Salvador - O técnico do Vasco e da seleção brasileira de basquete, Hélio Rubens Garcia, anda apreensivo com o futuro do basquete brasileiro. Para ele, há um grande problema de renovação de valores e a falta de investimentos no esporte, que podem gerar um grande prejuízo a curto prazo.
A solução para esse impasse, em sua opinião, seria uma forte política de intercâmbio, tanto internacional, quanto entre os clubes do Brasil.
Com mais de 40 anos de dedicação, como treinador e jogador, Hélio Rubens viveu as principais fases do esporte. Ele acha que o período atual tem que ser de uma mudança gradual e profunda na forma de comandar as equipes e também no perfil dos atletas. "Um jogador como Oscar está ultrapassado. Precisamos de atletas completos", disse.
Simpático e cativante, o treinador transmitiu palavras de incentivo e conselhos aos jogadores do Bahia, após o jogo contra o Vasco, ontem, no ginásio Antônio Pithon. Depois, em entrevista ao Correio da Bahia, ele falou da ausência do basquete masculino do Brasil, em Sydney, dos planos para a seleção e de como separa relações profissionais e familiares dentro da quadra.
Qual a sua análise sobre o nível do basquete baiano?
Hélio Rubens - Pelo que eu pude ver, está dentro dos padrões atuais do jogo. O Bahia, principalmente, tem uma orientação técnica segura. É claro que falta mais intercâmbio para que esses conceitos sejam colocados em prática com mais profundidade. Eu fiquei satisfeito.
A presença do time campeão brasileiro pode ser considerada um grande incentivo para os jogadores de nosso estado?
HR - Essa troca de experiências é muito importante para todos nós. A presença do Vasco faz parte do projeto olímpico do clube, fortalecendo seu nome e mantendo a responsabilidade de formar atletas nas categorias menores. Para nós, é uma alegria muito grande estar aqui, independentemente dos resultados obtidos. Dessa forma, a gente vai colaborando para a evolução do basquete no país.
Nessa copa, deu para perceber valores individuais que possam ser lapidados até chegar a jogadores com destaque nacional?
O basquete é um esporte que exige muito tempo de treinamento, por causa do número de fundamentos. Às vezes, no início não dá nem para detectar o talento dos garotos. Só mais para a frente que percebemos. O que vale é aumentar o número de praticantes para detectar aqueles que têm mais potencial.
O talento surge com o investimento?
O talento pode ser definido como 5% de inspiração e 95% de transpiração. Ou seja, o talento faz a diferença, mas só quando ele é complementado com os 95% de dedicação, de treinamento e cobrança constante. Sem essa grande parcela de trabalho e empenho, o talento desaparece.
De que forma o intercâmbio com jogadores estrangeiros contribui para o basquete nacional?
HR - A contribuição vem com uma grande carga de novas experiências. Infelizmente, eu acho que nós temos muito pouco intercâmbio, internacional. A seleção brasileira de basquete, por exemplo, precisa adquirir mais experiência fora do país. Eu estava dizendo lá na Confederação Brasileira de Basquete (CBB) que, se a gente pudesse pegar a seleção atual para fazer uns 15 a 20 jogos na Europa, contra Itália, França, Lituânia, Rússia, Iugoslávia, Grécia e Espanha, a equipe voltaria com outro nível para o Brasil. Todo esse intercâmbio, inclusive entre estados, é muito importante. Só jogando uns contra os outros, não teremos a possibilidade de crescimento, porque senão fica um negócio muito monótono, muito parado.
Qual será o perfil do basquete brasileiro, que vai tentar a participação nas Olimpíadas de 2004, em Atenas?
HR - Nós temos um problema sério de renovação. Não foi feito um investimento na base e não temos peças de reposição. Estamos iniciando esse trabalho para ver se daqui a três ou quatro anos conseguimos algum resultado. Para trabalhar de forma séria e consciente, nós precisaríamos de mais tempo. Se conseguirmos a participação nas próximas Olimpíadas, vai ser quase uma mágica. O tempo é muito escasso em função de nosso quadro atual e da renovação que precisamos empreender. Depois do atleta integrado à seleção, ele precisa adquirir traquejo, pois tudo isso vale muito na busca pelas vitórias.
Quer dizer, então, que um atleta como Oscar vai continuar fazendo falta?
