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Plano da FGV para o futebol brasileiro decepciona
Sexta-feira, 05 Janeiro de 2001, 12h14
Atualizada: Sexta-feira, 05 Janeiro de 2001, 12h18

Por Eduardo Geraque

Rio - O único treinador de futebol que conseguiu levar o Brasil ao título de campeão do mundo após a era Pelé, Carlos Alberto Parreira, não deixou de ser lacônico. "O diagnóstico do paciente está feito. Ele continua na UTI, em estado terminal. Será preciso agora arrumar uma vacina para ele." A comparação, bastante precisa, ocorreu exatamente no dia da apresentação, em dezembro no Rio, dos resultados finais do diagnóstico do futebol brasileiro feito ao longo do ano a mando da CBF, a Confederação Brasileira de Futebol. Sem a presença de Ricardo Teixeira, que até hoje não se pronunciou de forma oficial sobre as primeiras providências que a entidade irá tomar, os bastidores da solenidade mostraram a falta da apoio dos dirigentes do futebol brasileiro em relação ao plano elaborado pelos professores da Fundação Getúlio Vargas do Rio - alguns de São Paulo também participaram da redação do texto.

"Nós vamos implantar tudo, mas de uma forma gradual", afirmou um dos vice-presidentes da CBF, Alfredo Nunes. Segundo ele, apenas o presidente Ricardo Teixeira pode dar informações mais precisas sobre quais seriam os passos da entidade. Na platéia, o deputado federal pelo Rio de Janeiro e dirigente do Vasco Eurico Miranda, mesmo antes de a rápida apresentação mambembe terminar -os slides foram passados em uma velocidade incrível e não houve oportunidade de perguntas após a exposição- já desaprovava tudo. "Você me trouxe aqui para ver esta p... aí", disse a um de seus acompanhantes. Na visão do dirigente, que ainda ameaça sair do Clube dos 13 porque segundo ele a entidade não representa o direito dos clubes, nada que não seja feito pelos times terá uma ação eficaz. "Os clubes é que precisam mandar definitivamente no futebol. Eles estão alijados do processo decisório. Parece uma democracia, mas não é", reclama o dirigente. Miranda talvez tenha esquecido que o plano foi feito com base na opinião de 1.230 pessoas que participaram dos oito seminários realizados ao longo do ano em diferentes cidades brasileiras. A maioria pertence a clubes.

Para seu colega e presidente da agremiação mais popular do país, Edmundo Santos Silva, do Flamengo, o problema da falta de poder dos clubes grandes são os times pequenos do futebol. "O voto entre um grande e um pequeno não pode ter o mesmo peso. É preciso que esta relação mude", afirma. Para ele, ao contrário do seu colega vascaíno, que não gosta de ver "técnicos" atuando no futebol, o plano da Getúlio Vargas tem alguns pontos que devem ser elogiados. "O caso do ranking, por exemplo, é interessante. Ele vai privilegiar quem investir mais no futebol", acredita Edmundo Santos Silva.

Apesar de ter sugerido a formação de um ranking, como ocorre no tênis, para que os times mais bem colocados tenham participação garantida, o diagnóstico apresentado não estabelece nenhum critério para a elaboração da listagem. Segundo os representantes da FGV/RJ, este é um assunto para ser discutido entre a CBF e os clubes. Além do ranking, várias mudanças na legislação esportiva, duras críticas à própria Confederação Brasileira de Futebol, que não estaria seguindo à risca o seu papel de dirigir o futebol no Brasil, e a proposta de profissionalização dos árbitros, a FGV apresentou um novo calendário para o futebol brasileiro. Quase ninguém gostou.

"Eles sugeriram o mês de julho para os amistosos internacionais dos clubes. Este mês, no caso de o objetivo ser jogar na Europa, é impraticável. Lá, neste período, todos estão em férias", lembra Parreira. "O melhor mês lá tem de ser agosto." Até o representante da Rede Globo de Televisão, Marcelo Campos Pinto, criticou as sugestões. Por motivos mercadológicos, a principal reclamação do diretor da Globo refere-se à Copa Mercosul, que segundo ele não acrescenta nada ao futebol. A Mercosul tem como organizador a Traffic, empresa que tem participação no departamento de esportes da Rede Bandeirantes de Televisão. Em termos gerais, o calendário elaborado pretende racionalizar o número de jogos que os clubes de futebol farão ao longo do ano -parte dos dirigentes é contrária a esta idéia, que deve ser encarada como positiva. Para que isto ocorra, não haveria participação de um time em competições simultâneas e só seriam feitos dois jogos por semana. O espaço para a pré-temporada também foi estipulado. Ele seria logo no início do ano. Apesar de ter sido lembrado que os calendários nacionais precisam estar em sintonia com os internacionais, da Confederação Sul-Americana e da Fifa no caso do Brasil, o modelo apresentado não levou em conta competições como Copa América, Copa do Mundo, Mundial Interclubes e a Copa das Confederações. Apenas a Libertadores de América e a Mercosul foram mencionadas no plano.

