Goiânia - Após três anos de ausência, Miguel Angelo da Luz está de
volta ao basquete. E escolheu o Universo/Ajax, que disputa o
Campeonato Nacional Masculino, para continuar sua carreira.
Fora das quadras, ele deu aulas de Educação Física em
colégios e universidades e teve experiência como dirigente
sendo gerente de esportes do Flamengo (RJ). Agora seu
objetivo é reabilitar a equipe goiana no Nacional e dessa forma
voltar a ser lembrado para comandar uma seleção, cargo que
já ocupou na categoria feminina com sucesso, conquistando o
título do Mundial da Austrália (1994) e a medalha de prata na
Olimpíada de Atlanta (1996).
O treinador, que nasceu no Rio de Janeiro dia 5 de abril de
1959, um Domingo de Páscoa, elogia o trabalho da
Confederação Brasileira de Basquete (CBB) nas categorias de base e prevê um futuro
brilhante para a seleção brasileira feminina nas próximas duas olimpíadas. O alerta vai para
a seleção masculina, dirigida atualmente por Hélio Rubens, que precisa melhorar o sistema
defensivo para voltar a ter um desempenho satisfatório nas competições no exterior. A
outra preocupação é que o selecionado que já teve negros como Gílson, Pipoca e Adílson
hoje está branca. “A seleção masculina precisa de negros”, afirma. “Nos Estados Unidos, o
basquete é praticado predominantemente por atletas negros, que, por característica, eles
têm habilidade, força e impulsão”, lembra.
Em entrevista a O POPULAR, Miguel Angelo, um ex-armador do time de basquete do
Vasco – assegura que foi um bom jogador, mas parou de jogar aos 24 anos por falta de
oportunidade de continuar a carreira – conta ainda fatos marcantes do título Mundial e dos
motivos do afastamento de Martha da seleção em sua época.
Como você avalia a evolução da seleção brasileira feminina após sua saída da comissão
técnica?
A seleção, que após a minha saída também perdeu Hortência e Paula, mostrou uma certa evolução
nos últimos anos. É uma geração que vai dar frutos nas duas próximas olimpíadas, pois é nova e tem
vontade de vencer.
Depois da conquista do título Mundial e da medalha de prata você deixou a comissão
técnica, mesmo provando ter competência para o cargo. O que ocorreu para sua saída?
Fizemos (comissão técnica) uma proposta de trabalho à diretoria da Confederação Brasileira de
Basquete (CBB) para que fôssemos exclusivos. Eu na época tinha seis empregos e a exclusividade
era para me dedicar mais à seleção. Queria fazer o trabalho de descobrimento de novos talentos e
participar de palestras e cursos divulgando a modalidade. Como a proposta não foi aceita, resolvemos
sair até para dar oportunidade a outros técnicos que fizeram críticas no início do nosso trabalho.
Houve a mudança na comissão e a seleção ficou apenas em 4º lugar no Mundial da Alemanha.
Por que a comissão técnica foi criticada no início do trabalho?
Eu era um treinador desconhecido e tinha trabalhado apenas nas categorias de base masculina no Rio
de Janeiro e na seleção carioca. As estrelas Paula e Hortência, alguns técnicos, os patrocinadores e
a imprensa de São Paulo fizeram críticas por causa da minha escolha para o cargo. Para se ter uma
idéia, o Ibirapuera (ginásio em São Paulo) estava com 8 mil pessoas numa partidas me chamando de
burro. Isso só me deu força para prosseguir o trabalho e mostrar o valor da comissão técnica.
E como você conseguiu chegar à seleção?
Houve um simpósio promovido pela CBB em Petrópolis e cada federação tinha direito de indicar um
treinador de seu Estado, apesar de São Paulo ter mandado dez. Eu fui escolhido pelo Rio. Como tinha
feito um trabalho com a seleção universitária feminina, conversei durante o simpósio com Maria
Helena, Laís e Eleninha, as únicas que dirigiram equipes femininas. Maria Helena disse que minhas
idéias se identificavam muito com as delas e me convidou para trabalhar. Lembro-me que o
presidente da CBB na época, Renato Brito Cunha, disse que eu não iria para a seleção porque seria
uma furada. Ele falou ainda que, se desejasse mal a um inimigo, daria uma seleção feminina para
mim. Meu lugar, segundo ele, era no masculino. Ela insistiu com presidente até eu ser indicado para a
seleção feminina juvenil.
Quais as principais dificuldades para iniciar um trabalho na seleção?
Sem dúvida era ganhar a confiança do grupo. Também enfrentei a divergência entre Paula e
Hortência. As duas não estavam se falando por causa de um problema entre Hortência e a jogadora
Branca, irmã de Paula. Tivemos de fazer um trabalho individual para acabar com o atrito. Elas, como
grandes profissionais, entenderam que a seleção precisava das duas juntas para ter sucesso. Hoje
Paula e Hortência são amigas.
Por que você não convocou a pivô Marta para o Mundial de 1994?
Recebi críticas também por ter deixado Marta fora do Mundial, pois era na época a terceira melhor
jogadora do País. Mas Marta tinha problemas técnicos e de disciplina. Dois anos depois, ela voltou à
seleção e me agradeceu. A partir da sua não-convocação e do título mundial conquistado por sua
irmã Leila, Marta deu uma guinada na carreira.
Qual a lembrança mais marcante do Mundial na Austrália?
