, aumentando as suspeitas sobre o uso de drogas no passado. Marion, porém, prefere lembrar daquelas imagens de Seul que a fizeram sonhar em ser campeã olímpica.
"Ela provou que era possível ser bonita e talentosa", lembra a atual campeã mundial no site que sua patrocinadora lançou em Sydney. "Decidi que era isso o que eu queria ser."
A decisão foi apenas o amadurecimento de um desejo nascido na Olimpíada anterior, em Los Angeles. Ali perto, em Palmdale, a menina de oito anos se encantava diante da TV. Foi para o quarto e escreveu "eu serei campeã olímpica". O sonho só não virou realidade antes, porque Marion não sabia bem qual a melhor forma de chegar lá. Jogou beisebol, basquete e flertou com a ginástica até chegar no atletismo, no início dos anos 90, onde encontrou o seu caminho olímpico.
Depois de acumular recordes colegiais, estaduais e nacionais, Marion tornou-se a mulher mais rápida do mundo com tanta autoridade que ficou sem adversárias. Em 1998, só perdeu uma das 36 finais que disputou ao ar livre, ficando mesmo assim em segundo lugar. No ano seguinte, foi bicampeã mundial nos 100 metros e estabeleceu um novo recorde para a categoria, com 10s70. Uma lesão na coluna, porém, atrapalhou seus planos de conquistar quatro medalhas de ouro naquele campeonato.
Desta vez, porém, ela quer evitar qualquer surpresa. Com as regalias de um astro do dream team, a corredora preferiu ficar fora da Vila Olímpica, junto com o marido, o seu treinador e um fisioterapeuta. "Até gostaria de ficar na Vila, mas ali não poderia ficar com eles e me preparar melhor para a competição", explicou Marion, que vai tentar ouro nos 100 metros, 200 metros, 4x100 metros, 4x400 metros e salto em distância.
O uso do swift-suit, a roupa especial que ela testou para a Nike, também vai depender de uma criteriosa avaliação. "Gostei da roupa e achei confortável, mas tudo dependerá do tempo." Se fizer calor, ela deve correr com a roupa normal. Mas se esfriar, Marion poderá usar o traje futurista na prova.
Exagero ou não, a imprensa americana parece não se importar. Alguns até desconfiam, mas acham que a determinação de Marion já é um mérito suficiente para um país que não tem mais a hegemonia olímpica de outros tempos. Afinal, a menina que está ali, com gestos contidos e um riso nervoso, é a grande esperança americana de ofuscar os emergentes australianos.
Depois que Michael Johnson e Maurice Greene ficaram fora dos 200 metros na seletiva americana, Marion passou a ser a grande aposta dos americanos. Se para muitos a Olimpíada se resume ao atletismo, para os Estados Unidos ela chama-se Marion Jones.
Isso explica, por exemplo, os aplausos na entrada e na saída, além do riso cúmplice da platéia quando Marion contesta as críticas veladas do mito Carl Lewis, vencedor de quatro medalhas de ouro em Atlanta. Lewis declarou que não era prudente Marion estabelecer como objetivo a busca de cinco ouros em Sydney. "Acredito muito em mim e não importa o que Lewis ou qualquer outro possam dizer", respondeu Marion.
A confiança é tanta que ela despreza até a concorrência do vento. Ao ser perguntada sobre a ventania que costuma varrer o Parque Olímpico no final da tarde, Marion ironiza. "Eu só ficaria preocupado se ventasse apenas na minha raia", diz para o deleite da platéia. Não se trata, porém, de arrogância.
Ao contrário de Johnson e do próprio Lewis, Marion olha nos olhos do interlocutor e parece não se levar tão a sério. No seu site, por exemplo, demonstra uma ambição inversamente proporcional ao seu sucesso. "Quero ter netos e vê-los correr ao redor de mim e do meu marido, enquanto tomamos limonada na varanda", planeja.
"Isso seria o máximo e nenhuma medalha teria a mesma importância." Apesar de toda a responsabilidade que a nação mais poderosa do mundo já depositou em suas pernas, a menina fascinada pela TV em Palmdale não mudou nada.
Continua tímida, nervosa, cara de sapeca, mas acima de tudo determinada, como na época em que apostava corrida contra o irmão, cinco anos mais velho. "Não admitia perder para ele", recorda na sua página da internet. "Hoje, porém, acho que meu irmão tem orgulho de mim e sabe que, quando quero uma coisa, vou atrás e consigo." Os americanos também parecem não duvidar. O resto do mundo, incluindo os australianos, vão pagar para ver.