Os campeonatos estaduais, segundo o diagnóstico, seriam realizados em 56 datas ao longo do ano, com duas fases: a classificatória e a final. A primeira ocorreria no segundo semestre, apenas com os times considerados pequenos. Os grandes entrariam na fase final, no primeiro semestre do ano seguinte. Uma das claras preocupações dos professores da Getúlio Vargas é com a inatividade dos clubes pequenos, considerada, pelos próprios representantes destas agremiações um obstáculo importante para o desenvolvimento das equipes.

A Copa dos Campeões seria mantida. Além de uma vaga na Libertadores, pelo plano, a competição classificaria também um time para o campeonato nacional. Haveria nove datas disponíveis para as fases regionais e a nacional. Pode até parecer um contra-senso, mas o plano sugere a criação de uma nova copa, a da Integração Nacional. Ela seria disputada no primeiro semestre, em 26 datas, apenas pelos clubes pequenos que já estariam desclassificados das fases finais dos respectivos campeonatos estaduais. Ela teria três fases: regional, nacional e final.

A Copa do Brasil seria totalmente reformulada caso a CBF resolvesse levar a sério o estudo que ela mesmo pediu. A competição seria mais enxuta, com apenas 12 datas em três meses. Apenas os primeiros times do ranking jogariam o campeonato. O campeão assegura vaga na Libertadores, e quem já estiver na principal competição sul-americana do mesmo ano será excluído da Copa do Brasil.

Mas a grande decepção ficou para o final. O campeonato brasileiro de futebol, ao contrário do que ocorre na maior parte do mundo, não seria por pontos corridos. A primeira divisão teria 24 clubes e o campeão seria conhecido após 29 datas. Fariam parte da primeira divisão o campeão brasileiro, os quatro primeiros colocados da Copa dos Campeões, o vencedor da segunda divisão e os 18 mais bem colocados do ranking nacional do futebol, excluídos, é claro, aqueles que já tiverem vagas pelos critérios anteriores. Depois de uma fase final em turno único, haveria a fase do mata-mata. Na prática, o regulamento é muito parecido com a Copa JH, mas sem a previsão do cruzamento entre os módulos. Como também está prevista a realização das demais divisões, muito provavelmente poderá ocorrer uma sobreposição, entre os times pequenos, do campeonato nacional com a primeira fase do campeonato regional, já que eles devem também estar jogando no segundo semestre.

"Um dos grandes mandantes do futebol brasileiro é a televisão", explica José Antônio Alves, professor da FGV e coordenador do projeto de modernização.

Para ele, isto é até natural porque a televisão no Brasil tem um papel central no financiamento do futebol. Segundo números da própria FGV foram gastos, nos últimos dois anos, US$ 206 milhões em compra de direitos de transmissão. O futebol do Brasil movimenta algo ao redor de US$ 16 bilhões todos os anos, o que é ínfimo perto dos US$ 250 bilhões que o esporte bretão gira, todos anos, no planeta, segundo os números da Fifa.

Em países como a Inglaterra e a Itália, as receitas dos clubes com a televisão não ultrapassam os 50% de suas rendas mensais totais. Se a dependência da televisão é grande, outro dado que o diagnóstico do futebol conseguiu, mais uma vez, assinalar é como os contratos de licenciamento feitos no Brasil, com raras exceções, são amadores. O mundo, neste setor, movimenta US$ 16,9 bilhões. Muito pouco deste capital passa pelos times de futebol do Brasil.

Sem a aprovação total do Clube dos 13 -o presidente Fábio Koff apareceu apenas no fim da apresentação do plano-, sem uma posição firme da CBF e com crítica dos diretores da Rede Globo de Televisão, a FGV/RJ corre o risco de ver as suas decisões, grande parte delas acadêmicas demais, não saírem do papel. Parece que ninguém quer mudar o estado das coisas no futebol brasileiro. A desorganização, mesmo em um novo milênio, deverá continuar em campo.

Gazeta Mercantil/Fim de Semana


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