São Paulo - Sincero, desbocado, impertinente, franco ou exibido. Não importa o adjetivo, a verdade é que durante os 30 dias em que está no cargo de vice-presidente de Futebol do Corinthians, Antonio Roque Citadini agitou os bastidores do Parque São Jorge.
Dono de opiniões contundentes - e, conseqüentemente, polêmicas -, ele vem despertando a atenção de outros dirigentes de clubes e da imprensa por causa de sua forma pouco convencional de trabalhar e de relacionar-se profissionalmente.
Adepto do pragmatismo, Citadini sente autêntica repulsa em relação ao que denomina "cultura do futebol". Diz que fica revoltado com a maneira pouco objetiva com que as pessoas envolvidas no meio futebolístico se comportam.
"Ninguém fala as coisas diretamente, na cara. Preferem ficar enrolando a emitir uma opinião", explica. "E o pior é que rotulam de inconveniente e antiético quem faz isso."
Aos 50 anos, casado, esse juiz de direito, membro do Tribunal de Contas do Estado e sócio do Corinthians desde 1971, em que atua também como membro do Conselho de Orientação (Cori), foi designado pela presidência do clube para duas missões: a primeira é estreitar as relações entre a direção corintiana e o parceiro do clube, o fundo de investimentos norte-americano Hicks Muse Tate & Furst (HMTF); a segunda é introduzir uma nova filosofia administrativa no Departamento de Futebol, voltada para um respeito maior à hierarquia e para a limitação do poder dos treinadores.
Citadini garante que seu jeito atípico não vai surpreender o presidente do Corinthians, Alberto Dualib, em nenhum momento. "Ele sabia exatamente como sou bem antes de me nomear para o cargo. Aliás, conto até com seu incentivo", diz.
Preto no branco - Citadini quer, antes de mais nada, mudar a atitude dos profissionais do futebol. E isso não se aplica apenas àqueles que trabalharão com ele no Corinthians. Seu objetivo é provocar uma reflexão por todo o País. Sabe que vai enfrentar muitas resistências, mas se diz disposto a pagar o preço pelo pioneirismo. A maior oposição refere-se à sinceridade e clareza com que se comporta, mesmo diante de outros dirigentes de clube.
Ele revela que, durante algumas reuniões, muitos chegam a assustar-se com seus pontos de vista e, principalmente, com a forma encontrada por ele para expressá-los.
Certa vez, o vice-presidente de Futebol corintiano falou, durante uma entrevista, que não gostava do Cruzeiro, sobretudo porque o time mineiro um dia foi chamado de Palestra Itália. Ele afirma que foi criado um certo constrangimento entre os demais dirigentes. "Mas qual é o problema de dizer isso?", pergunta. "Qualquer um que afirme o contrário estará sendo hipócrita. Eu torço para o Corinthians e nada mais."
Como se pode perceber, a referência ao Palmeiras, o grande rival do Alvinegro, segue a mesma linha. Citadini é um defensor contumaz da rivalidade. Sem ela, reflete, o futebol perderia seu encanto. Ele assegura que também não gosta do time do Parque Antártica e acha ótimo quando percebe que o sentimento é recíproco. Seu passatempo preferido para as noites em que os canais de televisão estão exibindo jogos que não sejam os do Corinthians, são os vídeos e CDs de ópera que coleciona e acomoda no escritório de casa.
Hierarquia - Citadini comenta que os técnicos "mandões", que se consideram verdadeiros reis do clube em trabalham e responsáveis por todas as decisões referentes ao time, estão com os dias contados no futebol.
"No Corinthians isso já é uma realidade. Treinador que quiser interferir em tudo vai ter de procurar outra equipe para dirigir."
Esta é a razão apontada por ele para justificar a intenção da direção corintiana de contratar um gerente de Futebol antes de definir o nome do técnico que substituirá Candinho, demitido na quarta-feira. Segundo Citadini, se ocorrer o inverso, o resultado acabaria desfigurando a proposta. "O técnico indicaria algum amigo, mas acontece que uma das funções do gerente de Futebol será exatamente fiscalizar o trabalho da comissão técnica."
Por considerar que praticamente todos os treinadores brasileiros têm um perfil centralizador, Citadini revela que são grandes as chances de o Corinthians contar com um comandante estrangeiro na próxima temporada.
Para o dirigente alvinegro, o técnico, como o próprio nome sugere, deve preocupar-se apenas com a parte técnica da equipe.
Fora os bibelôs - Assim que se reapresentarem após o período de férias, os jogadores também começarão a sentir os efeitos da nova filosofia de trabalho. A idéia é acabar com certos mimos. Citadini garante que os atletas deixarão de ser tratados como bibelôs e passarão a ser cobrados como profissionais. Situações como a de atletas que ligam para avisar que não vão treinar porque vão visitar algum familiar não voltarão a se repetir. Profissionalismo, segundo o "xerife" do Parque São Jorge, não é chegar no horário aos treinos.
"Hoje, vivemos de resultados e todos têm de compartilhar esse conceito."
A exemplo do que acontece no meio empresarial, todos os escalões de poder dentro do clube serão fiscalizados e terão de prestar contas. Episódios como os de treinadores abafando crises internas e fazendo do elenco de jogadores um território impenetrável aos diretores já fazem parte do passado. "Quando eu achar que algo está errado ou que algum atleta deve ser punido, vou agir, independentemente se isso vai agradar ou não o treinador."
Mídia - A imprensa é apontada como um dos principais obstáculos a serem superados. Jornalistas, segundo Citadini, não admitem franqueza nas respostas, pois são, na maioria, grandes criadores de boatos.
O dirigente afirma que, algumas vezes, foi procurado por repórteres que exigiam um comentário seu sobre diferentes assuntos. Quando dizia que não tinha nada a declarar ou dava uma resposta objetiva, se deparava com algumas reações curiosas. "Eles ficavam indignados porque não fico enrolando, comportamento tradicional dos demais dirigentes de futebol, que acabam dando margem a especulações e notícias sem sentido."
Para Citadini, 80% das notícias que circulam diariamente não passam de informações sem nenhuma confirmação oficial. A maior causa desse porcentual elevado é, de acordo com ele, a incapacidade dos profissionais de imprensa de checarem corretamente os dados e da falta de objetividade dos dirigentes no momento de conceder uma entrevista.