HR - Não, Oscar não faz mais falta. Já passou o tempo dele. Hoje, o basquete mudou. É, acima de tudo, defesa e jogo coletivo. Oscar tem uma qualidade, que é o aspecto individual de arremessos. Mas, no resto, ele até compromete. Na realidade, nós temos que fazer jogadores completos. Não tem mais aquele jogador que só passa, arremessa, ou reboteia bem. Hoje, o jogador tem que fazer tudo bem.
Como pode ser explicado o fato de a seleção brasileira, campeã no Pan-Americano, ficar apenas em sexto no Pré-Olímpico?
HR - Eu explico que a competição internacional é muito equilibrada. No Pré-Olímpico, só tinham duas vagas em jogo, e com os Estados Unidos participando. A classificação terminou para os EUA e Canadá. Nem o time da casa, Porto Rico, que é uma grande equipe, conseguiu a vaga. Isso é uma grande injustiça. Em outros esportes, como o vôlei e o futebol, o campeão sul-americano tem o direito de participar das Olimpíadas. O Brasil não é apenas campeão sul-americano de basquete, como é medalha de ouro no Pan-americano. No Pré-Olímpico, com apenas duas vagas, todas as seleções foram muito bem preparadas. Além de não estar jogando bem, o Brasil enfrentou equipes de ótimo nível. E, lamentavelmente, eu sou obrigado a dizer que o Pré-Olímpico serviu como preparação para o Pan-Americano, pois foi a única oportunidade que tivemos de ganhar experiência, jogando contra Dream Team, Porto Rico, Argentina e Canadá.
Então, promessas não podem ser feitas a curto prazo?
HR - O Brasil precisa muito em termos de renovação, estrutura de jogo, experiência internacional. Nós não temos nenhuma chance de renovar drasticamente e, por isso, teremos jogadores de várias gerações integrados. Porque se pegássemos, por exemplo, só os atletas abaixo de 22 anos não daria certo, pois ainda não temos nível para isso. Aliás, teve uma competição sub-22, recentemente, e o Brasil não conseguiu nem a classificação para o Mundial. Veja que problema sério nós temos. Por isso, precisamos de muito tempo para preparar uma seleção que queira competir com os melhores do mundo.
Você faz parte de um clube que pretende ser potência olímpica e mandou muitos atletas a Sydney. Como você analisa a participação do Brasil nos Jogos?
HR - Considerando a política nacional de esportes, eu acho que foi até muito boa. O esporte não tem apoio, os clubes não recebem nada, os profissionais que fazem esporte, idem. Foi criada uma expectativa falsa com relação ao desempenho do esporte brasileiro. Foi mau porque criou-se essa grande esperança que a delegação iria voltar com a sacola cheia de medalhas. Diante de nosso quadro atual, o resultado foi até bom demais.
Além de ser o treinador da seleção, você venceu os últimos quatro campeonatos nacionais, três à frente do Franca, e o deste ano, comandando o Vasco. É correto afirmar que os rumos do basquete nacional passa por suas mãos?
HR - Eu fico muito orgulhoso com essa referência, porque procuro trabalhar de uma forma séria. Esses resultados me deixam envaidecido. Ao mesmo tempo, eles trazem uma grande responsabilidade na seqüência do trabalho. Mas não quero ser o único responsável pelo basquete brasileiro. O que precisamos é de uma união muito grande entre clubes, técnicos, árbitros, jogadores, para juntos fazermos o melhor trabalho em benefício do nosso país.
Em seus mais de 40 anos de convivência com o basquete, quem foi o melhor jogador que você viu atuar?
HR - O nome dele é Amauri Passos. Na minha opinião, ele foi o jogador mais completo.
No ano passado, houve uma discussão numa partida entre o seu filho, Helinho, e o armador Charles Byrd, que hoje é de sua equipe. A imprensa noticiou que você teria tomado partido na situação como pai e não como técnico. Você ficou aborrecido com a insinuação?
HR - Veja bem: o Charles foi em meu banco para se justificar e eu só coloquei a mão em seu peito para mostrar que não queria conversa. A imprensa explorou isso de uma forma altamente negativa, quando, na realidade, não aconteceu nada. Depois, ele veio falar comigo que tinham criado um "oba oba" numa situação que não teve nada demais. No nosso time não tem proteção, não tem privilégio e não tem perseguição. O time está acima de qualquer interesse pessoal ou particular. E eu não abro mão disso.