Foi o jogo na semifinal contra a seleção dos Estados Unidos, que era uma equipe poderosa. Para se
ter uma idéia, o time fez cerca de 90 amistosos, inclusive com equipes masculinas juvenil, e não
perdeu nenhum. As jogadoras norte-americanas chegaram à semifinal pensando que o Brasil seria
presa fácil. Na bolsa de aposta, os Estados Unidos eram 1º lugar disparado e estávamos em 12º
lugar. Fizemos um planejamento tático, marcamos em cima algumas jogadoras e tivemos sucesso.
Qual o Estado que faz um bom trabalho nas categorias de base, revelando jogadores de
qualidade?
São Paulo sempre descobre garotos que podem despontar no cenário nacional. O Rio de Janeiro
apresenta um ou outro atleta, como Marcelinho, do Botafogo, o melhor jogador brasileiro na
atualidade depois de Oscar. Fora isso eu não sei qual o Estado que pode fazer esse trabalho de ceder
mais atletas para as seleções de base.
O basquete brasileiro, que tem ídolos como Oscar, Hortência e Paula, não conseguiu ser
mania nacional, mesmo após a conquista do Mundial e de medalhas em olimpíadas e
pan-americanos. O vôlei, por exemplo, ganhou a medalha de ouro em Barcelona e até hoje
colhe frutos e ocupa um bom espaço na imprensa. O que ocorre com o basquete que não
conseguiu status?
Primeiro, é a mentalidade dos dirigentes do basquete, não estou falando em relação aos da CBB. Os
dirigentes do vôlei estão anos-luz à frente em comparação com os do basquete. Os jogadores de vôlei
que ganharam ouro são chamados até hoje de golden boys, enquanto as meninas do basquete
medalha de prata e campeãs mundiais, tirando Hortência, Paula e Janeth, passam despercebidas. Há
um trabalho eficiente de marketing no vôlei.
Os clubes cariocas investiram nas modalidades olímpicas nos últimos anos, mas estão em
sérias dificuldades financeiras agora. O que está acontecendo com esses clubes? Faltou
planejamento na época da montagem das equipes?
Faltou profissionalismo. Os dirigentes quiseram contratar e não se preocuparam com o valor que os
atletas e técnicos iriam receber. Fizeram compromissos além do que poderiam oferecer. Estive no
Flamengo como gerente de esportes e entrou um vice-presidente (preferiu não falar o nome) que
queria mais aparecer do que tornar o esporte competitivo. Ele pretendia medir forças com o Vasco
de igual para igual e não tinha dinheiro para bancar. Esse foi um dos motivos da minha saída do
clube, pois tenho um nome a zelar e não iria aceitar aquela irresponsabilidade.
Você faz planos para voltar a dirigir a seleção brasileira?
Claro. Sou uma pessoa que estuda muito o basquete. Mesmo fora da modalidade nesses três anos,
tentei me aperfeiçoar. Passei por momentos difíceis e até pensei em abandonar o basquete. Mas
agora vou dar a volta por cima e tenho muito a ajudar, seja na seleção masculina ou feminina. Sou
uma pessoa estudiosa e que quer mudar a característica dos jogadores brasileiros. Não é tirar o
poder ofensivo e sim melhorar o sistema defensivo. A seleção masculina, se não mudar sua filosofia,
chega a preocupar, pois não participará de torneios internacionais nem de olimpíada com sucesso.
Além de melhorar o sistema defensivo, o que falta à seleção masculina para ter sucesso e
estar presente na Olimpíada de Atenas?
Os técnicos precisam se unir, coisa que não acontece por causa da vaidade. Todos se voltam para
fazer seu trabalho no time e não estão preocupados com a seleção. Também tem de voltar a utilizar
os fundamentos do basquete. Vemos jogadores de seleção brasileira que não sabem driblar com a
mão que não domina, a chamada mão cega. O atleta necessita constantemente exercitar os
fundamentos do passe, do arremesso e do drible para que consiga desenvolver seu trabalho.
E por que técnicos experientes não se preocupam com esses fundamentos?
Eles acham que os jogadores que vêm da base estão formados. Os técnicos têm de lembrar que há
necessidade de fazer o trabalho de manutenção e não só dá tática. Não estou aqui faltando com a
ética profissional e sim dando a sugestão para que o Brasil possa voltar a fazer sucesso em nível
nacional.
Podemos chegar um dia a ter um basquete forte como o norte-americano?
Podemos, se começarmos a dar oportunidade para os atletas das classes menos favorecidas
entrarem no basquete. Nos Estados Unidos, o basquete é praticado predominantemente por atletas
negros, que, por características, eles têm habilidade, força e impulsão. No Brasil, o basquete é
dominado cada vez mais pelos brancos. É só pegar a seleção brasileira masculina e contar quantos
negros que tem. Da raça negra mesmo só um, Josuel e mesmo assim recusa algumas vezes em fazer
parte do grupo.
Por que os negros brasileiros não estão em quadra jogando basquete? Falta interesse?
Interesse tem. O problema é que o basquete está cada vez mais elitista. Geralmente, quem pratica a
modalidade freqüenta clubes, que exigem pagamento de mensalidade, e ainda tem de arcar com a
taxa da escolinha. Os negros brasileiros, de maneira geral, são menos favorecidos e não têm
condições de pagar. Mas isso não acontece só no basquete, outros esportes também estão perdendo
talento por causa da prática do esporte em clubes.