São Paulo - O inferno de Wanderley Luxemburgo durou 15 dias. O treinador se impôs duas semanas de isolamento no Rio Araguaia para entender todo o processo que virou sua vida do avesso. Dois anos dirigindo a seleção brasileira fizeram com que a mídia o transformasse de sinônimo de modernidade em um "incompetente sonegador de impostos" - algumas acusações mais pesadas chegaram a envolvê-lo, sem nenhuma prova, até com tráfico de drogas.
Somente depois de entender todo o processo que o consumiu, Luxemburgo resolveu falar. Finalmente ontem, em São Paulo, deu sua primeira entrevista depois da sofrida demissão da seleção brasileira -com exclusividade para o Jornal da Tarde. E não mediu palavras. "Não serei boi de piranha da CPI." E avisou, irritado: "Não fracassei com a Seleção Brasileira".
Por que você sumiu depois da demissão? Vergonha?
Wanderley Luxemburgo- Não fiz nada que me envergonhasse. Não quis dar entrevistas porque tudo que eu falasse não teria eco. Ninguém estava interessado em me ouvir, só em me atacar. Tudo o que aconteceu comigo foi muito injusto.
Como injusto? A derrota na Olimpíada, a fraca campanha nas Eliminatórias e os seus problemas pessoais não foram motivos suficientes?
Vamos por partes. A Seleção Brasileira terminou a primeira parte das Eliminatórias em segundo lugar. No segundo turno fará cinco partidas em casa, enquanto a Argentina sairá cinco. Conseguimos o mais difícil, que foi formar a base de uma equipe que não existia, por isso a instabilidade. Na Olimpíada, apostei no time que todos apostaram e só eu paguei. Fui aplaudido por todos os jornalistas esportivos por não levar ninguém com mais de 23 anos. Mesmo o Romário. Depois, com as derrotas, todos criticaram, ficou fácil. O time não rendeu porque a garotada não suportou a pressão de ganhar a medalha de ouro e ter de responder sobre Romário a todo minuto. Só que essa geração não pode ser sacrificada porque tem ótimos jogadores.
Os resultados não justificariam sua demissão?
Não. E quem falou isso foi o próprio presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
Ele apoiou treinadores na Seleção em situações piores, como o Lazaroni, o Parreira. Foram os meus problemas pessoais que tornaram insustentável a minha permanência. O presidente foi de uma decência muito grande comigo.
Poderia ter dado a minha cabeça para as pessoas que pregavam uma limpeza no futebol brasileiro, mas me defendeu. Sou muito grato a ele. Fui vítima de uma campanha absurda. Queriam me afastar da Seleção Brasileira e usaram uma mulher (Renata Alves).
Ela falou em rede de televisão, deu entrevistas em programas, revistas, jornais. Chegou ao cúmulo de dizer que eu traficava cocaína em bolas de futebol. Tudo ridículo. Não mostrou nenhuma prova e ainda falou para os principais órgãos de imprensa do País. Eu e meus advogados provaremos que não existe o menor fundamento em nada.
Então você permitirá que suas contas sejam devassadas pela CPI?
Meu sigilo bancário já foi aberto pela revista "Veja". E em uma matéria sensacionalista mostrou um cheque que recebi de um amigo meu, ao qual havia emprestado dinheiro. E outro com parte do meu salário do Santos. Tudo ridículo, porque há quase 10 anos sou um dos treinadores que mais recebem no Brasil. Ganhava muito nos meus contratos com os times. Além disso, tenho empresas. Não precisaria de comissões em convocações ou em vendas de jogadores para melhorar minha vida.
Então, por que tanta proximidade com empresários?
Porque sou treinador de futebol. Sou amigo de gente ligada ao futebol.
Empresários, jogadores, dirigentes e jornalistas. Essas pessoas me cercam e sou ligadas a elas. Mas isso não significa que eu faça algo desonesto. Agüentei calado tudo isso por muito tempo. Isso acabou.
Então você irá depor na CPI?
Lógico que vou. Tanto que surgiu um boato que um advogado havia pedido um habeas corpus para que eu não depussesse. Mas eu não autorizo ninguém a me tirar dessa CPI. Irei depor e limpar a minha honra. Não serei um boi de piranha da CPI. Não serei atingido porque cometi um erro na minha vida. Devo impostos à Receita Federal. Vou pagar o que devo e acabou. E não sou só eu quem devo à Receita. Muita gente deve.
Por que oficiais de Justiça não conseguem lhe entregar a intimação? ?
Porque estão me procurando no Rio de Janeiro. Eu moro em São Paulo. E estou aqui, na minha casa, esperando a intimação. Se tiver de estar no dia 10 de novembro para falar como estão dizendo, chegarei cedinho e pronto para falar tudo que eu sei.
Durante toda sua vida como treinador você teve como objetivo chegar à Seleção. Você se sente fracassado?
Eu não fracassei com a Seleção Brasileira. Ganhamos a Copa América e o Pré-Olimpíco de forma invicta. Disputamos pela primeira vez as Eliminatórias todos contra todos. Com uma equipe que se formava durante a competição.
Estávamos reagindo. Fui demitido por uma série de fatores. Não fiz concessões como treinador. Muita gente ficou contrariada. Mas eu sou muito novo. A vida continua.
O que vai fazer no futuro?
Poderia já estar trabalhando,porque tive alguns convites de clubes fortes do Brasil depois que sai da Seleção Brasileira. Mas não quis. Quero limpar a minha honra antes de voltar a trabalhar. Minha projeção é voltar no começo do próximo ano.
Seu estilo irá mudar? Você aposentará o terno e a gravata?
Essa pergunta é muito interessante. Antes diziam que eu estava valorizando a profissão de treinador trabalhando bem vestido. Repetiam que era modernidade, que eu deveria servir de exemplo. Muita gente morria de inveja da maneira elegante dos treinadores da Europa. Mas comigo foi pelo lado pejorativo. Só que eu não vou mudar. Sou um homem de convicções. Trabalharei da mesma maneira: de terno, gravata e muito orgulho por defender a equipe que estiver servindo.
Surgiram boatos de que você estaria deprimido, até com crises de choro depois da demissão. Mais mentiras. Levei um baque. Fiquei 15 dias isolado, analisando o que me acontenceu. Entendi. Estou pronto para enfrentar a CPI e voltar a trabalhar como técnico. Quem me queria fraco vai me encontrar mais forte do que nunca.